ANÁLISE CRÍTICA SOBRE A NOTA TÉCNICA Nº24/2020/CGEMM/DPDC/SENACON/MJ

14/10/2022

Coluna O Direito e a Sociedade de Consumo / Coordenador Marcos Catalan

A presente análise crítica se baseará na aula da Disciplina Tópicos Especiais em Direito e Sociedade: O Direito e a Sociedade de Consumo, realizada no dia 16 de julho do ano corrente, ministrada pelo Professor Doutor Marcos Catalan, cujo tema foi escolhido e apresentado pela mestranda Adriana Mírian de Miranda Trindade Barbosa, tratando dos efeitos jurídicos nas relações de consumo, no que concerne aos direitos dos consumidores que contrataram serviços com instituições de ensino, mas tiveram suas contratações afetadas pelas suspensões das aulas, em razão do risco de contágio e propagação de Covid-19 – coronavírus – pandemia declarada pela Organização Mundial de Saúde (OMS).

Há de se considerar inicialmente a missão institucional da Secretaria Nacional do Consumidor – SECACON, que compõe a estrutura do Ministério da Justiça e tem suas atribuições descritas no Art. 106 do Código de Defesa do Consumidor e no Art. 3º do Decreto nº 2.181/97, tendo como fito garantir a proteção e o exercício dos direitos dos consumidores, promover a harmonização nas relações de consumo e incentivar a integração e a atuação conjunta dos membros do Sistema Nacional de Defesa do Consumidor – SNDC.

Não se pode olvidar de esclarecer também que a Nota Técnica aqui abordada foi publicada para complementar à Nota Técnica nº 14/2020, publicada dezenove dias antes, tendo como principais fundamentos a jurisprudência existente acerca de mensalidades escolares e as notas técnicas produzidas pelo PROCON do Rio de Janeiro, de Pernambuco, de São Paulo e Procons Brasil.

Percebe-se, pelo teor expresso em ambas as Notas Técnicas emitidas, que tinham o condão de orientar alunos, pais e instituições de ensino de todos os níveis educacionais, demonstrando-se, principalmente, as limitações das instituições de ensino de cumprirem a prestação de serviços referentes às aulas presenciais.

Não custa lembrar que a matéria aqui tratada traz repercussões importantíssimas à Sociedade como um todo, bem como impacta diretamente nas relações de consumo existentes com tal objeto, haja vista que a pandemia impôs a todos, indistintamente, independente da classe social, níveis e modalidades acadêmicas, limitações na capacidade das Instituições de Ensino.

Conforme dito acima, quanto ao condão das notas técnicas emitidas em relação aos serviços de ensino durante a pandemia, apesar de constar expressamente a intenção de balizar soluções e apresentar ao consumidor informações para tomada de decisões conscientes e autônomas, percebe-se claramente uma tendenciosidade à defesa primordial dos prestadores de serviço de ensino, visto que se ressalta uma descrição minuciosa das possibilidades de proteção destes e do mercado desta área.

Há de se considerar que as Notas Técnicas trazem em seu corpo somente alternativas viáveis que acabam tolhendo a ação do consumidor, posto que recomendam a compreensão deste no sentido de não ajuizar ações quanto à mudança da modalidade presencial para à distância, bem como de não exigir o ressarcimento de pagamentos realizados antecipadamente e compreender a postergação de atividades ou não cumprimento da carga horária obrigatória, sempre buscando não comprometer economicamente o prestador de serviço “diante dos efeitos sistêmicos que possam inviabilizar a futura continuidade da prestação de serviços”.

Tais recomendações causam, no mínimo, estranheza, principalmente pelo valor dos serviços aqui tratados. É lamentável observar que um órgão do Governo Federal, que deveria ser o principal defensor dos interesses da Educação no Brasil, preocupa-se mais com a atividade econômica dos empresários da área.

A suposta preocupação econômica das políticas públicas do Governo Federal deveria buscar soluções mais específicas noutro giro, no que se refere à crise econômica que se abateu sobre o Brasil, pois a pandemia, declarada pela Organização Mundial de Saúde, só ostentou a fragilidade da nossa política econômica, voltada para o Mercado Internacional.

Além disso, a pandemia acabou por ratificar as enormes diferenças sociais existentes, visto que descortinou os índices da pobreza, do desemprego, da falta de políticas públicas sérias que protegessem o cidadão brasileiro, que ficou isolado com sua triste realidade em família, em seus lares ou nas ruas, demonstrando-se, também, em todas as áreas e na educação tal descaso governamental.

Observe-se que a Educação já vem sendo cotidianamente atacada, mesmo antes do período pandêmico, seja pelos elementos teórico-metodológicos de suas categorias, com a possibilidade do renascimento da proposta dos cursos técnicos, dos períodos extraclasse, chamados contraturnos, que afetam permanentemente o processo de ensino e aprendizagem, seja pelas modalidades aplicadas, presencial ou à distância, todos sem a necessária fiscalização permanente governamental.

É cediço que a Educação é a principal arma de um povo, afetando-se toda uma geração, presente e futura, quando relegada a segundo plano. A pandemia só veio a agravar e acelerar os riscos que sofre a Educação no Brasil, de tal forma que é notório que essa relação tem um preço na relação de consumo, mas o que mais nos afeta a todos é falta de sensibilidade e cuidado do Governo Federal com o seu valor, no aspecto mais profundo da palavra.

Interessante consignar, também, que apesar das recomendações da SENACON, por meio das notas técnicas 14 e 24 de 2020, visando conter o descontentamento do consumidor com contratos com instituições de ensino, houve muitas iniciativas legislativas em todo o Brasil no sentido contrário, tentando de fato proteger o consumidor neste momento importante social, garantindo ressarcimento ou determinando descontos nas mensalidades.

A discussão suscitou e suscita, por óbvio, uma preocupação justa com ambos os sujeitos desta relação de consumo, pois a pandemia acabou por impor preocupação e investimentos, até aquele momento inexistentes aos prestadores de serviços de ensino presenciais, visto que forçou a todos uma observância nos custos das ofertas online, de redefinição de calendários e de possíveis reposições de aulas, bem como na preparação de seus quadros para lidar com as novas ferramentas.

Certo é que os contratos de prestação de serviços educacionais devem seguir as diretrizes do Ministério da Educação, que também deveria ter participado efetivamente da construção das Notas Técnicas, demonstrando mais uma importante característica deste Governo: o desrespeito técnico aos profissionais competentes.

A pandemia trouxe à lume uma perspectiva do Governo Federal em várias áreas, não sendo diferente no que diz respeito à Educação, a falta de preocupação com os hipossuficientes, seja com as relações de consumo, seja com a cidadania de um modo geral.

O mais espantoso é observar a utilização da estrutura governamental contra o consumidor, intimidando seus direitos e buscando garantir que a balança penda sempre para o lado mais dominante da relação de consumo.

Certo é que agora, que passamos pelo momento de possível estabilidade pandêmica após a vacinação de grande parte da população, estratégia inclusive criticada pelo Governo Federal, observamos que a maioria das instituições de ensino conseguiram sobreviver com maior ou menor estrutura de antes da pandemia, mas muitos que eram consumidores dos serviços educacionais passaram a ser usuários dos serviços públicos de educação, demonstrando-se que a “boiada continua passando”.

 

Imagem Ilustrativa do Post: foil73 // Foto de: Paul Flannery // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/paulflannery/6024019462/in/

Licença de uso: https://creativecommons.org/licenses/by/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura