ANÁLISE NORMATIVA DA LEI ANTITERRORISMO EM FACE DOS GRUPOS DE ORGANIZAÇÕES CRIMINOSAS, SOB A ÓTICA DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

14/05/2019

 

            O terrorismo é um evento catastrófico que pode ocorrer em qualquer lugar do mundo, no qual o indivíduo, ou grupo, busca demonstrar seu poder, apelo ou concepções de determinada ideologia a todos que fazem parte de uma esfera social. Para tanto, usam de meios violentos ou ameaçadores, exaltando sempre, o terror social e desequilíbrio no sistema de segurança pública daquele espaço.

            Com efeito, acerca do seu conceito, Fabrício Vergueiro explica:[1]

[...] o terrorismo atual, a despeito das variações, caracteriza-se pela existência de um mínimo organizacional, que lhe permita coordenação das ações; impulso ideológico e objetivos pretendidos. O terrorismo não é um fim em si mesmo, nem uma crise aguda de esquizofrenia. Para alguns, surge como resposta às pressões negativas da economia, que impedem o diálogo político moderado e conduzem à ruptura violenta, como na Itália dos anos 70, com a criação das Brigadas Vermelhas. Outros enxergam uma tendência humana à permanente insatisfação política, potencializada pelo totalitarismo de organizações ideologicamente orientadas, e que torna aceitável a violência contra quem discorde do grupo, favorecendo um raciocínio de “nós contra eles”. (grifou-se).

            Nessa linha, o terrorismo se apresenta como um fenômeno global, permeando suas forças tanto por grupos já consolidados, os quais demonstram-se cada vez mais organizados e perigosos, quanto por indivíduos que não fazem parte necessariamente daqueles. Todavia, de modo geral, seus objetivos são similares, tendo sempre como alvo - em razão de suas motivações - o sentimento de pacificidade de uma coletividade.

            No decorrer dos últimos anos, alguns eventos tornaram-se de conhecimento mundial, em especial o ataque nas torres gêmeas no dia 11 de setembro de 2001, nos Estados Unidos. Em razão deste, e outros fatos, o USA tornou-se o país pioneiro em estudar um combate cada vez mais rigoroso em face dessas práticas.

            Por força disso, criou-se um sentimento de união mundial contra o terrorismo, buscando definir um conceito universal deste, sendo elaborado diversas convenções internacionais, buscando tipificar os atos terroristas em diversas áreas. O Brasil, por sua vez, tornou-se signatário de várias destas, considerando ainda a repulsa expressa no texto constitucional em relação à essa prática, bem como a determinação de sua inafiançabilidade no art. 5, XLVIII, da Carta Magna.[2]

            Em que pese a referência no texto constitucional, e na Lei de Segurança Nacional - Lei n. 7.170/83 -, era notório a ausência de uma lei que regulasse de modo exclusivo o terrorismo no Brasil. À vista disso, e por força de alguns fatores circunstanciais, como os eventos dos jogos olímpicos naquela época, foi criada a Lei n. 13.260/16, a Lei Antiterrorismo.

 

DA ANÁLISE DA LEI

            O art. 2º da Lei n. 13.260/16, estabelece os requisitos para a configuração plena de um ato terrorista, dividindo-se em: motivação, finalidade e exposição de perigo aos bens jurídicos descritos. Acerca das razões do ato, têm-se aquelas motivadas por xenofobia, discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia e religião, de modo que, sejam cometidas com a finalidade, portanto, de provocar um terror social ou generalizado, expondo a perigo pessoa, patrimônio, a paz pública ou a incolumidade pública.

            Nota-se o elevado grau de subjetividade do texto, sobretudo no que toca alguns conceitos, como a paz pública, por exemplo. A grosso modo, têm-se paz pública como a estabilidade do sentimento de segurança de determinado espaço. Nada obstante, é forçoso notar que, quaisquer delitos cometidos com violência ou grave ameaça, em tese, atentaria contra o sentimento de segurança social. Em razão dessa análise, é imperioso atentar-se exatamente àqueles requisitos.

            Isso porque, a rigor da lei, expor perigo a paz pública, não resta suficiente para configuração de um ato terrorista. No crime de roubo, por exemplo, em que pese a violência ou grave ameaça apresentar força suficiente para desequilibrar o sentimento de segurança social em determinado espaço, ou seja, expor perigo a paz pública, a finalidade do agente, in casu, é subtrair a coisa alheia móvel, tratando-se, portanto, de um interesse particular do sujeito. Por outro lado, no ato terrorista, a finalidade é de provocar terror social ou generalizado, observadas àquelas razões supracitadas, as quais estão ligadas em desfavor de determinados grupos.

            Diante dessa análise, é possível constatar a necessidade do dolo específico do agente, ou seja, o delito tem que ser cometido por algumas daquelas razões, buscando àquelas finalidades, e expondo perigo àqueles bens jurídicos. Desta feita, verifica-se que as motivações estão direcionadas em face de grupos determinados, já a finalidade do dolo, consiste na desestabilização da paz ou ordem pública, sendo o resultado, por sua vez, a exposição de perigo.

            O art. 5º da lei prevê, ainda, uma das exceções dos atos preparatórios, que em regra, são impuníveis. Acerca do tema, elucida Rogério Sanches Cunha:[3]

[...] o art. 5º da Lei n. 13.260/16, cujo caput pune a conduta de realizar os atos preparatórios de terrorismo com o propósito inequívoco de consumar tal delito. Neste caso, aliás, podem ser abarcados até mesmo atos prévios ao que normalmente se consideraria “preparação”. Por exemplo: o agente é surpreendido fabricando um explosivo que será utilizado num ato de terrorismo. Pode ser punido com base no art. 5º em virtude de um ato que se encontra numa fase ainda anterior à que geralmente seria tratada como preparação (nesse contexto, aquela fase em que o agente efetivamente se dirige ao local do ato portando o explosivo).

            Nesse campo, resta razoável o entendimento retro, considerando a indispensabilidade da tentativa ou consumação do delito para que o agente mereça a punição. Na mesma linha, aplica-se esta temática ao crime de associação criminosa - art. 288, do Código Penal -, o qual reúne-se três ou mais pessoas para o planejamento das futuras práticas delitivas, estando ainda em fase de preparação, entretanto, já executando a formação do grupo criminoso. Assim, entende-se que ambos comportamentos, quer seja no campo da Lei Antiterrorismo ou no tipo penal retro, merecem configuração do delito de forma autônoma, visto o grau elevado de gravidade dos resultados que os agentes almejam.

            Outro ponto importante da lei em estudo, é a compreensão do atual desenvolvimento tecnológico, e o modo em que estamos sujeitos à crimes cibernéticos, neste caso, não somente na esfera privada, buscando àquele autor seu desejo particular em face de determinada vítima, mas também no campo do terrorismo, desde que atendendo as motivações, finalidade e resultados, conforme já exposto na seara terrorista. Nesse segmento, o art. 2º, §1ª, IV, da lei, classifica também como atos terroristas, àqueles cometidos através de mecanismos cibernéticos, controlando total ou parcialmente, ainda que de modo temporário, aeroportos, escolas, hospitais, dentre outros estabelecidos no tipo retro, desde que, tenha o autor as motivações, finalidades e resultados expressos no caput do art. 2º desta lei.

Assim, aquele que invade determinado sistema, objetivando apenas demonstrar suas aptidões tecnológicas, por exemplo, ou, visando outra finalidade que não seja o terror social generalizado, não incorre nas sanções desta lei. De toda sorte, não prejudica a tipificação de eventual crime comum em seu desfavor.

Nesse campo, extrai-se do art. 2º, §2º da lei, que diz respeito à vedação de sua aplicação nos casos de manifestações populares com animus de reivindicar direitos, propósitos sociais, dentre outros contidos no texto de lei, a fim de, assegurar a liberdade de defender as garantias constitucionais. Contudo, cabe salientar, que eventuais delitos oriundos dessas ações, serão analisados sob o manto do Código Penal ou de outras leis apropriadas, a depender do caso concreto.

Em sentido contrário, um Projeto de Lei do Senado - PLS n. 272/2016 -, busca alterar a Lei Antiterrorismo, objetivando disciplinar com mais precisão condutas consideradas como atos de terrorismo.[4] O projeto consiste em criminalizar àqueles movimentos sociais, quando destinados a dissimular atuação terrorista, nos casos de ocupações de imóveis urbanos ou rurais, desde que provocado terror social ou generalizado.

 

O TERRORISTA E O CRIMINOSO

            Superado o conceito, e os requisitos necessários para a configuração de terrorismo, é imprescindível entender suas características, sob pena de confundir atos terroristas com crimes comuns. Em que pese seus modus operandi serem, por vezes, análogos, busca-se em suas particularidades, em especial na natureza das condutas, a real diferença entre um terrorista e um criminoso.

            Como se sabe, um evento terrorista, visa reconhecimento, demonstração de uma ideia ou crença, sob qualquer custo. De modo grosseiro, pode-se aplicar em analogia, à um teatro, ou seja, tem que haver “espectadores”, sob pena de restar infrutífera sua “mensagem”.

            Por outro lado, as organizações criminosas, por vezes, buscam o anonimato, de modo que resta mais efetivo seus objetivos, ou ainda, aumenta-se “a vida útil” daquela organização, ao passo que se distanciam aos olhos dos órgãos de segurança do Estado. Cabe assinalar, de outro lado, que aqui o comprometimento é com o lucro, ressaltando, também, o poder. Sendo o poder para àquele, também um instrumento de grande interesse, mas com uma finalidade distinta. A conquista do poder para o terrorista, significa que sua ideia ou objetivo está estabelecida acima dos demais.

            Há que salientar, ainda, o caráter coletivo das práticas envolvendo organizações criminosas. Ao contrário do terrorismo, aqui só pode-se praticar o delito em grupo, sendo em regra, a própria natureza desta categoria. Já no terrorismo, não obstante os grandes grupos em exercício atualmente, é possível praticar tais atos de maneira individual, desde que preenchido os requisitos do caput do Art. 2º da Lei.

            Isso porque, não perdura o atributo organizacional como fator elementar para a configuração do crime de terrorismo. Agrega-se, ainda, “o fato de que os indivíduos têm se associado a organizações criminosas mesmo à distância ou pela internet.”[5], sendo este o entendimento majoritário na doutrina brasileira. Na doutrina norte-americana, ao compartilhar da mesma compreensão, classifica àqueles que praticam os atos terrorista de maneira individual, usando a expressão lobo solitário (Lone Wolf) ou rato solitário (lone rat).[6]

           De outra banda, o entendimento minoritário da doutrina, assevera a impossibilidade da existência de um crime terrorista, quando praticado por apenas um agente. Nessa toada, melhor destaca Renato Augusto Pereira Maia:[7]

[...] entende que a qualidade organizacional é elementar do crime de terrorismo. Ou seja, na visão desses doutrinadores não se pode cogitar terrorismo se estamos diante de agente individual. Afinal, se o agente está agindo sozinho não teria o condão de causar terror social e organizacional, pois não conseguiria trazer uma perspectiva de reiteração de atos.

            Não obstante as divergências doutrinárias, atribui-se maior razão ao entendimento majoritário, tratando-se, in casu, de um crime com concurso eventual, a depender da análise do caso concreto.

            Quanto ao mais, ainda no campo das distinções entre o terrorista e o criminoso, Fabrício Vergueiro salienta:[8]

[...] a experiência tem revelado que a criminalidade organizada, longe de ser causada pela falta de leis, é consequência, em grande parte, da apatia, e até mesmo conivência da sociedade, destinatária final da maioria dos seus “serviços”. Isso não se coaduna com a lógica terrorista, que não pode conviver com apatia e conivência, até porque se propõe, em geral, à superação do sistema, considerado falho e corrupto.

            Cabe ressaltar, ainda, um conceito que no campo do senso comum pode amalgamar-se em relação ao terrorismo, trata-se, do crime político. Não obstante a ausência normativa acerca de sua definição, busca-se, conceitua-lo, a depender do caso concreto. Ab initio, cuida-se daqueles motivados, exclusivamente, por aspectos políticos, ferindo os interesses estatais. Assim, “para configurar um crime político, é imprescindível a motivação política ou que coloque em perigo a segurança do Estado, do governo ou do sistema político vigente, além de atos que prejudiquem os interesses do Estado.”[9]

            Não obstante a distinção clara em seus conceitos operacionais, o Supremo Tribunal Federal, na Extradição 855-2, inteirou que ambos não se confundem:[10]

Os atos delituosos de natureza terrorista, considerados os parâmetros consagrados pela vigente Constituição da República, não se subsumem à noção de criminalidade política, pois a Lei Fundamental proclamou o repúdio ao terrorismo como um dos princípios essenciais que devem reger o Estado brasileiro em suas relações internacionais (CF, art. 4º, VIII), além de haver qualificado o terrorismo, para efeito de repressão interna, como crime equiparável aos delitos hediondos, o que o expõe, sob tal perspectiva, a tratamento jurídico impregnado de máximo rigor, tornando-o inafiançável e insuscetível da clemência soberana do Estado e reduzindo-o, ainda, à dimensão ordinária dos crimes meramente comuns (CF, art. 5º, XLIII). [grifou-se].

            No mais, além das particularidades de cada agente, é forçoso notar o elemento subjetivo do dolo, o qual abstrair-se-á, em rigor, a finalidade específica que deve ou não, impulsioná-lo à determinada conduta no respectivo tipo penal objetivo. Outrossim, além dessa análise, ante a confrontação dos sujeitos em estudo, cabe observar os requisitos contidos no art. 2º da Lei n. 13.260/16, conforme já exposto.

 

APLICABILIDADE DA LEI ANTITERRORISMO NOS ATAQUES DO CEARÁ

            Ante análise da lei, verifica-se a ausência no que toca a configuração de uma organização terrorista. Em que pese o art. 3º lhe fazer referência, não estabeleceu os elementos necessários para tanto.

Como é cediço, várias são as formas de organização criminosa e associações definidas na legislação brasileira. Nessa linha, têm-se como exemplo a Lei 11.343/06 - Lei de drogas – que no seu art. 35º, aduz a figura da associação para o tráfico, agregando-se ainda, o art. 288 do Código Penal, ao tratar da associação criminosa, ambos contendo os respectivos requisitos elementares para sua constituição.

Apesar disso, diante da ausência normativa da Lei Antiterrorismo, a Lei n. 12.850/13, ao conceituar organização criminosa no seu art. 1º, §1º, determina, da mesma forma, a aplicação das organizações terrorista no seu texto, conforme §2º, II daquele dispositivo legal. Dessa maneira, nota-se uma categoria de organização criminosa, sendo esta, com o objetivo de cometer atos terroristas nos moldes da Lei n. 13.260/16.

Nesse campo, é possível analisar algumas organizações criminosas que, notadamente, promoveram terror no Estado do Ceará no início do ano de 2019. Em meados de fevereiro do ano corrente, contabilizaram 283 ataques em 56 dos 184 municípios do estado, sendo 134 em Fortaleza, cidade a qual concentra a maior parte das organizações criminosas.[11]

Acerca da motivação desses ataques, apurou-se a relação com a nomeação do secretário da Administração Penitenciário do estado, Luís Mauro Albuquerque. Isso porque, estabeleceu em sua gestão, um tratamento extremamente rigoroso e eficiente nos presídios, como investimento em equipamentos que visam impedir a entrada de objetos nos ergástulos públicos, em especial os aparelhos celulares, dentre outras medidas.

À vista disso, ao passo que se extrai a motivação dos ataques, é possível notar seu caráter de represália em face de atos da administração pública. Todavia, não obstante os efeitos notórios na esfera social causados por àqueles atos das organizações, é importante salientar que o sujeito passivo dessa relação é a sociedade, tendo, a paz pública como bem jurídico tutelado. Trata-se, portanto, de delito de perigo abstrato, isso significa dizer que sua mera formação e participação naquela organização criminosa coloca em risco a segurança da sociedade.[12]

Nessa linha, do mesmo modo que se tem o dolo específico no ato terrorista, ligado àquelas hipóteses de motivação, finalidade e resultado conforme já exposto, nos crimes da organização criminosa, “o delito é doloso, não se admitindo a forma culposa. Exige-se o elemento subjetivo específico implícito no próprio conceito de organização criminosa: obter vantagem ilícita de qualquer natureza”.[13]

Dessa maneira, in latu sensu, pode-se ter como motivação no caso em análise, a vantagem ilícita de qualquer natureza, como a intenção daquelas organizações em desconstituir o iminente secretário da Administração do Presídio de seu cargo, valendo-se, para tanto, de atos terroristas. Assim, é forçoso reiterar que, no campo dessas organizações, não subsiste somente o lucro como finalidade, mas também a prevalência de seu poder, este sob risco em face dos projetos da nova gestão dos presídios, visto o modo em que as facções se organizam dentro daqueles.

 

DO DIREITO PENAL DO INIMIGO

            Dentro desse tema, no que respeita a precisa aplicabilidade da Lei Antiterrorismo nos exemplos supracitados, torna-se oportuno uma análise da polêmica corrente do jurista alemão Gunther Jakobs, qual seja, o direito penal do inimigo. Nessa linha, busca-se dividir um direito penal clássico, o qual visa promover a garantia de vigência da norma penal, estabelecida, em tese, para àqueles que veem a delinquir, observando todas as garantias e princípios fundamentais, vez que este, estar-se-ia sob a égide de um contrato social. Já no segundo, aduz um direito penal de guerra, com regras diferentes daqueles, visto que nesse caso, se estaria diante de um inimigo do Estado.

            Nessa linha de raciocínio, Jakobs abstrai a distinção de ambos:[14]

[...] o Direito penal conhece dois polos ou tendências de suas regulações. Por um lado, o trato com o cidadão, em que se espera até que este exteriorize seu fato para reagir, com o fim de confirmar a estrutura normativa da sociedade, e por outro, o trato com o inimigo, que é interceptado prontamente em seu estágio prévio e que se combate por sua periculosidade.

Para melhor elucidação da presente análise, é forçoso salientar a figura do respectivo inimigo do Estado. Assim, extrai-se àquele com potencial perigo à sociedade que por ora participa, demonstrando total desprezo para com a norma vigente, constituindo, por vezes, suas próprias regras e hierarquia, tendo, como exemplo, traficantes que realizam a mercancia de drogas em grandes cidades, organizações criminosas e terroristas.

Nessa perspectiva, Jakobs ensina que, para estes que escolheram se afastar do Direito, ou seja, das regras estabelecidas no contrato social “a punibilidade se adianta um grande trecho, até o âmbito da preparação, e a pena se dirige a assegurar fatos futuros, não a sanção de fatos cometidos”.[15] Nesse entendimento, verifica-se a distinção que a presente corrente promove, no sentido de estabelecer àqueles sujeitos que delinquem, ferindo a norma vigente, e, noutra banda, aqueles que colocam em risco o ordenamento jurídico, considerando seu grande nível de periculosidade e o demasiado desprezo com as regras que regulam suas eventuais práticas delitivas.

 

CONCLUSÃO

            Dá análise normativa na lei em estudo, foi possível constatar que para a configuração de um ato de terrorismo, é necessário àqueles elementos estabelecidos no art. 2º da Lei n. 13.260/16, no que respeita a motivação, finalidade e resultado que expõem em perigo aqueles bens jurídicos tutelados. Nessa linha de raciocínio, conceitua-se organização criminosa de acordo com a estrutura que prevê o art. 1º, §1º da Lei n. 12.850/13.

            In casu, no exemplo dos ataques das organizações criminosas no Estado do Ceará, nota-se que daqueles elementos constitutivos de terrorismo, têm-se a finalidade e resultado de forma plena. Isso porque, na primeira, a busca pelo terror social ou generalizado restaram evidente. Já na segunda, é inequívoco os efeitos e perigos expostos as pessoas, patrimônio público, paz pública e incolumidade pública decorrentes daqueles ataques.

            Não obstante, verifica-se que a motivação - que é um dos elementos constitutivos -, daquelas facções não encontra lugar no texto da Lei Antiterrorismo. Em que pese os ataques causarem terror social e perigo a pessoa, patrimônio e paz pública, a motivação no caso em comento, teve como objeto, retaliação em face de atos da administração pública, estabelecidas por um secretário da Administração do Presídio daquele estado, que colocaria, em tese, risco ao poder ou organização interna das facções.

            Ainda, cabe ressaltar a disparidade do efeito da norma penal vigente, em relação às consequências que essas organizações criminosas promoveram em desfavor da sociedade, conforme os exemplos apurados. Para tanto, busca-se, também, na figura do direito penal do inimigo, forças para a manutenção dos meios legislativos vigentes capazes de confrontar tal desproporcionalidade. Por esse ângulo, lecionou o ilustre Cesare Beccaria:[16]

O interesse geral não é apenas que se cometem poucos crimes, mas ainda que os crimes mais prejudiciais à sociedade sejam os menos comuns. Os meios de que se utiliza a legislação para impedir os crimes devem, portanto, ser mais fortes à proporção que o crime é mais contrário ao bem público e pode tornar-se mais frequente. Deve, portanto, haver uma proporção entre os crimes e as penas. [grifou-se]

            Diante do exposto, é notório que o requisito motivação da Lei Antiterrorismo resta mitigado para a plena aplicabilidade nos casos de ataques de organizações criminosas. Nessa toada, é necessário repensar o modelo normativo da lei em estudo. Isso porque, em que pese a boa intenção do legislador pátrio, é preciso desvincular o conceito tradicional e estereotipado de terrorismo entrelaçado no senso comum, para acompanhar a evolução das práticas e em especial, as motivações dessas organizações que, ferem de morte a pacificidade social e sentimento de segurança pública de uma sociedade.

 

 

Notas e Referências

BECCARIA, Cesare Bonesana, Marches di, 1738-1794. Dos delitos e das penas: Que as penas devem ser proporcionais ao delito. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2014.

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 05 de outubro de 1988.  Brasília. DF, 05 out. 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 14 abr. 2019

BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição 855-2 República do Chile. Min. rel. Celso de Melo. Requerente: Governo do Chile. 26.08.2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/noticias/imprensa/VotoExt855.pdf> Acesso em: 14 abr. 2019.

CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 6 ed. rev. ampl. e atual.- Salvador: JusPODIVM, 2018.

JAKOBS, Güinther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho penal del enemigo,

VERGEUEIRO, Fabrício. Terrorismo e crime organizado têm objetivo e causa distintos. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2006-mai-22/terrorismo_crime_organizado_objetivos_diferentes> Acesso em: 14 abr. 2019.

LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM.

MAIA, Pereira Augusto Renato. Terrorismo - Lei 13.260/16: uma análise da tipificação do terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,terrorismo-lei-1326016-uma-analise-da-tipificacao-do-terrorismo-no-ordenamento-juridico-brasileiro,590542.html#_ftn7> Acesso em: 15 abr. 2019.

NUCCI, Guilherme. Organização criminosa – Aspectos legais relevantes. Disponível em: <https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/organizacao-criminosa-aspectos-legais-relevantes> Acesso em 22 abr. 2019

Onda de ataques no Ceará: Veja o número atualizado de ações de facções criminosas. Por Tribuna do Ceará em Segurança Pública. Disponível em: <https://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/segurancapublica/maior-onda-de-terror-da-historia-do-ceara-veja-o-numero-atualizado-de-ataques-de-faccoes/> Acesso em: 22 abr. de 2019.

Projeto de Lei do Senado n° 272, de 2016. Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/126364 > Acesso em: 14 abr. 2019.

TALON Evinis. O que são crimes políticos? Disponível em: < http://evinistalon.com/o-que-sao-crimes-politicos/> Acesso em: 14 abr. 2019.

[1]VERGEUEIRO, Fabrício. Terrorismo e crime organizado têm objetivo e causa distintos. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2006-mai-22/terrorismo_crime_organizado_objetivos_diferentes> Acesso em: 14 abr. 2019.

[2] BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, de 05 de outubro de 1988.  Brasília. DF, 05 out. 1988. Disponível em: < http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicaocompilado.htm >. Acesso em: 14 abr. 2019.

[3]CUNHA, Rogério Sanches. Manual de direito penal: parte geral (arts. 1º ao 120). 6 ed. rev. ampl. e atual.- Salvador: JusPODIVM, 2018. p. 394.

[4]Projeto de Lei do Senado n° 272, de 2016. Disponível em: < https://www25.senado.leg.br/web/atividade/materias/-/materia/126364 > Acesso em: 14 abr. 2019.

[5] LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017. P.889

[6]LIMA, Renato Brasileiro de. Legislação criminal especial comentada: volume único I Renato Brasileiro de Lima- 5a ed. rev., atual. e ampl.- Salvador: JusPODIVM, 2017.  P.891

[7] MAIA, Pereira Augusto Renato. Terrorismo - Lei 13.260/16: uma análise da tipificação do terrorismo no ordenamento jurídico brasileiro. Disponível em: <http://www.conteudojuridico.com.br/artigo,terrorismo-lei-1326016-uma-analise-da-tipificacao-do-terrorismo-no-ordenamento-juridico-brasileiro,590542.html#_ftn7> Acesso em: 15 abr. 2019.

[8]VERGEUEIRO, Fabrício. Terrorismo e crime organizado têm objetivo e causa distintos. Disponível em: <https://www.conjur.com.br/2006-mai-22/terrorismo_crime_organizado_objetivos_diferentes> Acesso em: 14 abr. 2019.

[9]TALON Evinis. O que são crimes políticos? Disponível em: < http://evinistalon.com/o-que-sao-crimes-politicos/> Acesso em: 14 abr. 2019.

[10] BRASIL. Supremo Tribunal Federal. Extradição 855-2 República do Chile. Min. rel. Celso de Melo. Requerente: Governo do Chile. 26.08.2004. Disponível em: <http://www.stf.jus.br/noticias/imprensa/VotoExt855.pdf> Acesso em: 14 abr. 2019.

[11] Onda de ataques no Ceará: Veja o número atualizado de ações de facções criminosas. Por Tribuna do Ceará em Segurança Pública. Disponível em: <https://tribunadoceara.uol.com.br/noticias/segurancapublica/maior-onda-de-terror-da-historia-do-ceara-veja-o-numero-atualizado-de-ataques-de-faccoes/> Acesso em: 22 abr. de 2019.

[12]NUCCI, Guilherme. Organização criminosa – Aspectos legais relevantes. Disponível em: <https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/organizacao-criminosa-aspectos-legais-relevantes> Acesso em 22 abr. 2019.

[13] NUCCI, Guilherme. Organização criminosa – Aspectos legais relevantes. Disponível em: <https://www.lfg.com.br/conteudos/artigos/geral/organizacao-criminosa-aspectos-legais-relevantes> Acesso em 22 abr. 2019

[14] JAKOBS, Güinther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho penal del enemigo, p. 42.

[15] JAKOBS, Güinther; CANCIO MELIÁ, Manuel. Derecho penal del enemigo, p. 40.

[16] BECCARIA, Cesare Bonesana, Marches di, 1738-1794. Dos delitos e das penas: Que as penas devem ser proporcionais ao delito. Tradução Torrieri Guimarães. São Paulo: Martin Claret, 2014. p. 63

 

 

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