“No me dedico a decirle a la gente lo que tiene que hacer – ya hay bastantes que se dedican a ello -, sino lo que hago yo.”
(Montaigne)
A afirmação que dá título a este artigo© tem uma explicação curta e outra extensa. A curta é: porque estudar para um concurso é uma inversão de tempo e esforço (cognitivo, emocional, ...), e tempo e esforço não se pode comprar, há que vivê-los. A longa é que o mito do candidato genial que aprova “de primeira” há que contrapesar com uma realidade muito mais frequente: a de todos os que tem que empregar horas, energia e (toneladas de) dedicação em estudar pelos caminhos mais ou menos ao uso.
Claro está que a assertiva precedente não teria nenhum sentido se existisse uma receita ou uma fórmula mágica para estudar, aprender e aprovar. Bastaria seguir as instruções. Estudaríamos, aprenderíamos e aprovaríamos conforme a um modelo experimentado, seguindo um método comum, indiscutível e infalível. Monstruosa fantasia.
A tarefa de preparação para um concurso te rouba os planos do dia seguinte, da semana seguinte, do mês que vem. Um concurso te rouba a normalidade. De fato, tudo passa a ser muito mais complicado do que parece, porque estudar/aprender é uma atividade que somente o estudante pode experimentar como própria, que lhe exige um forte compromisso pessoal e ativo para impulsar e potenciar distintas competências e habilidades com a finalidade de que seja capaz de desenvolver múltiplos aspectos de sua capacidade cognitiva, intelectual, crítica e emocional.
Mas, dado que não podemos subtrair-nos às opiniões alheias (ainda que não deveríamos olvidar que as opiniões, por relevantes que sejam, não têm outra realidade intrínseca que a que lhes outorgamos em nossa mente), o que farei à continuação será oferecer simples pontos de vista acerca do que considero particularmente importante para superar ou minimizar as dificuldades encontradas por aqueles que vivem a realidade dos concursos públicos, sem pretender desconsiderar a atmosfera de incerteza (epistêmica - que resulta da falta de conhecimentos[1] - e aleatória - que resulta de circunstâncias que ocorrem por azar[2]) que circunda o anacrônico, descaradamente rentável e pasmosamente retorcido modelo que nos dias que correm dá forma a esse tipo de competição.
- “It’s the brain, stupid!”[3]
Segundo David Eagleman, todas as experiências da vida – desde uma conversação à mais vasta cultura – conformam os detalhes microscópicos de nosso cérebro. Nosso cérebro se metamorfoseia de maneira incessante, constantemente reescreve seu próprio circuito, e como nossas experiências são únicas, também o são os vastos e detalhados padrões de nossas redes neuronais.
De forma muito simplificada: nos últimos anos, a neurociência nos ensinou muito sobre como o cérebro humano representa e armazena a informação e o conhecimento. Aprender significa basicamente adquirir novas representações neuronais de informação e estabelecer relações funcionais entre estas e as já existentes no cérebro. Isto é possível porque quando aprendemos se formam novas conexões entre os neurônios que albergam o conhecimento, ou se fortalecem e estabilizam e, inclusive, desaparecem muitas das já existentes. São processos de câmbio derivados da capacidade do cérebro para aprender (isto é, para cambiar-se a si mesmo) que em conjunto se denomina plasticidade. É plástico o cérebro porque pode modelar-se e manter a forma: “la experiencia lo cambia, y ese cambio se mantiene”. (D. Eagleman)
Esta plasticidade nas conexões e circuitos neuronais do cérebro se corresponde com o fato de que, como consequência da prática e a experiência, as memórias e outras capacidades mentais (intelectuais, emocionais, comportamentais, etc...etc.) das pessoas podem igualmente aparecer ou desaparecer, reforçar-se ou debilitar-se. Trata-se, em síntese, de uma propriedade do cérebro que consiste na capacidade de modificar sua estrutura e os padrões de atividade de maneira significativa, não somente durante a infância - o que não seria muito surpreendente -, senão também na idade adulta e, em geral, ao longo de toda a vida (R. Davidson).
E não, não se trata de simples parlapatório: é um processo neurológico contrastado. O cérebro muda de uma maneira real e física em resposta a cada experiência, a cada novo pensamento e, principalmente, a cada novo conhecimento aprendido ou habilidade adquirida. Não é nem imutável e nem estático, senão que a vida que levamos o remodela constantemente: tudo o que experimentamos transforma a estrutura física de nosso cérebro e os mecanismos de aprendizagem e memória são os que fazem que tal coisa ocorra.
Apesar disso, há uma “lei de ferro” que rege os acontecimentos neuronais: o que não se usa se perde. Isso significa que a intensidade com que se transmitem os sinais entre os neurônios se reforça com o uso reiterado e se debilitam com o desuso; que dizer, nosso cérebro muda e se fortalece quanto mais o utilizamos. E uma vez que esse fortalecimento ocorre especialmente durante e mediante o aprendizado contínuo, quanto mais exercitemos nossa mente com estudo/aprendizado, mais células cerebrais e mais comunicações (conexões sinápticas) entre elas se desenvolverão. Aprender é um processo de construção de redes ou conexões sinápticas; recordar é manter ou fortalecer essas conexões.
Portanto, da próxima vez que o indulgente leitor (a) estiver estudando, imagine que seu cérebro está estabelecendo novas conexões à medida que se enfrenta ao desafio, se concentra no que está fazendo e estuda com atenção. Ao final de cada dia de estudo mentalmente ativo e atento, tenha a certeza de que estará com um cérebro cujos neurônios (“que não morrem por atividade, senão por inatividade”) estão conectados de forma ligeiramente distinta a como o estavam quando se despertou pela manhã. E o amável leitor (a) também haverá cambiado de maneira paralela.
Por que digo tudo isso? Digo tudo isso apenas para lembrar que, dado que estamos dotados de um cérebro “que sobrevive cambiando-se a si mesmo” (N. Doidge), convém ser conscientes de que o fenômeno da plasticidade cerebral permite educar nossa maneira de ser, estudar e aprender, de tal maneira que mediante uma preparação e formação adequadas podemos melhorar substancialmente o funcionamento global de nosso cérebro ante a maranha de possibilidades a que está exposto e que o modela[4]. Como (bem) disse em certa ocasião Catherine Malabou: “Los humanos hacen su propio cerebro pero no saben que lo hacen”.
Notas e referências
© Nota bene: Este artigo, dividido em 11 partes, corresponde a um extrato, ligeiramente modificado, do Livro FERNANDEZ, Atahualpa e FERNANDEZ, Marly. “Concurso público e o inimigo interior. Fracasso, vontade e resistência”, São Paulo: Editora Biblioteca24horas, 2013.
[1]http://emporiododireito.com.br/backup/estudar-para-que-parte-1-por-atahualpa-fernandez-2/; http://emporiododireito.com.br/backup/estudar-para-que-parte-2-por-atahualpa-fernandez-2/
[2]https://www.researchgate.net/profile/Atahualpa_Fernandez2/publication/256443213_CONCURSO_PUBLICO_E_FORTUNA_SOBRE_A_ALEATORIEDADE_DA_VIDA/links/0c9605229b0f45faa2000000/CONCURSO-PUBLICO-E-FORTUNA-SOBRE-A-ALEATORIEDADE-DA-VIDA.pdf?origin=publication_list
[3] Arne Dietrich, How creativity happens in the brain.
[4] O que implica que cada um é responsável de seu cérebro, que podemos (e devemos) cultivá-lo, que gozamos da capacidade de adaptar-nos a novas circunstâncias e de adquirir informação até a etapa final da vida (ainda que essa capacidade diminua com a idade): “Todo hombre puede ser, si se lo propone, escultor de su propio cerebro”, assim reza a famosa cita de Ramón y Cajal. E recordemos que não é isto tudo: a plasticidade do cérebro depende do quanto se usa e em que sentido, com o qual trabalhá-lo não somente é possível, senão também recomendável. Dito de outro modo, as estruturas do cérebro tornam possível o aprendizado e, ao mesmo tempo, o aprendizado modifica continuamente essas estruturas e também seu funcionamento: “Somos una obra en marcha, siempre en movimiento”. (D. Eagleman)
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