Análise econômica do modelo comparticipativo de processo (Parte 2) – Por Denarcy Souza e Silva Júnior

13/06/2016

Leia também a Parte 1.

O MODELO COMPARTICIPATIVO DE PROCESSO: O CUSTO DA OPORTUNIDADE PARA A EFETIVIDADE DA DECISÃO JUDICIAL.

A tradição processual brasileira sempre foi centrada em um ambiente não cooperativo, estando o juiz mais interessado na otimização numérica dos seus julgados e as partes litigando estrategicamente com a finalidade de se sagrarem vencedoras da causa. Soa até estranho, nessa tradição, falar-se em cooperação entre os sujeitos processuais na busca de um resultado ótimo[1]. Mesmo porque, levando-se em consideração cada sujeito do processo, o agir estratégico[2] por eles desempenhado pode culminar em díspares resultados, que se afastem sobremaneira de uma decisão de mérito justa e efetiva.

Se essa constatação fáctica se mostrava evidente, coube ao Novo Código de Processo Civil, contrafaticamente, cunhar um modelo processual instituidor de uma comunidade de trabalho, na qual todos os sujeitos processuais devem atuar de uma forma interdependente, auxiliar e responsável, na construção da decisão judicial, como também em sua efetivação.[3]

Não se está tratando, é bom que se diga, de uma crença em uma solidariedade entre as partes para a obtenção de um resultado correto, tampouco de uma colaboração das partes entre si e com o juiz protagonista. O que se pretende com o novo diploma processual, é a instituição de uma comunidade de trabalho, de um policentrismo processual, onde cada sujeito do processo contribua para a construção e a efetividade das decisões judiciais, levando a sério o contraditório como influência e não surpresa, inibindo, sobretudo, atos praticados em má-fé processual.

O modelo comparticipativo, lido sob a premissa de processo democrático, fomenta o diálogo e o controle das ações dos atores processuais, daí a instituição, pelo Novo CPC, da cláusula geral de boa-fé processual (devido processo leal)[4], da fundamentação analítica da decisão judicial e do contraditório dinâmico (garantia de influência e não surpresa).

Dentro desta perspectiva, o juiz deve conduzir o processo isonomicamente, cooperando com as partes. Tal atuação democrática, inerente ao Estado Constitucional, impõe ao magistrado deveres de esclarecimento, consulta, prevenção e, para muitos, auxílio para com as partes da demanda.

A propósito, por dever de esclarecimento temos de entender ‘o dever de o tribunal se esclarecer junto das partes quanto às dúvidas que tenha sobre suas alegações, pedidos ou posições em juízo’. Por dever de prevenção, o dever de o órgão jurisdicional prevenir as partes do perigo do êxito de seus pedidos ‘ser frustrado pelo uso inadequado do processo’. Por dever de consulta, o dever de o órgão judicial consultar as partes antes de decidir sobre qualquer questão, possibilitando antes que essa o influenciem a respeito do rumo a ser imprimido à causa. Por dever de auxílio, ‘o dever de auxiliar as partes na superação de eventuais dificuldades que impeçam o exercício de direitos ou faculdades ou o cumprimento de ônus ou deveres processuais’.[5]

Ainda se pode afirmar, com Mitidiero[6], que há deveres de cooperação em relação às partes, que consistiriam em: a) dever de esclarecimento (se fazer em entender em suas petições e atos); b) dever de lealdade processual (boa-fé objetiva); e c) dever de proteção (a parte não pode causar dano à parte contrária).[7] Não é lugar neste breve texto para enfrentar eventual inconstitucionalidade da existência de deveres de cooperação entre as partes da demanda, sendo suficiente a menção de que há posicionamentos contrários a constitucionalidade desses deveres.[8]

Mas como analisar economicamente o modelo comparticipativo de processo? É verdade que o agir cooperativo maximiza o bem-estar dos sujeitos processuais? Qual seria a recompensa com esse agir cooperativo? As respostas a estas perguntas, tendo-se como norte a análise econômica do direito, decerto pode trazer luz para a escolha do legislador de apostar num modelo comparticipativo.

Já foi referido alhures, que o processo no Brasil sempre foi visto como um ambiente não cooperativo, onde cada sujeito agia com nítido intuito de atender aos seus interesses egoísticos. O dito protagonista (magistrado) agindo para otimizar a sua produção de decisões (em quantidade); já as partes, agindo estrategicamente com intuito de se sagrarem vencedoras da demanda. O modelo comparticipativo objetiva, relendo o contraditório a luz da Constituição, transformar um jogo processual de solução não cooperativa em um jogo de solução cooperativa, ou seja, a cooperação objetiva converter um jogo de soluções ineficientes em eficientes.[9]

Ocorre que para que os sujeitos processuais cooperem entre si não se pode clamar a crenças de solidariedade ou de moral individual. Ao contrário, o Novo Código de Processo Civil, quando determinou os deveres de cooperação (arts. 6º, 9º, 10, 489 etc.), impôs, ainda, responsabilidade ao sujeito processual que agir de modo não cooperativo. Não são poucas as sanções previstas no novo diploma processual pelo descumprimento do dever geral de lealdade[10], incentivando as partes a se pautar num agir cooperativo (boa-fé), sob pena de pagar pesadas multas, internalizando-as nos custos do processo.

Quanto ao magistrado, os deveres de cooperação desatendidos culminam na nulidade do ato processual e, em alguns casos, de todo o processo, o que acarretaria um esforço inútil, pois o ato teria que ser refeito, tornando de elevado custo o agir egoístico, pois não se alcançaria o intento de se ver reduzido o número de processos, acarretando um retrabalho que não se coaduna com a maximização do interesse do juiz. Daí o incentivo para que ele coopere com as partes e alcance o resultado ótimo pretendido pela norma (decisão de mérito justa, efetiva e em tempo razoável).

A análise econômica se apresenta ao direito como um sistema de incentivos a um homem que responde segundo a conquista do seu próprio interesse. Esta tem base no condutivismo psicológico, que estuda profundamente esse aspecto da personalidade, mas há muitas outras motivações distintas do egoísmo, como o altruísmo, a solidariedade, que escapam desse esquema.[11]

Não apenas com multas o novo diploma processual objetiva incentivar o agir cooperativo, pautado na boa-fé e no dever geral de lealdade. Basta pensar na instituição dos honorários recursais, que aumentará consideravelmente os custos da decisão de se recorrer ou não, pois caso o recurso seja improvido, os honorários advocatícios serão majorados (custos de oportunidade), conforme dicção do art. 85, § 11, do NCPC. Isso sem falar nas denominadas “sanções premiais”, que também objetivam um agir cooperativo, bem assim a possibilidade ampliada dos negócios processuais (art. 190).[12]

O pretendido afastamento do protagonismo judicial, em atenção ao contraditório dinâmico, é a tônica do Novo Código de Processo Civil. Embora controvertida, a cooperação judicial transforma o juiz num sujeito do contraditório, que também terá sua conduta pautada na boa-fé processual. Mais que isso, a correta assunção do modelo comparticipativo de processo, visto o contraditório como garantia de influência e não surpresa, decerto refletirá na fundamentação da decisão, tudo a fomentar um necessário diálogo na construção da decisão judicial, que se pretende justa e efetiva.

As consequências da escolha desse modelo processual, destarte, são muitas e vão da diminuição das taxas de recursos (pois as partes, se levado a sério os seus argumentos, tendem a se conformar com a decisão a ser proferida, ao menos é o que se espera) à diminuição do retrabalho processual, pois se exige responsabilidade na atividade desempenhada pelos atores do processo, que sabem que um agir não cooperativo não vai maximizar os seus interesses, elevando, assim, os custos do processo.

Analisando-se economicamente o modelo processual adotado pelo Novo Código de Processo Civil, percebe-se que o legislador optou pela adoção de um sistema de incentivos, onde os atores processuais terão que analisar, caso a caso, os custos das escolhas que tomarão ao longo do processo, pautando as suas condutas no afã de maximizar os seus interesses.

Não se trata, como dito, numa aposta na moral individual ou na solidariedade entre os sujeitos processuais, ao revés, levando-se em consideração os custos de oportunidade, pretendeu o novo diploma que as partes sempre optem pelo agir cooperativo, pois assim maximizarão os seus interesses e a norma alcançará o seu intento: uma decisão de mérito justa e efetiva, tomada em tempo razoável. Numa palavra, efetividade do Direito Fundamental a uma Tutela Jurisdicional Efetiva. 

PALAVRAS FINAIS

Não se pretendeu nas duas colunas esgotar a discussão acerca do modelo comparticipativo de processo, tampouco se destinou a uma análise econômica pormenorizada do modelo adotado pelo novo diploma processual. A finalidade dos textos é fomentar o debate; é dar início a uma análise econômica do Novo Código de Processo Civil, demonstrando o sistema de incentivos adotado para um agir cooperativo, diante do custo de oportunidade na manutenção do agir estratégico adversarial.

A análise mercadológica do modelo comparticipativo é de suma importância principalmente em razão da cultura adversarial que permeia o imaginário dos operadores do direito, pouco afetos ao diálogo e a uma solução conjunta do litígio. O custo de oportunidade na manutenção do agir egoístico no novo diploma processual é elevado, mesmo porque a maximização dos interesses dos sujeitos processuais, diante do sistema de incentivos adotado, desagua no agir cooperativo, na construção de uma comunidade de trabalho sem protagonistas.

Até mesmo a duração do processo em tempo razoável está albergada no modelo comparticipativo de processo. Com o processo civil dialógico, com as partes efetivamente influindo na construção da decisão judicial, sem que seus argumentos sejam desprezados na hora da decisão, espera-se que a aceitação da decisão seja a regra, acabando com a cultura dos recursos protelatórios, até mesmo pelo custo que eles acarretarão para a parte recalcitrante.

O novo se apresenta, devemos olhá-lo com o espírito renovado. De nada adiantará a mudança legislativa se continuarmos a analisar o processo civil como se ainda tivéssemos um sistema adversarial. Na verdade, olhar o processo como se nada houvesse mudado aumentará, sobremaneira, o custo do processo para a parte, que não conseguirá escolher o seu agir com base nos custos de oportunidade, internalizando custos desnecessários e que não maximizarão os seus interesses. É bem verdade que as partes sempre buscarão agir estrategicamente para ganhar a demanda, só que agora terão que sopesar bem os custos desse agir egoístico, pois o novo código incentiva a cooperação, na busca de uma decisão de mérito justa, efetiva e em tempo razoável, o que reflete o Direito Fundamental a uma Tutela Jurisdicional Efetiva.


Notas e Referências:

[1] Na verdade, tal perspectiva, como observa Nozick, é inerente ao estado da natureza: “É desolador observar situações em que ambas as partes opostas acham que o conflito é preferível a uma decisão contrária, qualquer que seja o procedimento adotado. Ambas consideram a situação como uma daquelas em que aquele que tem razão está obrigado a agir e a outra a ceder. Pouco adiantará que uma parte neutra diga a ambas: ‘Escutem, vocês dois pensam que estão com a razão, de modo que, de acordo com esse princípio e da maneira como o aplicam, vão ter que lutar. Por conseguinte, vocês têm que concordar sobre algum procedimento a fim de decidir a questão’.” NOZICK, Robert. Anarquia, Estado e Utopia. Trad. Ruy Jungmann. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 1991, p. 116.

[2] Cf. HABERMAS, Jürgen. Facticidad y Validez: sobre el derecho y el Estado democrático de derecho em términos de teoria del discurso. Trad. Manuel Jiménez Redondo. Madrid: Trotta, 1998.

[3] THEODORO JUNIOR, Humberto et al. Novo CPC: fundamentos e sistematização. Rio de Janeiro: Forense, 2015, p. 60.

[4] Cf. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2ª ed. São Paulo: RT, 2011.

[5] Idem. ibidem. p. 85.

[6] Cf. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2ª ed. São Paulo: RT, 2011.

[7] Cf. MITIDIERO, Daniel. Colaboração no Processo Civil: pressupostos sociais, lógicos e éticos. 2ª ed. São Paulo: RT, 2011.

[8] Por todos: STRECK, Lênio et al. A cooperação processual do novo CPC é incompatível com a Constituição. Disponível em <http://www.conjur.com.br/2014-dez-23/cooperacao-processual-cpc-incompativel-constituicao>. Acesso em: 25.04.2016.

[9] LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da Decisão Judicial: fundamentos de direito. 2ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 204.

[10] Ver: art. 77, §§ 2º e 5º, art. 81, art. 98, § 4º, art. 100, parágrafo único, art. 202, art. 234, § 2º, art. 258, art. 334, § 8º, art. 523, § 1º, todos do NCPC   , dentre inúmeros outros.

[11] LORENZETTI, Ricardo Luis. Teoria da Decisão Judicial: fundamentos de direito. 2ª ed. São Paulo: RT, 2011, p. 205.

[12] Ver: art. 90, § 4º, art. 827, § 1º, art. 701, todos do NCPC, entre outros.


 

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