ANSEIO POPULAR E PUNITIVISMO

17/05/2019

Coluna Não nos Renderemos / Coordenadores: Daniela Villani Bonaccorsi Rodrigues e Leonardo Monteiro Rodrigues

               Norberto Bobbio, no clássico “A Era dos Direitos” já reconhecia: “ (...) também os direitos do homem são, indubitavelmente, um fenômeno social”.

               O anseio popular e o Direito há muito colidem, mas não podem ser confundidos, sob pena de se tornar (o Direito) um mero instrumento de vingança e satisfações momentâneas de um dado corpo coletivo.

             Deve-se questionar as razões e os riscos de se ouvir a “voz das ruas” em detrimento do Direito no contexto da aplicação das normas penais e processuais penais em um Estado Democrático e Social de Direito, como se pensa o Brasil.

              De início, ressalta-se que a pena, tem o objetivo central de tornar a sociedade melhor, propícia ao bom convívio entre os integrantes da comunidade, estabelecendo limites de atuação do Estado sobre os indivíduos e seus respectivos deveres.

             Porém, o Direito Penal possui uma peculiaridade quanto aos demais ramos do Direito, vez que trata do bem mais caro ao ser humano, a liberdade.

            Ou seja, é inconcebível que lei penais sejam estabelecidas de acordo com a vontade popular do momento. Isso porque a opinião pública é altamente volúvel, variando proporcionalmente de acordo com a situação de maior ou menor sensação de segurança social.

Nesse ponto, Sánchez Rubio adverte com sabedoria: [deve-se observar] “o perigo de conceber um pluralismo jurídico popular demasiado otimista, pois nem tudo o que nasce no seio dos coletivos sociais é positivo e emancipatório”. (RUBIO, 1999, p.240)

No contexto atual brasileiro, onde a incertezas e inseguranças se alastram incontrolavelmente, percebe-se com clareza que a população clama por punição a todo instante. Não é por acaso que o último Presidente eleito representa a personificação do anseio popular atual, o qual teve como tema central de campanha, a implementação de medias mais punitivas através de alterações na legislação penal, como Código Penal, Processual Penal e Lei de Execução Penal.

Notou-se que, durante sua campanha, se tornou popular pelas afirmações que correspondiam às angustias das massas. Contudo, em uma análise mais aprofundada, tais afirmativas não passaram de falácias ad populum, ou seja, afirmativas consideradas positivas pelo simples fato de agradar a muitos.

Por um lado, é dever do Estado garantir que a população manifeste suas vontades com total liberdade, por outro, a voz das ruas não pode ser motivação suficiente para legislar, nem ao menos para implementação de políticas públicas de segurança e Defesa Social.

Destaca-se, novamente, que Direito e opinião pública não se confundem. E há uma explicação para tanto. Ora, o Estado e o indivíduo possuem atribuições diferentes. É perfeitamente aceitável, inclusive desejável, que o indivíduo, isolado ou em grupo, manifeste suas vontades, anseios e apelos ao Estado, motivado pelo que o comove no momento.

O Estado, ao seu turno, é dotado do monopólio da força e poder, à ele cabe a tomada de decisões baseadas puramente na razão, buscando a todo tempo, soluções para os conflitos sociais, baseando-se em dados concretos, planejamento estratégico, e nunca por emoção.

Atribuir ao punitivismo a solução da criminalidade de um país é uma lógica fadada ao fracasso.  O Brasil, 3º país que mais encarcera no mundo, tem um histórico de tornar as penas cada vez mais severas. Até o presente momento, tem se revelando uma política nada eficaz, se prestando basicamente à superlotação carcerária, infringindo consequentemente direitos fundamentais do cidadão e relativização das normas penais, processuais penal e demais normas do Direito, garantidas constitucionalmente.

O endurecimento da legislação penal, pode ser entendida como uma resposta simplista de um governo popular à uma massa enfurecida e sedenta pela vingança.

A ânsia do povo em encarcerar mais, em muito, pretendem limitar a essência do ser humano, o que representa a quimera do homem limitado, vingativo, tomado pelo senso (sede) de controle e poder.

A esse respeito, Gunther Jakobs e Manuel Cancio Meliá (2015, p. 35), concluem que o viés vingativo, se traduz como um Direito Penal do Inimigo, no qual se observa que “um indivíduo que não admite ser obrigado a entrar em um estado de cidadania não pode participar dos benefícios do conceito de pessoa”.

Mais uma vez, tem-se implícita a lógica vingativa do corpo social contra os agentes infratores. Ora, quando se tem legitimado a capacidade de penalizar, surgem “(...) agitações em favor da série punitiva, propiciando ao indivíduo midiatizado satisfazer sua ânsia por participar e se sentir vingado. Sob esse conforto efêmero, ele reitera a crença na moral da pena (...)” (PASSETTI, 2006, p. 92).

No momento em que vivemos, a sensação de insegurança da população está elevada, os ânimos estão à flor da pele, a vontade de punir está em seu apogeu. Certamente, quando se tem um contexto político e social motivado por ódio e vingança, alterações bruscas na legislação constitucional e infra constitucional tendem a vulgarizar o Direito, sem nenhum benefício real à população.

Como contraponto a essa lógica, o marquês Beccaria, no longínquo ano de 1764, já aconselhava:

É melhor prevenir os crimes do que ter que puni-los; e todo legislador sábio deve procurar impedir o mal do que repara-lo, pois uma boa legislação não é senão a arte de proporcionar aos homens o maior bem-estar possível e preserva-los de todo sofrimento que lhe possam causar, segundo o cálculo dos bens e dos males desta vida. (BECCARIA, 1786, p. 104).

Através dessa reflexão, em tempos como os atuais, o Direito deve ser levado a sério, e a Constituição, em conjunto com seus princípios explícitos e implícitos, devem ser entendidos como parâmetro para as demais leis, ou seja, nenhum limite ali estabelecido deve ser infringido, nem mesmo pela voz das ruas.

Não podemos nos furtar a compreender que o Estado tem um papel para além da aplicação de castigo através da pena. O real papel do Estado é centrar-se na oferta de qualidade de vida de todo indivíduo, utilizando-se de todos os recursos possíveis para que a população tenha acesso irrestrito a seus direitos fundamentais.

 As respostas que se obtém de um Estado que se preocupa em ofertar as melhores condições de vida à população, é o retorno positivo da própria população, que se vê parte de uma comunidade baseada na construção de uma vida livre e digna, contando com instituições sérias e fortes de justiça.

Concluindo, a opinião pública, naturalmente efêmera e motivada por paixões, é perigosa. Se ater fortemente à Constituição Federal se torna imperioso para trilhar um futuro onde se pune menos e melhor.

O caminho a se seguir para o enfrentamento da criminalidade, é aquele que se harmoniza com o princípio democrático, com os direitos fundamentais e com a dignidade da pessoa humana. Assim sendo, apenas as políticas de segurança pública alicerçadas em concepções democráticas, comprometidas com a observância efetiva desses princípios, são compatíveis com a Constituição Federal, e não, ao maleável anseio popular.

 

 

Notas e Referências:

Bobbio, Noberto, 1909 – A Era dos Direitos/ Noberto Bobbio; tradução de Carlos Nelson Coutinho – Rio de Janeiro, Campus, 1992

BECCARRI, Cesare, Dos Delitos e das Penas. Tradução de Paulo M. Oliveira, 2 ed. 2015.

CONJUR Disponível em: << https://conjur.com.br/dl/infopen-levantamento.pfd >> acesso em 12 de abril 2019

JAKOBS, Gunther. Direito Penal do Inimigo: Noções e críticas. Tradução André Luis Calligari, Nereu José Giacomili, 6. Ed. Porto Alegre, 2018.

PASSETI, Edson. Ensaio sobre um abolicionismo penal. Revista Verve, 2006

 

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: Justice // Foto de: WilliamCho // Sem alterações

Disponível em:https://pixabay.com/en/justice-statue-lady-justice-2060093/

Licença de uso: https://pixabay.com/en/service/terms/#usage

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura