Análise do Regulamento Europeu sobre Marketplaces      

18/04/2020

As plataformas de Marketplace têm ganhado cada vez mais espaço na sociedade atual. Estão presentes no setor de varejo (Amazon, Americanas, etc...), hoteleiro (AirBnb, Booking, etc...), alimentício (Ifood, Uber Eats, Rappi, etc...) e em vários outros importantes setores da economia.

Estes shoppings centers virtuais se caracterizam por oferecer serviços de parceiros comerciais para a sociedade. Assim, em um mesmo espaço virtual, encontra-se produtos e serviços de centenas/milhares de fornecedores. Assim, o interessado em adquirir o produto ou serviço consegue encontrar uma ampla oferta de produtos/serviços em um único espaço, o que simplifica bastante a sua pesquisa.

Estas plataformas se caracterizam pela existência de 3 (três) relações contratuais distintas. Uma entre a plataforma de Marketplace e o fornecedor de um produto e serviço que deseja estar presente no espaço virtual oferecido pelo gestor do Marketplace; o segundo contrato entre a plataforma de Marketplace e o interessado em um determinado produto e serviço que vai se beneficiar da plataforma; o terceiro – e eventual – ocorre entre o fornecedor e o interessado, quando da aquisição de um produto/serviço. Essa relação triangular é característica inata do comércio eletrônico na modalidade marketplace.

A necessidade de regular esse novo modelo de negócio é evidente, seja para fins de responsabilidade civil contratual/extracontratual, seja para fins de se determinar os direitos e obrigações de cada um destes envolvidos.

Desta forma, o ano de 2019 sedimentou a preocupação da União Europeia com o crescimento das plataformas que prestam serviços de intermediação online. O resultado de um longo período de debates e tentativa de regulação veio com o Regulamento 2019/1150 do Parlamento Europeu de 20 de junho de 2019, relativo à promoção da equidade e da transparência para os utilizadores profissionais de serviços de intermediação em linha, e que entra em vigor em 12 de julho de 2020.

Assim, “os serviços de intermediação em linha são facilitadores essenciais do empreendedorismo e de novos modelos de negócio, do comércio e da inovação que podem também melhorar o bem-estar dos consumidores e são cada vez mais utilizados tanto pelo setor público, como pelo setor privado. Os referidos serviços de intermediação oferecem acesso a novos mercados e oportunidades comerciais que permitem às empresas tirar partido dos benefícios do mercado interno. Estes serviços permitem aos consumidores da União beneficiar dessas vantagens, nomeadamente através de um maior leque de escolha de bens e serviços, bem como da contribuição para a oferta de preços competitivos em linha. Contudo, tais serviços suscitam problemas que têm de ser resolvidos com vista a garantir a segurança jurídica” (Considerando 1).

O regulamento é aplicável “a serviços de intermediação em linha e a motores de pesquisa em linha fornecidos, ou objeto de proposta de fornecimento, a utilizadores profissionais e a utilizadores de sítios Internet de empresas, respetivamente, cujo local de estabelecimento ou de residência se encontre na União e que proponham os seus bens ou serviços a consumidores localizados na União por intermédio desses serviços de intermediação em linha ou de motores de pesquisa em linha, independentemente do local de estabelecimento ou de residência dos respetivos prestadores desses serviços e independentemente do direito aplicável” (art. 1º, “2”), não sendo aplicável aos “aos serviços de pagamento em linha, às ferramentas de publicidade em linha, nem às trocas publicitárias em linha que não sejam prestadas com o objetivo de agilizar o início de transações diretas e que não envolvam uma relação contratual com os consumidores” (art. 1º, “3”).

Ele se aplica, desta forma, às plataformas de intermediação que oferecem serviços que ligam o profissional (“um particular que aja enquanto comerciante ou profissional ou uma pessoa coletiva que proponha bens ou serviços aos consumidores por intermédio de serviços de intermediação em linha para fins relacionados com a sua atividade comercial, industrial, artesanal ou profissional”, ex vi art. 2º, “1”) ao consumidor. É a regulação dos chamados “marketplaces” tais quais Amazon, Lojas Americanas, eBay, Mercado Livre, Booking, Rappi, Gympass, Uber, dentre outras. Não se enquadram neste conceito plataformas destinadas a unir pessoas que não realizem atividade comercial, como um apartamento locado pelo AirBnb ou uma viagem com a plataforma de compartilhamento de carona BlablaCar.

O Regulamento estabelece (art. 3º) que as cláusulas contratuais gerais das plataformas de intermediação online (i) devem ser redigidas de forma simples e inteligível; (ii) sejam facilmente encontráveis pelos usuários da plataforma; (iii) estabeleçam os critérios e motivos para a tomada de decisões relativas à suspensão, cessação ou imposição de qualquer outro tipo de restrição aos usuários profissionais das plataformas eletrônicas; (iv) incluam informações sobre quaisquer canais e distribuição adicionais e potenciais programas de adesão através dos quais os prestadores de serviços de intermediação em linha possam comercializar bens e serviços propostos pelos utilizadores profissionais e (v) Incluam informações gerais sobre a forma como as cláusulas contratuais gerais afetam a propriedade e o controlo dos direitos de propriedade intelectual dos utilizadores profissionais, sob pena de nulidade (art. 3º, “3”).

Ponto interessante é a regulamentação prevista no artigo 4º do Regulamento, no que concerne aos critérios de restrição, suspensão e cassação dos usuários profissionais das plataformas online. O tema é dos mais complexos referente ao comércio eletrônico, na medida em que permite que a plataforma online (ex. Booking) exclua, suspenda ou restrinja a oferta de usuários profissionais (hotéis) de sua plataforma, o que sempre gera debates sobre a lisura procedimental e sobre a (des)necessidade do contraditório.

Desta forma, estabelece o Regulamento que a restrição, suspensão ou cassação deve ser sempre precedida do envio prévio da decisão e da fundamentação da decisão ao utilizador profissional. Se a sanção for total (em relação a todos os serviços daquele determinado utilizador profissional) a decisão precisa ser enviada com pelo menos 30 (trinta) dias de antecedência aos efeitos a serem produzidos pela decisão, observadas as exceções previstas no art. 4º, “4”, a saber: (i) obrigação legal que determine a cessação das atividades do utilizador profissional; (ii) exercício de um direito de cessação por um motivo imperativo nos termos da regulação do país-membro e (iii) demonstre que o utilizador profissional violou repetidamente as cláusulas contratuais gerais aplicáveis.

Em qualquer situação de restrição, suspensão ou cessação a ser aplicada ao utilizados profissional, é necessário o contraditório, inclusive com a possibilidade de esclarecer os fatos e circunstâncias. A decisão que acarrete restrição, suspensão ou cessação deve mencionar as circunstâncias, eventual denúncia por parte de terceiro, assim como os motivos aplicáveis e que fundamentam a decisão (art. 4º, “5” do Regulamento).

No que se refere aos critérios e parâmetros de classificação (ranking) na plataforma eletrônica, o Regulamento determina (art. 5º) que eles devem estar previstos nas cláusulas contratuais gerais (celebrado entre a plataforma eletrônica de intermediação e o utilizador profissional). A regra se aplica também em relação à ordem dos resultados apresentados no campo de “busca” dos fornecedores de motores de pesquisa, pontuando o Regulamento que estas regras sejam disponibilizadas junto com uma descrição redigida de forma clara e inteligível e que esteja fácil e publicamente disponível nos motores destes fornecedores.

Na hipótese dos parâmetros principais previstos nas cláusulas gerais incluírem a possibilidade de ranking baseado na remuneração direta (quem paga mais, aparece na frente) ou indireta, isto precisa estar bem descrito, inclusive sobre os valores necessários para estar nos primeiros lugares (art. 5º, “3”).

Além destes pontos tidos por nós como mais importantes, o Regulamento ainda traz (i) regras sobre as hipóteses de tratamento diferenciado a ser dado pela própria plataforma (art. 7º), tais como critérios de premiação, pontos de fidelização, cupons de desconto, dentre outros; (ii) cláusulas contratuais específicas (art. 8º); (iii) regras sobre acesso aos dados dos consumidores (art. 9º); (iv) regras sobre restrições à oferta de condições diferentes através de outros meios (art. 10º); (v) regras sobre procedimento interno e gratuito de tratamento de reclamações dos utilizados profissionais (art. 11); (vi) regras sobre mediação, inclusive com a obrigação de prever em contrato ao menos 2 (dois) mediadores com os quais esteja disposto a tratar os problemas havidos com os utilizadores profissionais (art. 12), dentre outras.

Esta regulação é a primeira sobre o tema na Europa e provavelmente no mundo, e dada a complexidade do tema, serão realizadas revisões trienais dos resultados obtidos a fim de se averiguar necessidade de alteração destas regras.

É importante observar o resultado da legislação europeia, na medida em que esse modelo de contratação eletrônica galgou espaço de fundamental importância na sociedade. A aplicação, no Brasil, de regras gerais de contratos e responsabilidade civil criadas em uma sociedade ainda analógica parecem não ser suficientes diante dos novos e plúrimos modelos de negócio surgidos com a utilização da Internet.

 

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