American way of prison, confinamento de humanos e a perda das referências simbólicas

18/08/2015

Por Alexandre Morais da Rosa e Salah Khaled Jr - 16/08/2015

A moda do Regime Disciplinar Diferenciado e a transferência de presos alegadamente líderes das "facções" segue o modelo do "supermax" americano. Aliás, nenhuma novidade. A política nacional adota o recrudescimento próprio do american way of prison em voga desde os anos 80 e em franca decadência, dado seus resultados pífios. Mas ordenha toda uma geração perdida na inautenticidade e que desconhece outra modalidade de resposta estatal que não a pena. A lógica é: quando mais pena menos crime. Este modelo seduz por sua ingenuidade mesclada com astúcia populista. Todos nós queremos uma sociedade mais segura e, no mundo democrático, a saída penal deveria ser de última ratio, justamente pelo estabelecimento de mecanismos menos violentos e mais includentes. A pena exclui, por definição.

Produzidos diversos estudos sérios sobre o impacto do confinamento na saúde mental dos sujeitos, surge a reportagem do Ney York Times acerca da situação de pessoas presas há mais de 20 anos, na prisão de Pelican Bay, em celas de 2,3 x 3,5, sem contato humano (aqui). A crueldade e redução da condição de humanos de sujeitos privados de convívio humano é arrebatadora. Afinal de contas, cabe perguntar, a prisão serve para qual finalidade? Existe uma finalidade, mesmo? Não se trata de mero ato de violência, retaliação contra os descartáveis e violentos. A prisão serve como seguro social? Quem não se comporta vai preso? Quem não colabora vai preso? O mais interessante é que as pessoas presas, no ambiente de suas ex-gangues, somente deixaram os espaços de líderes vagos, gerando morte e luta pelo mesmo lugar, já que a questão da violência, com mais prisões e penas, no fundo só serve para quem é muito iludido e aos populistas de ocasião.

No Brasil o RDD (Regime Disciplinar Diferenciado) é punição dentro da pena, no caso dos condenados ou regime draconiano para presos cautelares, diante da possível vinculação à organização criminosa. Surgido, no Brasil, como resposta do Estado de São Paulo, por Resolução SAP/SP nº 26, inacreditavelmente declarada constitucional pelo Tribunal de Justiça de São Paulo, ganhou roupagem normativa somente com a edição da Lei nº 10.792/2003. Fernandinho Beira-Mar teria sido o protagonista da rebelião, de 2002, no Rio de Janeiro, incentivador, dizem, da aprovação do RDD. Enfim, os Estados reconheceram que não controlam o sistema prisional e criaram uma regime agravado para isolar quem não se comporta. Mecanismo de punição de neutralização dos insubmissos, dos perigosos, servindo o Poder Judiciário de chancelador de políticas violentas, cujos efeitos imediatos até parecem positivos, mas que se diluem no tempo, dada a rápida recomposição dos mecanismos de controle e vingança.

Como afirma Paulo Busato: "O surgimento do RDD com características pouco garantistas tem raízes que vão além da intenção de controlar a disciplina dentro do cárcere e representam a obediência a um modelo político-criminal violador não só dos direitos fundamentais do homem, mas também capaz de prescindir da própria consideração do criminoso como ser humano e capaz de substituir um modelo de Direito Penal de fato por um modelo de Direito Penal do autor." (BUSATO, Paulo César. Regime Disciplinar Diferenciado como Produto de um Direito Penal de Inimigo. In: CARVALHO, Salo. Crítica à Execução Penal. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2007, p. 294).

O que ainda não é discutido com o devido vigor são os efeitos psicológicos decorrentes da renovação do RDD, bem assim a aplicação desmesurada do mecanismo na sanidade dos sujeitos submetidos. A crueldade psíquica já começa a ser motivo de dúvidas no regime americano/europeu e, quem sabe, possa servir de inspiração para modificação das práticas brasileiras. Isto porque os transtornos mentais podem ser irreversíveis e, ainda que condenados, deveriam cumprir penas sem que a dignidade fosse dilacerada. De uma forma branda a tortura está legitimada, com lesões psicológicas que poderão, mais dia menos dia, voltar-se contra a população. No primeiro momento os sujeitos são neutralizados, mas voltam a dirigir as organizações ou mesmo perdem o respectivo espaço no controle das facções, gerando a demanda pela ampliação do RDD ou a criação do Regime de Segurança Máximo (RSM), como queria o Senador cassado Demóstenes Torres.

De qualquer forma, cedo ou tarde, nos daremos conta dos efeitos do RDD na degradação da integridade mental dos segregados, fazendo com que possamos discutir as questões de frente, superando a visão da violência como resposta da violência. Diz Vilasboas que o RDD [...] configura um sofrimento intenso e uma grave humilhação à pessoa humana, apta a degradar a sua integridade mental, podendo-os levar à loucura." (VILASBOAS, Luana Cavalcante. Refletindo sobre a (in)constitucionalidade do Regime Disciplinar Diferenciado - RDD. Revista Jurídica UNIFACS, n.151, jan. 2013. Disponível em: <http://www.revistas.unifacs.br/index.php/redu/article/view/2446> , p. 13)

Transformaremos a nossa sociedade em uma grande prisão, cada vez mais intolerante, com qualquer um. Desde prisões por fazer xixi na rua, como vimos no carnaval carioca, até jogadores proibidos de entrar em campo porque fazem apologia ao crime, vivemos no contexto em que prisão é ingenuamente entendida como mecanismo pedagógico, mesmo sem base empírica para tanto. O senso comum preside decisões políticas e penitenciárias, faltando um Poder Judiciário que possa fazer barreira, justamente, porque, como diz Alexandre Bizzotto, muitas vezes possui o medo de assumir o preço da decisão de garantir Direitos Fundamentais. Continuamos produzindo violência, tortura, degradação psíquica, tudo em nome do interesse público. Mas esta maneira de punição dentro da punição, como acontece em outros lugares, começa a se mostrar ineficiente, com custos alarmantes, resultados pífios e muita loucura, quer de quem impõe, quer de quem é imposto. Mas quem é viciado em punição sempre quer mais. E mais. E mais. Nunca é suficiente. A pergunta final é: quem é o delirante?


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SALAH NOVA .

Salah Hassan Khaled Junior é Doutor e Mestre em Ciências Criminais, Mestre em História e Especialista em História do Brasil. Atualmente é Professor adjunto da Universidade Federal do Rio Grande, Professor permanente do PPG em Direito e Justiça Social            

                                                                                           


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Alexandre Morais da Rosa é Professor de Processo Penal da UFSC e do Curso de Direito da UNIVALI-SC (mestrado e doutorado). Doutor em Direito (UFPR). Membro do Núcleo de Direito e Psicanálise da UFPR. Juiz de Direito (TJSC). Email: alexandremoraisdarosa@gmail.com  Facebook aqui                                                                                                                                                                                                           


Imagem Ilustrativa do Post: The Trouble with Girls // Foto de: David Blackwell.// Com alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/mobilestreetlife/5189506361/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

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