Apaga esse sorriso da cara: estudar sem esforço para concurso, um objetivo impossível (Parte 7)  

29/06/2018

 

                        “Si vas a casa de alguien y no tiene libros, no te lo folles”. John Waters

  1. Algo que nunca pode causar dano: ler e escrever

 

Se escutar os demais fosse igual a aprender, todos nós seríamos tão inteligentes que nem suportaríamos. Mas não é assim, verdadeiramente; ou não o é na medida em que seria razoável esperar[1]. Por isso é importante borrar da cabeça a ideia de que entre nossos melhores amigos não devem figurar os livros. Como aprendemos por associação, isto é, utilizando o que já sabemos para compreender o que desconhecemos, a leitura atenta é o meio mais efetivo para lograr ocupar nossa percepção consciente, para meditar de forma repetida (memorizar) sobre temas mais complexos, para seguir nosso próprio ritmo de estudos e/ou para estabelecer continuamente relações entre os conteúdos que estão diretamente vinculados.

De fato, a forma de acercar-nos mais diretamente ao conhecimento é através da leitura, o cenário mental onde se percebe com maior claridade os diferentes estilos de pensamento e as ideias fundamentais geradas a partir deles. Um hábito (leitura) que nos permite dialogar com o texto de maneira pausada, reflexiva e reler o que não compreendemos de imediato (uma prática bastante normal, um costume prudente mais que um signo de uma capacidade cerebral limitada). Um hábito (leitura) que nos devolve nossos próprios pensamentos com toda riqueza e madurez, que possibilita não só ter acesso ao próprio autor, mas que também facilita uma forma de viver dentro das palavras de outra pessoa.

Dito de forma menos rebuscada: devemos habituar-nos a conviver com os livros, a frequentá-los como essas habitações “en las que elegimos vivir”, a fazer um uso desmedido desses instrumentos do juízo com os que realizamos em solitário a parte substancial de nosso estudo/aprendizado e de nossa particular preparação. “Os livros são companheiros, mestres, magos e banqueiros dos tesouros da mente" (B. W. Tuckman) e sem eles estamos perdidos.[2]

Em um contexto (dos concursos) sobressaturado de «opinologia» e «cursos preparatórios» com suas massivas doses de lições enlatadas servidas com ligeireza e assombrosa rapidez, um mundo atravessado por informações que nos chegam desde os quatro pontos cardeais sem nenhuma classe de crivo prévio ou controle de qualidade (e a maioria das vezes como meros veículos de uma refinada e anedótica vaidade “acadêmica” e/ou interesses pessoais inerentes ao mercado dos concursos), o mais aconselhável é dedicar nosso limitado tempo não a ouvir o que os demais têm a dizer-nos, mas à pura e simples prática da leitura: o ato de ler forma parte do ato de aprender.

Não quero dizer, evidentemente, que há que ler por ler. Também com os livros há que ser seletivo. E algo desconfiado, pois nos encontramos em uma época em que “quase tudo” já faz parte dos objetos de cultura e/ou de algo admirável. Às vezes se ouve falar de um livro medíocre de um autor medíocre como se se tratasse de um clássico vivente ou de um evangelho bíblico. Há que ser cauto, estar atento à perigosa inflação bibliográfica e alerta ao sinistro fenômeno dos livros (“super”) atualizados, em geral tão rasteiros e dissimulados em suas palavras como o Diabo em seus movimentos. Um manto que se usa para encobrir a cobiça de uma turba de autores que teimam na neurótica repetição “papagaiesca” de informação em formato “dicas”, comentários, anotações e/ou jurisprudências (sempre, insisto: atualizadas, corrigidas, modificadas, alteradas, melhoradas...) como se fora a quintessência das fontes prioritárias e predominantes de conhecimento.

E não é isso tudo. Se nos dedicamos a ler de forma fluída e com disposição autotélica, com o tempo desenvolveremos um inefável sentimento de prazer pela leitura. E experimentá-lo é condição de outra atividade importante para nossos objetivos: o gosto pela escritura. Estou falando de coisas elementares, que aprendemos na infância: ler e escrever. Hábitos essenciais para uma preparação decente, posto que fomentar a capacidade de escrever, de expressar-se, de atuar, de explicar a realidade, é uma poderosa ferramenta para refinar o pensamento e potenciar o rendimento.

Escrever insere-se na categoria de repetição elaborativa, porque ajuda a clarificar, a organizar e a evidenciar o que se está aprendendo. Constitui um dos modos mais eficazes para reforçar as informações significativas, para associar e comparar temas novos ou desconhecidos com outros que já nos são familiares. Com a ação de escrever precisamos as ideias, advertirmos que temos ideias confusas ou equivocadas e, o que é mais importante, também descobrimos em ocasiões que sabemos ou pensamos coisas que ignorávamos saber ou pensar.

Por último, ainda que não menos importante, o aprendizado por meio da leitura (e o exercício da escritura) não somente ajuda a ser mais criativo e a entender melhor as coisas, senão que ajuda a distanciar-se do alvoroço, abstrair-se do mundo exterior e, livre de distrações, mergulhar em um processo que Proust catalogou como “iniciação à vida interior”.

Mas se nada disso for suficiente para convencer o sofrido leitor (a), talvez seja útil recordar algumas trivialidades: (i) ler te fará mais modesto, já que te permitirá advertir o pouco que sabes quando há tanto por saber; (ii) também te cambiará profundamente o cérebro[3] e te fará uma pessoa melhor, porque resultará uma forma prática de aplicar o que sabes e aprendes de maneira intelectual e racional; (iii) e se do que se trata é de alargar a vida, esse desejo que tantos acariciam, mais além de todos os esforços científico-técnicos empregados nele, nada melhor que a leitura de um (bom) livro.[4]

Notas e Referências

[1] http://emporiododireito.com.br/leitura/aulas-magistrais-preparatorias-on-line-via-satelite

[2]https://www.researchgate.net/publication/274473859_HOMENAGEM_A_LEITURA_E_AO_CEREBRO_LEITOR

[3] M.A. Skeide at Max Planck Institute for Human Cognitive and Brain Sciences in Leipzig, Germany el al., "Learning to read alters cortico-subcortical cross-talk in the visual system of illiterates," Science Advances (2017). DOI: 10.1126/sciadv.1602612 

[4] A chapter a day: Association of book reading with longevity (https://www.sciencedirect.com/science/article/pii/S0277953616303689).

 

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