Amamentação e Capital Humano: um fundamental direito da criança

27/08/2019

Coluna Direitos das Crianças, Adolescentes e Jovens / Coordenador Assis da Costa Oliveira

 

O mês de agosto inicia com um convite: refletir sobre a amamentação e, em contrapartida, conscientizar a família, a sociedade e o Estado de sua importância norteadora às relações humanas, no aspecto pertinente à saúde e à vida digna, quer porque de interesse da própria criança, a fornecer inúmeros benefícios, inclusive de ordem nutricional, especialmente quanto ao desenvolvimento da criança recém-nascida e a proteção contra o desenvolvimento de doenças crônicas e infecções; e, em especial, de interesse de toda a sociedade e, também, do Estado, a traduzir o sentido primeiro dos direitos: dar ênfase ao aleitamento materno, proteger, promover e cuidar da vida, especialmente aquela que se encontra na sua mais tenra condição e o capital humano que ela representa.

O aleitamento materno pertence a ordem doméstica porque presente nas relações humanas, desde o nascimento do ser humano. Também, diz respeito a organização constitucional do Estado Democrático de Direito, e, em tal razão, esse direito pertence a ordem dos direitos fundamentais, mas, referido direito (o da amamentação), por si, para sua plena e real eficácia, precisa estar articulado com outros direitos de forma a traduzir uma realidade a priorizar a qualidade e a proteção, a promoção e a defesa dos direitos das crianças e de suas respectivas mães.

A amamentação é um direito humano cujos benefícios voltados à saúde e proteção da vida das crianças e das mães são de relevância e fundamentalidade na dinâmica do capital humano. Porém, em nível mundial, apenas 40% das crianças com menos de seis meses são amamentadas exclusivamente, segundo revela o estudo da Universidade de Oxford[1]

A Organização Mundial de Saúde (OMS) e o Ministério da Saúde recomendam o aleitamento materno por dois anos ou mais anos, sendo exclusivo nos seis primeiros meses. Em nosso país, digno de registro os trabalhos da médica sanitarista Dra. Zilda Arns, na defesa do “aleitamento materno exclusivo” até os seis meses de vida, “que a Organização Mundial da Saúde passaria a proteger, promover e apoiar oficialmente a partir de 1991”[2], enquanto que, corroborando, a Organização Pan-Americana de Saúde (OPAS) e a OMS indicam a amamentação nos primeiros 60 minutos de vida[3][4]

O leite materno é o melhor alimento para os recém-nascidos e crianças (até 2 anos), e é essencial para salvar suas vidas e evitar doenças. Entretanto, o panorama mundial, por assim dizer, não é alentador, o que confirma os dados registrados pelas Nações Unidas, de forma que 5 em cada 20 bebês (52%) na América Latina e no Caribe não são amamentados em sua primeira hora de vida; estima-se que, em 2017, 78 milhões de recém-nascidos no mundo tiveram que esperar mais de uma hora para serem colocados no peito de suas mães, segundo o relatório publicado pelo UNICEF e pela OMS,  ao analisar dados de 76 países[5], o que significa que a saúde dos pequenos podem restar afetadas e até comprometidas.

Situações como essas, a engrossar a estatística de morbidades e mortalidades, implicam em altos custos decorrentes da privação da amamentação ou amamentação tardia, inclusive, do atendimento para tratamento das consequências da falta da amamentação, a dar conta de que os países das Américas seguem enfrentando desafios para construir aspectos favoráveis em prol da garantia da amamentação, podendo ser citados, a título ilustrativo e sem esgotar os exemplos: ambiente ideal; conduta médica indicada; políticas adequadas; proteção destacada em suas lei; regras trabalhistas favoráveis e protetivas; e, sobretudo, conscientização da sociedade.

Em contrapartida, redige-se a favor da proteção integral das crianças[6], em especial as pequenas (primeira infância), como, também, suas mães e países, um manifesto com forte assinatura: os benefícios incontáveis desse alimento primordial, a dar conta da saúde – esta que é, sem dúvida, um direito que, se ausente, nenhum outro direito mais terá sentido.  Trata-se, pois, de um típico direito fundamental, qual seja, a garantia do exercício que todas as mães têm de amamentar e o direito que todas as crianças têm de receber o melhor alimento, indispensável ao desenvolvimento pleno e saudável da criança.

Nesse sentido, tem-se a favor do exercício desse direito a ordem concedida no Habeas Corpus coletivo no. 143641,com trâmite pela Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal (STF), e, em sua consequência, a substituição da prisão preventiva pela domiciliar, a contemplar todas as mulheres submetidas à prisão cautelar no sistema penitenciário nacional que estejam na condição de gestantes, de puérperas ou mães de crianças com até 12 anos de idade incompletos e de pessoas com deficiência, sob sua responsabilidade, conforme art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente (ECA), bem assim, às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas, em idêntica situação no território nacional, para que sejam beneficiadas com o cumprimento de pena que lhe foi imputada no próprio domicílio[7].

A justificativa para tanto, em que pese a inexistência de alusão específica à amamentação, conforme denota-se do writ coletivo, o qual dá conta dos seguintes aspectos, conforme consta identificados na Ementa: relações sociais massificadas e burocratizadas; grupos sociais vulneráveis; acesso à justiça; privação de cuidados médicos pré-natal e pós-parto; falta de berçários e creches; estado de coisas inconstitucional; cultura do encarceramento; necessidade de superação; detenções cautelares decretadas de forma abusiva e irrazoável; incapacidade do Estado de assegurar direitos fundamentais às encarceradas; Objetivos de Desenvolvimento do Milênio e de Desenvolvimento Sustentável da Organização das Nações Unidas; Regras de Bangkok; e Estatuto da Primeira Infância, onde restou reconhecida a “existência de relações sociais massificadas e burocratizadas, cujos problemas estão a exigir soluções a partir de remédios processuais coletivos, especialmente para coibir ou prevenir lesões a direitos de grupos vulneráveis”;  a tramitação de mais de 100 milhões de processos no Poder Judiciário, a cargo de pouco mais de 16 mil juízes, a qual exige que o STF prestigie remédios processuais de natureza coletiva para emprestar a máxima eficácia ao mandamento constitucional da razoável duração do processo e ao princípio universal da efetividade da prestação jurisdicional; como também, a Comprovação nos autos de existência de situação estrutural em que mulheres grávidas e mães de crianças (entendido o vocábulo aqui em seu sentido legal, como a pessoa de até doze anos de idade incompletos, nos termos do art. 2º do Estatuto da Criança e do Adolescente - ECA) estão, de fato, cumprindo prisão preventiva em situação degradante, privadas de cuidados médicos pré-natais e pós-parto, inexistindo, outrossim, berçários e creches para seus filhos; e, também, o Objetivo de Desenvolvimento do Milênio nº 5 (melhorar a saúde materna) quanto o Objetivo de Desenvolvimento Sustentável nº 5 (alcançar a igualdade de gênero e empoderar todas as mulheres e meninas), ambos da Organização das Nações Unidas, ao tutelarem a saúde reprodutiva das pessoas do gênero feminino, corroboram o pleito formulado na impetração”[8], de forma que, essa longa lista está a confirmar o reconhecimento da amamentação, a qual convém ser destacada, para que, em relação a mesma, não persista dúvida quanto a real importância e garantia da amamentação.

São excetuados os casos de crimes praticados por elas mediante violência ou grave ameaça, contra seus descendentes ou, ainda, em situações excepcionalíssimas, as quais deverão ser devidamente fundamentadas pelos juízes que denegarem o benefício[9].

Com efeito, a extensão da ordem de ofício beneficiou a todas as demais mulheres presas, gestantes, puérperas ou mães de crianças e de pessoas com deficiência, bem assim às adolescentes sujeitas a medidas socioeducativas em idêntica situação no território nacional, observadas as restrições acima.

Contudo, todos os grupos de mães e de crianças necessitam ser amparadas, em que conste os evidentes benefícios do aleitamento materno, os países das Américas enfrentam desafios para construir um ambiente a favor da amamentação – um ambiente sadio que precisa demandar qualidade local e padrão de confiabilidade. Sobretudo, é preciso a união de esforços, onde todos comunguem da disposição e responsabilidade a favor da construção de firme disposição.

O artigo 9º do ECA[10]teceu uma série de disposições a cobrar do poder público, das instituições, dos empregadores, dos profissionais das unidades primárias de saúde e da própria sociedade e de suas instituições, medidas e ações sistemáticas e colaborativas, com a finalidade de conferir planejamento, implementação e avaliação pertinentes ao aleitamento materno e à alimentação complementar. De tal, com toda justiça, não excluiu de seus benefícios os filhos e as filhas das mães submetidas a medida privativa de liberdade. Bastando a condição de ser criança em idade de amamentação.

Contudo, convém tomar o direito à amamentação além do contexto do aleitamento materno propriamente dito, qual seja, além da questão alimentar, de ordem da amamentação, mas pelas dimensões da saúde, da vida digna, para citar alguns exemplos, a dar conta de perdas pessoais, econômicas e sociais, para além da dimensão humana, a afetar a constituição do capital humano.

Há razões para tanto, sobretudo porque há ferramentas que, dispostas no cenário da democracia e de suas instituições globais, dão conta de questões profundas que podem incorporar ao tema outras temáticas, as quais, no conjunto, oferecem um precioso aporte com explícita vocação para a representatividade democrática a munir as políticas públicas em seu trabalho de entrega de direitos. Evidências científicas estão demonstrando uma estatística nada confortável quando não resta privilegiada a amamentação. Explica-se.

Segundo a OPAS e a OMS, a amamentação é vital para a saúde da criança ao longo da vida e reduz os custos para as unidades de saúde, famílias e governos, de forma que o aleitamento materno na hora certa – na primeira hora de nascimento – protege os recém-nascidos de infecções e salva vidas. É sabido que os bebês correm maior risco de morte por diarreia e outras infecções quando são parcialmente amamentados ou quando não são amamentados. A amamentação também melhora o QI, o desempenho e a frequência escolar, além de estar associada a rendas mais altas na vida adulta. A sua falta, ou a sua ininterrupção, contudo, pode desencadear obesidade infantil, desnutrição, diarreia e pneumonia, para citar alguns exemplos.

Quanto às mães o aleitamento reduz o risco de câncer de mama[11], além de permitir equilíbrio do peso e controle de obesidade, ou o contrário, na falta do aleitamento. Poderia ser poupado US$1 bilhão diariamente a título deperda de produtividade e de custos de saúde, se as mulheres pudessem dedicar a amamentação mais tempo, considerando os obstáculos sociais, econômicos e trabalhistas envolvidos, afirmam cientistas que reuniram informações sobre mais de 100 países por meio de uma inédita ferramenta de acesso aberto, anunciado no estudo intitulado “O Custo de Não Amamentar”. O objetivo, segundo os responsáveis, os cientistas Dylan D Walters, Linh T H Phan e Roger Mathisen, é fornecer subsídios a formuladores de políticas públicas e defensores de direitos sobre custos humanos e econômicos em relação à interrupção da amamentação nas esferas regional, nacional e global[12]

Com base na referida pesquisa, as perdas econômicas globais anuais totais são estimadas entre US$ 257 bilhões e US$ 341 bilhões, ou entre 0,37% e 0,70% da renda nacional bruta global e 0,70% da renda nacional bruta global, de forma que, segundo relatado, as perdas econômicas de mortalidade prematura de crianças e mulheres são estimadas em US$ 53,7 bilhões em lucros futuros perdidos por ano. As perdas cognitivas, estimadas em US$ 285,4 bilhões anuais, detém o maior componente das perdas econômicas. 

Inobstante a complexidade anunciada, sobretudo os altos custos decorrentes de não amamentar, há um alerta evidente anunciado na pesquisa decorrente dos altos custos da privação de não amamentação.

É que, diante de tal realidade, os “olhos” das políticas públicas deverão voltar sua atenção para a temática. As consequências podem servir de alerta aos governos, de forma que, toda a sociedade poderá ganhar com isso, segundo se pode antever. É que poderão ser intensificadas as políticas voltadas ao aleitamento materno, a nutrição de crianças e de suas mães, e, desse resultado, além do fortalecimento econômico, restará também fortalecido um capital, denunciador de excelência, o capital humano.

 

Notas e Referências

[1]OXFORD ACADEMIC. Health Policyand Planning. The Journal on health policy and System Research. In Walters, Dylan D, Phan, Linh T H,Mathisen, Roger. The cost of not breastfeeding: global results from a new tool. Disponível em: https://academic.oup.com/heapol/advance-article/doi/10.1093/heapol/czz050/5522499. Acesso em: 04 ago. 2019.

[2]RODRIGUES, Ernesto. Zilda Arns: uma biografia.1. ed. Rio de Janeiro: Anfiteatro, 2018, p. 91.

[3]Organização Pan-Americana de Saúde; Organização Mundial da Saúde. OMS e UNICEF lançam novas orientações para promover aleitamento materno em unidades de saúde de todo o mundo. Disponível em:  https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5631:oms-e-unicef-lancam-novas-orientacoes-para-promover-aleitamento-materno-em-unidades-de-saude-de-todo-o-mundo&Itemid=820.Acesso em: 03 ago 2019.

[4]Com resultado da “privação materna transitória”, a impedir a interação e tudo o que ela implica em termos de estimulação tátil visual e, provavelmente, contatos químicos de vários tipos, ou de outro modo, da necessidade primordial do contato materno durante as primeiras horas, ver: MATURANA, Humberto R.;VARELA, Francisco J. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. Tradução Humberto Mariotti e Lia Diskin. 4. ed. São Paulo: Palas Athena, 2004, p. 92.

[5]Nações Unidas. OPAS: sucesso da amamentação não é responsabilidade exclusiva da mãe, mas de todos.

Disponível em: https://nacoesunidas.org/opas-sucesso-da-amamentacao-nao-e-responsabilidade-exclusiva-da-mae-mas-de-todos/. Acesso em 03 ago 2019.

[6]A “proteção” no caso de crianças e adolescentes é recepcionada tanto no sistema internacional dos Direitos da Criança, como no sistema normativo interno. Sobre o assunto, consultar: VERONESE, Josiane Rose Petry. Introdução. In: VERONESE, Josiane Rose Petry (Org.). Direito da Criança e do Adolescente: novo curso, novos temas. 2. ed. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2019, p. 3.

[7]BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL DEJUSTIÇA. Disponível em: http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+143641%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+143641%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ybaf4zt8.  Acesso em 03 ago. 2019.

[8]BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+143641%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+143641%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ybaf4zt8  Acesso em 03 ago 2019.

[9]BRASIL. SUPREMO TRIBUNAL DE JUSTIÇA. Disponível em: http://stf.jus.br/portal/jurisprudencia/listarJurisprudencia.asp?s1=%28HC%24%2ESCLA%2E+E+143641%2ENUME%2E%29+OU+%28HC%2EACMS%2E+ADJ2+143641%2EACMS%2E%29&base=baseAcordaos&url=http://tinyurl.com/ybaf4zt8.  Acesso em 03 ago 2019.

[10]BRASIL. Lei nº 8.069, de 13 deJulhode 1990. Disponível em: http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/leis/l8069.htm. Acesso em: 05 ago 2019.

[11]Organização Pan-Americana de Saúde e a Organização Mundial da Saúde. OMS e UNICEF lançam novas orientações para promover aleitamento materno em unidades de saúde de todo o mundo. Disponível em:  https://www.paho.org/bra/index.php?option=com_content&view=article&id=5631:oms-e-unicef-lancam-novas-orientacoes-para-promover-aleitamento-materno-em-unidades-de-saude-de-todo-o-mundo&Itemid=820.Acesso em: 03 ago 2019.

[12]OXFORD ACADEMIC. Health Policyand Planning. The Journalonhealthpolicyand System Research. In Walters, Dylan D, Phan, Linh T H,Mathisen, Roger. The costofnotbreastfeeding: global resultsfrom a new tool.Disponível em: https://academic.oup.com/heapol/advance-article/doi/10.1093/heapol/czz050/5522499. Acesso em: 04 ago 2019.

 

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