Coluna Direito e Arte / Coordenadora Taysa Matos
Há muito ela não se percebia assim, envolvida em liberdade inquietante, as mãos gélidas, alegria agitando o coração. A vida de enfado: casa, filhos, contas, deixara para trás. Era outra, sentia-se como as personagens dos filmes que vira tantas vezes. Conduzia-se a mundo inverso do tédio da realidade. Entrou no táxi. Flocos de nuvens cruzavam o céu, iria reencontrá-lo após vinte anos.
Saíra do carro próximo ao hotel onde ele a esperava. Precisava andar um pouco. Tinha tanto para dizer, se conseguisse. Sentia-se insegura. A maquiagem não ocultava as olheiras ofertadas pela idade. A foto que ele enviara, mostrava que o tempo foi seu amigo. Tanto a perguntar. Queria saber dos caminhos que ele percorrera. Contou que o seu trabalho consistia em viajar o mundo. Ela imaginava quantas aventuras ele vivera; inversas a vida monótona que levava. Certamente iriam a um restaurante. Talvez ele falaria por horas, riria de si mesmo e a abraçaria como antigamente.
Ele a encontrara meses atrás, nas redes sociais. Curiosamente perguntara se era ela mesma... Não, não era mais a garota de olhos travessos, longos cabelos pretos, ondulados, destemida, ávida por novidades que ele conhecera naquele país distante. A vida a acomodara, mas não ao ponto de deixar de sonhar.
Ele demonstrava continuar vivendo na mesma intensidade, tão decidido como quando se conheceram. Iria a cidade dela, queria revê-la.
Os primeiros pingos de chuva tocaram o seu rosto despertando-a. Lembrou-se da chuva gélida do país dele, das ruas vazias, do silêncio imenso. Percebeu a coragem esvair-se a medida que os passos tornavam-se mais lentos. Podia desistir do encontro, bloquear o número de contato, fugir, esquecer de tudo. Respirou fundo, continuou a caminhar. Entrou no hotel.
Lá estava ele, os mesmos olhos cor de céu. Levantou-se e foi ao seu encontro, sem dizer palavra a beijou. Sentiu o amor retornar no tempo. E o tempo parou para vê-los. Seus olhos se encontraram com o mesmo brilho da primeira vez. Ele sorriu, deram-se as mãos, atravessaram o saguão e voltaram ao passado.
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