Por Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes - 25/03/2016
O que é o amor? Uma virtude? Uma forma de conhecimento? Um instinto? E o que será que a contemplação do amor ilumina sobre experiências humanas fundamentais como intimidade, os laços sexuais e maritais, as relações de gênero, o parentesco, o consumo e o prazer?... O amor é uma lente particularmente útil para a análise social, nos fornecendo uma janela de onde olhar para as interconexões complexas entre os domínios culturais, econômicos, interpessoais e emocionais da experiência.
Padilla
A análise econômica dos institutos da família e do casamento estuda a explicação comportamental dos indivíduos quando optam pela concretização de uma sociedade conjugal. Assevera que tal se dá mediante prévia análise dos benefícios oriundos da maximização da utilidade possivelmente a ser obtida com a união, quando então se espera superar o nível de produção de riquezas não exclusivamente de natureza patrimonial ou monetária, mas sim também de caráter emocional e “não mercantis”, tais como filhos, prestígio social e vida dois, como parcos exemplos.[1]
Segundo McKenzie e Tullock[2], o enfoque econômico do casamento e do divórcio encara a família como uma unidade de produção, como uma empresa que utiliza determinados insumos - que são comprados tanto dentro como fora dos mercados para satisfazer as necessidades dos seus membros. Ainda segundo eles - "o objetivo explícito desta abordagem é o de destacara importância do contrato matrimonial, dos problemas do divórcio e das implicações econômicas do amor, bem como dos princípios organizativos da família."
Para os economistas, o casamento há que ser analisado como um contrato, balizado por promessa mútua, essencialmente, de assunção de eventuais riscos advindos de sua “rescisão”.[3]
Tratando da divergência acerca da natureza contratual do casamento Cohen[4] explica:
Alguns opõem-se à caracterização da natureza jurídica do casamento como um contrato, alegando que o casamento é mais status do que contrato. Ou seja, para estes é o estado que define e especifica a maioria dos direitos explícitos, deveres e privilégios do casamento, e não as partes. Eles também apontam a ausência de substanciais obrigações específicas no momento de sua formação. Como isto poderia ser um contrato se não há deveres específicos explícitos?
Posner afirma que análise econômica da família é baseada na percepção de que o grupo familiar não é apenas consumidor, mas uma importante unidade de produção na sociedade. Os alimentos, a roupa, a mobília, os medicamentos e outras mercadorias que o grupo domiciliar adquire são insumos usados na produção de comida, calor, afeição, crianças e outros bens tangíveis e intangíveis que constituem a produção do lar. Um insumo crítico nesse processo produtivo não é uma mercadoria, é o tempo dos membros do grupo familiar, em particular - nas Famílias tradicionais - o tempo da mulher.[5]
Na análise econômica do casamento há de se fazer uma comparação entre custos e benefícios. A doutrina[6] elenca como custos:
(i) a perda de independência. Este seria um dos mais importantes custos do casamento, visto que, depois dele, não se está mais completamente livre para fazer o que se deseja, pois deve-se considerar os efeitos que as ações de um dos cônjuges acarretaria sobre os demais membros da família;
(ii) os custos da tomada de decisão. Visto que uma família é composta por mais de um membro, há o custo das tomadas de decisão referentes ao tempo e ao desgaste requerido para chegar a elas. Some-se a isto, o fato de que tais custos aumentam significativamente quando o número de pessoas na família aumenta. Contudo, embora possam ser estabelecidos alguns dispositivos que visem reduzir tais custos, os mesmos não deixam de existir;
(iii) ao custo de oportunidade referente as oportunidades perdidas de casar-se com outra pessoa que não se conhece até o momento, mas que teria proporcionado um nível de satisfação mais elevado da satisfação;
(iv) os custos de não conseguir os bens e serviços que melhor satisfaçam suas preferências em quantidade e qualidade.
Já os benefícios advindos com o casamento – apesar de muitos deles existirem em situações fora ao casamento, a doutrina sustenta que no âmbito matrimonial estes benefícios ganham força especial – podem ser elencados segundo a teoria da análise econômica como[7]:
(i) a produção de bens e serviços que, em situações diferentes do casamento, não têm um substituto perfeito, tais como bebês, o prestígio e o "status" proporcionado por ele, a vida sexual no "plano familiar", etc.
(ii) as economias de escala que são obtidas na produção familiar, isto é, é possível produzir uma maior quantidade de bens e serviços ao nível familiar do que várias unidades familiares compostas de uma só pessoa;
(iii) ao intercâmbio e especialização obtido na produção na unidade familiar, de modo que cada membro possa maximizar o uso de seus recursos e aptidões.
Além dessa análise de custos e benefícios, algumas outras ponderações devem ser feitas. Tem-se presenciado profundas alterações no Direito de Família.
O ordenamento jurídico brasileiro prevê regras que disciplinam o instituto do casamento. E contida nessas regras encontra-se o Princípio da Monogamia, previsto expressamente no artigo 1566 do Código Civil brasileiro[8]. Com base neste dispositivo negou-se, e a maioria do Tribunais continua a negar, direitos às famílias paralelas.
É o que se depreende do julgado:
Ementa: APELAÇÃO CÍVEL. UNIÃO ESTÁVEL PARALELA AO CASAMENTO. IMPOSSIBILIDADE. PRECEDENTES DO STJ E STF. 1. Os elementos dos autos informam que houve vida dupla pelo falecido, que se relacionava com a autora, mas preservava íntegro, no plano jurídico e fático, seu matrimônio até o dia do óbito. Tratou-se, pois, de uma relação adulterina típica, que se amolda ao conceito de concubinato (art. 1.727 do CCB), e não de união estável. 2. Nosso ordenamento jurídico, no âmbito do direito de família, é calcado no princípio da monogamia. Tanto é assim que, um segundo casamento, contraído por quem já seja casado, será inquestionavelmente nulo e, se não são admitidos como válidos dois casamentos simultâneos, não há coerência na admissão de uma união de fato (união estável) simultânea ao casamento - sob pena de se atribuir mais direitos a essa união de fato do que ao próprio casamento, pois um segundo casamento não produziria efeitos, enquanto aquela relação fática, sim. 3. Ademais, há regra proibitiva expressa em nosso ordenamento jurídico, qual seja o § 1º do art. 1.723 do CCB, ao dispor que "a união estável não se constituirá se ocorrerem os impedimentos do art. 1.521", somente excepcionando essa circunstância diante da comprovada separação de fato do casal matrimonial, o que não se verifica no caso em exame. NEGARAM PROVIMENTO. UNÂNIME. (TJRS. Apelação Cível Nº 70064783335, Oitava Câmara Cível, Tribunal de Justiça do RS, Relator: Luiz Felipe Brasil Santos, Julgado em 06/08/2015)
Contudo, alguns julgados tem dado interpretação diferenciada a legislação com base no afeto. Entendem eles que, sendo o afeto base dos relacionamentos atuais, não pode o Estado restringir as formas de família existentes. Nestes termos:
DIREITO DAS FAMÍLIAS. UNIÃO ESTÁVEL CONTEMPORÂNEA A CASAMENTO. UNIÃO DÚPLICE. POSSIBILIDADE DE RECONHECIMENTO FACE ÀS PECULIARIDADES DO CASO. RECURSO PARCIALMENTE PROVIDO. Ao longo de vinte e cinco anos, a apelante e o apelado mantiveram um relacionamento afetivo, que possibilitou o nascimento de três filhos. Nesse período de convivência afetiva – pública, contínua e duradoura - um cuidou do outro, amorosamente, emocionalmente, materialmente, fisicamente e sexualmente. Durante esses anos, amaram, sofreram, brigaram, reconciliaram, choraram, riram, cresceram, evoluíram, criaram os filhos e cuidaram dos netos. Tais fatos comprovam a concreta disposição do casal para construir um lar com um subjetivo ânimo de permanência que o tempo objetivamente confirma. Isso é família. O que no caso é polêmico é o fato de o apelado, à época dos fatos, estar casado civilmente. Há, ainda, dificuldade de o Poder Judiciário lidar com a existência de uniões dúplices. Há muito moralismo, conservadorismo e preconceito em matéria de Direito de Família. No caso dos autos, a apelada, além de compartilhar o leito com o apelado, também compartilhou a vida em todos os seus aspectos. Ela não é concubina - palavra preconceituosa - mas companheira. Por tal razão, possui direito a reclamar pelo fim da união estável. Entender o contrário é estabelecer um retrocesso em relação a lentas e sofridas conquistas da mulher para ser tratada como sujeito de igualdade jurídica e de igualdade social. Negar a existência de união estável, quando um dos companheiros é casado, é solução fácil. Mantém-se ao desamparo do Direito, na clandestinidade, o que parte da sociedade prefere esconder. Como se uma suposta invisibilidade fosse capaz de negar a existência de um fato social que sempre aconteceu, acontece e continuará acontecendo. A solução para tais uniões está em reconhecer que ela gera efeitos jurídicos, de forma a evitar irresponsabilidades e o enriquecimento ilícito de um companheiro em desfavor do outro. (MINAS GERAIS. Tribunal de Justiça – MG - TJMG, Apelação Cível nº 1.0017.05.016882-6/003, Relatora Desembargadora Maria Elza, public. 10/12/2008)
Em que pese a boa intenção dos magistrados que buscam o reconhecimento de famílias que por anos viveram marginalizadas, é nítido que a análise a ser feita não é afetiva, mas sim ECONÔMICA. Em nenhuma das situações em que se pleiteia a tutela jurisdicional para fins de reconhecimento das famílias paralelas o interesse é de ver o afeto reconhecido, mas sim é o de ver garantido os direitos econômicos advindos de uma relação entre cônjuges ou conviventes.
Assim, caso o caminho seja o de permitir, pela autonomia de vontade e pela “afetividade” quaisquer tipos de famílias, imperioso se faz que as relações sejam disciplinadas como verdadeiros negócios jurídicos contratuais, com disposições pré-determinadas consensualmente, a fim de que o direito dos envolvidos não fique a critério do julgador.
Enfim, ao contrário do que afirmava Tim Maia “Grito ao mundo inteiro, não quero dinheiro, eu só quero amar”, o que se vê é que deixamos o império da afetividade na família para vivermos o império da economia. Será?
Notas e Referências:
[1] FERREIRA, Cristiana Sanchez Gomes. Análise Econômica dos Institutos do Casamento e do Divórcio. UNOPAR Cient., Ciênc. Juríd. Empres., Londrina, v. 13, n. 1, p. 39-48, Mar. 2012. p. 40
[2] McKENZIE,R.B. eTULLOCK,G. La Nueva Fronter a de la Economia. Madri: Espasa-Calpe,1980.p.139.
[3] FERREIRA, Cristiana Sanchez Gomes. Análise Econômica dos Institutos do Casamento e do Divórcio. UNOPAR Cient., Ciênc. Juríd. Empres., Londrina, v. 13, n. 1, p. 39-48, Mar. 2012. p. 40
[4] COHEN, L.R. Marriage: the long-term contract. In: DNES, A.W.; WOWTHORN, R. The law and economics of marriage and divorce. Cambridge: Cambridge, 2002, p.10-35.
[5] POSNER, Richard. Economic analysis of law. 5. ed., New York: Aspen Law & Busines, 1998. p. 139
[6] BALBINOTTO NETTO, Giácomo. Teoria econômica do casamento e do divórcio. Revista Análise Econômica, Porto Alegre/RS, 1992, 10(18):125-141. p. 135.
[7] BALBINOTTO NETTO, Giácomo. Teoria econômica do casamento e do divórcio. Revista Análise Econômica, Porto Alegre/RS, 1992, 10(18):125-141. p. 135.
[8] Art. 1.566 do Código Civil. São deveres de ambos os cônjuges: I - fidelidade recíproca; [...]
. Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes é graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2002) e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (2005). Doutoranda pela Universidade do Vale do Itajaí. Atualmente é professora do Instituto Catarinense de Pós Graduação, advogada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina e professora da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
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