Ana Hickmann sofreu stalking?

07/06/2016

Por Gustavo Pereira Freitas - 07/06/2016

1. Introdução

O Brasil está seguindo a tendência mundial de criminalizar o stalking. Atualmente, já existem muitas leis anti-stalking no plano da legislação penal internacional. Nesse sentido, o Projeto de Lei nº 236 de 2012, que institui o novo Código Penal, traz no seu art. 152 a previsão de criminalização do stalking ao criar o tipo “perseguição obsessiva ou insidiosa”. É imperiosa qualquer tentativa de discutir o stalking cientificamente, tendo em vista a carência de estudos nacionais sobre o tema.

O recente caso envolvendo Ana Hickmann despertou na mídia a discussão sobre o stalking, muita coisa foi dita sobre o fenômeno e a grande maioria do noticiado desprovido de qualquer fundamento na literatura científica. Este opúsculo tem por objetivo apresentar, brevemente, o fenômeno do stalking e, ao final, verificar se a apresentadora foi vítima de stalking de acordo com a proposta de criminalização do fenômeno em tramitação no Congresso Nacional.

2. Uma breve notícia histórica: o star stalking

O stalking não é um fenômeno recente. Mas a criminalização e estudos sobre o fenômeno explodiram, marcadamente, nos Estados Unidos a partir da década de 80 do século XX. O motivo? Aconteceu uma série de atentados envolvendo fãs e ídolos, entre eles se destaca o caso de Rebeca Schaeffer, famosa atriz de televisão e cinema, foi perseguida por Robert John Bardo o qual no dia 18 de julho de 1989 assassinou a atriz, Bardo obteve o endereço da vítima no departamento de trânsito e praticou o crime na casa dela.

Em dissertação de mestrado Mário Paulo Lage de Carvalho afirma sobre esse período: “O alarme social então gerado em torno do stalking, levou à realização de audiências no Congresso Americano, promulgando-se leis anti-stalking a nível federal.”[1]. Não por acaso foi o Estado Americano da Califórnia, casa dos astros Hollywoodianos, o primeiro nos Estados Unidos a redigir legislação específica contra esse tipo de perseguição, no início da década de 90. Nascia o star stalking. 

3. O que é stalking?

A literatura científica sobre o tema não é unânime sobre um conceito de stalking[2]. O que existem são várias definições. Em Direito Penal e Stalking: objeções críticas a criminalização do stalking no Brasil[3], após uma análise de várias acepções sobre o tema, Entende-se que o stalking: ocorre quando uma pessoa persegue, por meio de uma série de condutas repetitivas, alguém. Esta perseguição tem o condão de ocasionar um dano na vítima.

Em outras palavras, a caracterização do stalking, parece depender de três elementos: Obsessão, repetição e dano. Brevemente, vejamos:

a) Obsessão – deve ser associado o sentindo comum do termo, definição vernácula[4], isto é, a de uma ideia fixa por alguma coisa ou alguém. Evita-se o uso psicológico do termo em virtude da ausência de estudos psicológicos. O perseguidor, portanto, por uma série de motivações, mantém um grande interesse pela vítima;

b) Repetição – esse elemento diz respeito à forma pela qual o stalking se manifesta. A ação do agressor, em geral, é lícita, socialmente aceita, como exemplo, é comum que o agente vá nós locais de trabalho da vítima, siga a vítima pela rua, telefone, mande e-mails, sms, entra em contato pelas redes sociais, etc. (quando a perseguição ocorre por meio eletrônicos ou virtuais recebe o nome de Cyberstalking);

c) Dano – elemento polêmico – assume diversas acepções, a depender da legislação anti-stalking analisada. Nesse sentido, em alguns países significará violência física, em outros uma ameaça, mas, o comum, é que seja interpretado como um dano psicológico que tem por principal sintoma o medo. Esse temor e fruto das inúmeras ações repetidas de investida do stalker contra a vítima. Em muitos estudos a vítima de stalking relata o medo de sair de casa, de ir trabalhar e encontrar com o perseguidor;

4. Tipos de stalking?

Existem inúmeras classificações científicas para o fenômeno do stalking. Um tipo bem comum são aquelas baseadas, na motivação do agressor e, nesse caso, duas são de grande interesse neste momento: a) Stalker rejeitado(a); b) O que busca intimidade[5];

O stalker rejeitado(a) provém de uma relação entre conhecidos, via de regra, agressor e vítima são ex-parceiros amorosos. O objetivo do stalker, nesse tipo, é reatar o relacionamento ou vingança contra o ex-companheiro(a). Esse é o tipo de stalking mais corriqueiro e mais relatado pelas pesquisas.

O segundo tipo, é aquele que ocorre, em geral, entre desconhecidos, isto é, não existe uma relação de intimidade entre vítima e agressor, aquela, quiçá, sabe da existência deste. Não raro, esse tipo, ocorrer entre fã e ídolo (star stalking) e por meio das redes sociais (cyberstalking).

A motivação principal do agressor é, justamente, obter uma relação de intimidade com a vítima, conseguir a atenção ou fazer parte do circulo social e familiar desta. Esse tipo, raramente, é motivado pelo desejo de vingança e quando ela ocorrer, em geral, é contra terceiros percebidos como obstáculos a um relacionamento idealizado.

6. A “perseguição obsessiva ou insidiosa” proposta de criminalização do stalking no Brasil.

O Projeto de Lei nº 5.419-A de 2009, de autoria do Deputado Capitão Assunção, foi o primeiro a introduzir dentro do corpo do projeto de lei do novo código penal a proposta de criminalizar o stalking no Brasil. Atualmente, após algumas alterações legislativas, a proposta encontra-se com a seguinte redação: 

Perseguição obsessiva ou insidiosa

Art. 152. Perseguir alguém, de forma reiterada ou continuada ameaçando-lhe a integridade física ou psicológica, restringindo-lhe capacidade de locomoção ou, de qualquer forma, invadindo ou perturbando sua esfera de liberdade ou privacidade:

Pena – prisão, de dois a seis anos.

Parágrafo único. Somente se procede mediante representação

A dissecação do tipo proposto já foi feita a título de monografia, de minha autoria, e não cabe aqui revisar, perseguindo o objetivo do presente trabalho e apresentados, sumariamente, o fenômeno do stalking e o tipo penal da perseguição obsessiva ou insidiosa, pode-se, em conclusão, enfrentar o mérito: Ana Hickmann sofreu stalking?

6. Conclusão

Rodrigo Augusto de Pádua, como se sabe, invadiu o quarto da apresentadora Ana Hickmann, no Hotel Ceaser Business, no sábado, 21 de maio de 2016. Ele era fã declarado da apresentadora e matinha várias contas em redes sociais dedicadas a ela. Ele, frequentemente, através do Twitter, tentava contato com a apresentadora em busca de ganhar intimidade.

Ana Hickmann, por sua vez, desconhecia completamente a existência de Pádua. Olhando somente essa relação seria possível classificarmos Rodrigo como um stalker que busca intimidade, mas, para ter certeza, é necessário identificar os três elementos caracterizadores do stalking: obsessão, repetição e dano.

Quanto aos dois primeiros eles parecem evidentes, dado o aparente consenso a respeito da ideia fixa que Pádua nutria pela apresentadora e da repetidas ações de aproximação por redes sociais (cyberstalking). O último, e controvertido elemento, o dano, dependerá da análise da legislação anti-stalking específica, no presente estudo, nosso termômetro de comparação é a ampla proposta brasileira de criminalização do stalking: a perseguição obsessiva ou insidiosa.

Assim, tudo parece caber nessa proposta[6] criminalizadora, e a ameaça ocasionada por Pádua, dificilmente, não seria considerada stalking. Se existe algo positivo nesse caso é o despertar do debate em torno da criminalização do fenômeno e, espera-se o aumento da pesquisa em torno do tema.


Notas e Referências:

[1] CARVALHO, Mário Paulo Lage de. O combate ao stalking em Portugal: contributos para a definição de um protocolo de intervenção policial. Dissertação de mestrado. Orientadora prof.ª. Dra. Celina Manita. Universidade do Porto. Portugal, 2010, p.9.

[2] A título de curiosidade o vocábulo stalking é um termo inglês que deriva das práticas de caça, quem afirma isso é LUZ, Nuno Miguel Lima da. Tipificação do Crime de Stalking no Código. Penal Português: introdução ao problema, análise e proposta de lei incriminadora. Dissertação de mestrado. Orientador Mestre Herique Salinas. Faculdade de Direito da Universidade Católica Portuguesa, 2012.

[3]. FREITAS, Gustavo Pereira. Direito Penal e Stalking: objeções críticas a criminalização do stalking no Brasil. Monografia, apresentada a título de trabalho de conclusão de curso na Universidade Federal do Pará. Orientadora Luanna Tomaz de Souza, Belém, 2014.

[4] “Obsessão. sf. Sentimento, idéia, ato ou objetivo que se impõem a uma pessoa; idéia fixa; mania.” XIMENES, Sérgio. Minidicionário de Língua Portuguesa. 2 ed. São Paulo, 2000, p. 670.

[5] A classificação completa, baseada nos tipos de stalker, pode ser conferira em: GRANGEIA, Helena e MATOS, Marlene. Riscos associados ao stalking: violência, persistência e reincidência. Universidade do Minho.

[6] Estamos com Rosa que vê na proposta de criminalização do stalking a criminalização do cotidiano. ROSA, Alexandre Morais da. Stalking e a criminalização do cotidiano. In: R. EMERJ, Rio de Janeiro,  v. 15, n. 60, p.72-79. Out./dez.  2012.


Gustavo Pereira Freitas. Gustavo Pereira Freitas é Advogado. Bacharel em Direito pela Universidade Federal do Pará. Participei do grupo de estudos e pesquisa em Direito Penal e Democracia coordenado pela professora Luanna Tomaz de Souza, atual presidente da Comissão de Direitos Humanos da OAB-PA. Pesquiso sobre o stalking desde 2014. E-mail: atlas.advocacia@gmail.com .


Imagem Ilustrativa do Post: stalker // Foto de: SalTheColourGeek // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva dos autores, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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