Alvíssaras! O julgamento da ADI 2332 pelo STF e a constitucionalidade do percentual de juros compensatórios de 6% ao ano nas desapropriações

16/02/2020

Coluna Advocacia Pública e outros temas jurídicos em Debate / Coordenadores Weber Luiz de Oliveira e José Henrique Mouta

Em nosso sistema constitucional, a propriedade precisa cumprir, em regime de máxima concatenação, as funções sociais, econômicas e de equilíbrio ecológico (arts. 170 da CF/88 e 1.228 do CC), conforme analisa Juarez Freitas.[1] Descumprida a funcionalidade poliédrica da propriedade, admite-se, entre outros mecanismos de ajuste, a desapropriação-sanção, com pagamento em títulos, seja da propriedade urbana (art. 182, § 2º, da CF/88), seja da propriedade rural (art. 186). Todavia, mesmo sem que ocorra esse descumprimento, é viável postular uma performance superior se a propriedade passar à condição de bem público, caso em que não há o que sancionar, razão pela qual o despojamento compulsório demanda prévia e justa indenização, por força do art. 5º, XXIV, da CF/88.[2]

Consectária dos direitos e deveres do Estado, a desapropriação constitui procedimento regido pelo Direito Constitucional-Administrativo, que culmina na imposição de sacrifício total, por justa causa (necessidade ou utilidade pública, ou interesse social), de determinado direito patrimonial, particular ou público.[3] O instituto possui uma dupla face, como poder administrativo, de impor a ablação da propriedade, e, sob o ponto de vista do particular, ao pressupor a prévia e justa indenização, visto antes como garantia constitucional do direito de propriedade do que ameaça à sua integridade, como enfatiza a melhor doutrina, a exemplo de Eurico Sodré, Pontes de Miranda, Juarez Freitas, García de Enterría e Fernández.[4]

García de Enterria e Fernández destacam que a garantia patrimonial do particular é balanço e contrapeso da potestade da Administração, assegurando limites e condições e, em segundo lugar e de maneira especial, reduzindo esse poder ao efeito mínimo de desapoderamento específico do objeto expropriado, mas sem implicar perda patrimonial de seu valor, que há de restabelecer-se com a indenização, e, finalmente, fazendo pender permanentemente sobre a desapropriação consumada a efetividade de sua causa para resolver aquela quando esta cessa (reversão). Assim, o sacrifício se reduz ao mínimo, ao não acarretar perda de conteúdo econômico, substituído por um equivalente em dinheiro para que a carga pública não recaia apenas sobre a pessoa do afetado e se reparta entre toda a sociedade.[5]

No plano infraconstitucional brasileiro, as desapropriações em geral são reguladas pelo Decreto-Lei n. 3.365/41, chamado de Lei Geral das Desapropriações, com suas alterações ao longo das décadas de vigência.

Aspecto de extrema relevância à advocacia pública, nessa seara, diz respeito aos juros moratórios e compensatórios, dada a imensa repercussão ao Erário. Nesse sentido, o Plenário do STF julgou o mérito da Ação Direta de Inconstitucionalidade 2332[6], proposta pelo Conselho Nacional da OAB, declarando a constitucionalidade da Medida Provisória 2.183-56/2001 (última reedição), que incluiu o art. 15-A no Decreto-Lei n. 3.365/1941, reduzindo de 12% para 6% os juros compensatórios incidentes sobre as desapropriações por necessidade ou utilidade pública e interesse social em caso de imissão prévia na posse.

Transcreva-se o teor do dispositivo impugnado: “Art. 15-A. No caso de imissão prévia na posse, na desapropriação por necessidade ou utilidade pública e interesse social, inclusive para fins de reforma agrária, havendo divergência entre o preço ofertado em juízo e o valor do bem, fixado na sentença, expressos em termos reais, incidirão juros compensatórios de até seis por cento ao ano sobre o valor da diferença eventualmente apurada, a contar da imissão na posse, vedado o cálculo de juros compostos.”

A eficácia do art. 15-A encontrava-se parcialmente suspensa desde 2001 em razão de medida liminar concedida pelo mesmo Plenário do STF, que entendera relevante a arguição de inconstitucionalidade da expressão "de até seis por cento ao ano" no caput do artigo 15-A, em face do enunciado da Súmula 618 desta Corte.

É interessante consignar que a maioria formada para a concessão da medida cautelar, em que pese a posição contrária do relator, Ministro Moreira Alves, e dos Ministros Celso de Mello, Ellen Gracie e Nelson Jobim, orientou-se no sentido de que a taxa de 12% de juros compensatórios, consagrada na Súmula 618, era criação jurisprudencial, com assento constitucional, em virtude do “justo preço” (e não infraconstitucional, âmbito onde regidos os juros), reputando, por isso, inconstitucional a taxa de 6%, trazida pelo art. 15-A, “em face do enunciado da súmula 618”. Desse modo, a lei não poderia revogar a súmula.

Agora, com o julgamento do mérito da ADI 2332, a Corte Suprema alterou o seu entendimento vigente desde 1984, ano da edição da Súmula 618, segundo a qual, “na desapropriação, direta ou indireta, a taxa dos juros compensatórios é de 12% (doze por cento) ao ano”.

Restou superada também a Súmula 408 do STJ, que havia sido editada em razão da concessão da medida cautelar pelo STF na ADI 2332: “Nas ações de desapropriação, os juros compensatórios incidentes após a Medida Provisória n. 1.577, de 11/06/1997, devem ser fixados em 6% ao ano até 13/09/2001 e, a partir de então, em 12% ao ano, na forma da Súmula n. 618 do Supremo Tribunal Federal.”

Como observou o relator da ADI, Ministro Luiz Roberto Barroso, na redação original do Decreto-Lei n. 3.365, de 1941, não havia qualquer previsão de pagamento de juros compensatórios pela imissão provisória na posse do bem desapropriado, o que só veio a ocorrer a partir de 1963 por força de criação jurisprudencial[7], que se materializou na Súmula 164 do STF: "No processo de desapropriação, são devidos juros compensatórios desde a antecipada imissão de posse, ordenada pelo juiz, por motivo de urgência".[8]

E, como se tratava de criação pretoriana[9], não havendo percentual no Decreto-Lei n. 3.365, a jurisprudência do STF assentou que o percentual dos juros compensatórios deveria ser de 6% ao ano, parâmetro utilizado com base no que previa o art. 1063 do Código Civil de 1916.[10]

Todavia, em 1984, num cenário de inflação crônica e consequente perda de poder aquisitivo da moeda, sem que existissem mecanismos de correção monetária, ao qual se agregava o fato de que os processos de desapropriação demoravam um período bastante longo (“como terrível, e, infelizmente, ainda ocorre até hoje”), STF o entendeu de elevar a taxa desses juros compensatórios para 12%, em raciocínio analógico[11] com a Lei da Usura (art. 1º do Decreto n. 22.626/33, que dispunha sobre os juros nos contratos) que limitava a taxa de juros ao dobro da legalmente prevista.

Este foi o contexto em que surgiu a Súmula 618. Ocorre que em 1994 foi implantado o Plano Real, que controlou a inflação e proporcionou a estabilização da economia. Nesse contexto, em 1997, em decorrência de uma conjuntura que deixara de ser inflacionária, foi editada a Medida Provisória n. 1.577, que passou a prever, pela primeira vez, em texto normativo, juros compensatórios de "até 6%" nas desapropriações regidas pelo Decreto-Lei n. 3.365/41. Esta MP foi sucessivamente reeditada até que por Emenda Constitucional proibiu-se a reedição, convalidando as que se encontravam pendentes.

De acordo com o novo entendimento do STF, a lei que fixou em 6% os juros compensatórios fez uma ponderação entre justa indenização do proprietário, de um lado, e, de outro, os legítimos interesses da Administração e a “eficiência e a economicidade na atuação da administração pública somada, a meu ver, a uma vedação, implícita no ordenamento, de enriquecimento sem causa do próprio proprietário”, acentuando o Ministro relator que quando o legislador procede a ponderações de direitos e princípios fundamentais, “a posição do intérprete deve ser a de relativa deferência para com a ponderação feita pelo legislador, a menos que ela se mostre manifestamente irrazoável.”     

Em seu voto, o Ministro Edson Fachin acrescentou que, em verdade, os juros compensatórios sequer possuem previsão expressa na Constituição da República.[12]

A razoabilidade decorre, como já contextualizado, da mudança de conjuntura, pois “a verdade é que essa orientação definitivamente não se justifica mais nos dias de hoje em que nós vivemos, felizmente, uma relativa estabilidade monetária e uma realidade na qual existe previsão expressa de critérios de correção monetária do principal e que, portanto, não há necessidade de se exacerbarem os juros compensatórios para compensar a ausência de correção monetária.” E, em segundo lugar, porque a taxa de juros de 6% é perfeitamente compatível com as aplicações que existem no mercado financeiro. Por fim, conforme se extrai da fundamentação do voto condutor, “a elevação irrazoável do valor das indenizações, em primeiro lugar, dificulta uma política pública de desapropriação e eventual necessidade de reforma agrária pela onerosidade excessiva”. E isso, pode-se acrescentar, se aplica plenamente às desapropriações ditas “ambientais”, para a  implementação de unidades de conservação de proteção integral.

O relator fez ainda menção a memorial da Advocacia-Geral da União em relação às desapropriações realizadas pelo INCRA, entre 2011 e 2016, no qual consta o dado de que "o gasto com juros compensatórios girou em torno de 978 milhões, enquanto o valor principal girou em torno de 555 milhões", evidenciando que o pagamento do valor em juros compensatórios se aproxima ao dobro do que se paga pelo principal, o que evidentemente é uma distorção (embora reconheça que distorções são também os processos de desapropriação durarem 15 anos, em pavorosa ineficiência do Judiciário, mas não é isso que está em discussão, advertiu).

Segundo trabalho que expunha diversos motivos para provocar o cancelamento das Súmulas 618, 416, 345 e 164, apresentado pelo então Subprocurador-Geral da República, os juros compensatórios representam 2/3 (dois terços) de todos os recursos gastos para liquidação de indenizações judiciais em ação de desapropriação por interesse social”.[13]

Incontroverso que o quadro atual é diverso, havendo expressa previsão de correção monetária sobre o valor das indenizações devidas por desapropriações, sobre o qual incidirão os juros compensatórios.[14]

Foi considerada, porém, inconstitucional a expressão “até” 6%, pois geraria insegurança jurídica, ou seja, o percentual não poderá ser inferior a 6% ao ano para remuneração do proprietário pela imissão provisória do ente público na posse do seu bem, ante o risco de estipulação judicial de valores arbitrários ou insuficientes para compensar a perda antecipada da posse.

O entendimento firmado pelo STF merece aplausos por constituir, nas palavras do próprio Min. Barroso, “medida adequada para mitigar o quadro atual de sangria de recursos públicos, sem, contudo, deixar de recompor o patrimônio de expropriado pela perda da posse do imóvel”. A Súmula 618 do STF, que elevou a taxa de juros compensatórios para 12% (secundada pela Súmula 110 do STJ), conjugada com as Súmulas 12 e 102 do STJ, que autorizavam a incidência dos juros moratórios (de 6% a.a.) sobre os compensatórios nas ações expropriatórias, permitiu um cenário injusto de cumulação de juros moratórios e compensatórios, a partir do trânsito em julgado da sentença que fixava o valor da indenização, resultando numa taxa de 18% de juros ao ano, com clara distorção no valor das indenizações pagas pelo Poder Público.

É indispensável rememorar que o STJ já havia revisto em 2010 a sua jurisprudência para não mais admitir a cumulação de juros compensatórios e moratórios a partir do trânsito em julgado da sentença.[15] Assentou a 1.ª Seção do STJ, em recurso sujeito ao regime previsto no art. 543-C do CPC (Temas 210 e 211), que a partir da MP  1.997-34, de 13/01/2000, que deu nova redação ao art. 15-B do Decreto-Lei n. 3.365/41, o termo inicial dos juros moratórios, em desapropriação, é o dia "1º de janeiro do exercício seguinte àquele em que o pagamento deveria ser feito, nos termos do art. 100 da Constituição”, e não mais o trânsito em julgado da sentença, de modo que já não possuem mais suporte legal os enunciados das Súmulas 70, 12 e 102 do STJ.  “Sendo assim, não ocorre, no atual quadro normativo, hipótese de cumulação de juros moratórios e juros compensatórios, eis que se tratam de encargos que incidem em períodos diferentes: os juros compensatórios têm incidência até a data da expedição de precatório, enquanto que os moratórios somente incidirão se o precatório expedido não for pago no prazo constitucional.[16]

Assentou-se também, naquela oportunidade, que o termo final da fluência dos compensatórios será a expedição do precatório original, de conformidade com o artigo 100, § 12, da CF/88, com a redação dada pela EC 62/09.

Durante as décadas que se passaram entre a edição da Súmula 618 e a revisão da jurisprudência do STJ, em 2010, e a do STF, agora em 2019, onerou-se excessivamente a coletividade, proporcionando-se enriquecimento sem causa do expropriado. É que o se infere, a contrario sensu, da decisão do STF na ADI 2332. No seu voto, o Min. Alexandre de Moraes ressaltou que, caso permanecesse a cautelar, transformar-se-ia a justa indenização em injusta, mas em relação ao Poder Público, bastando verificar o enorme mercado, que infelizmente foi se ampliando, de transferências de bens já desapropriados com deságio gigantesco, “porque aqueles que exploram jogam no tempo, porquanto nenhuma aplicação daria nem perto do que dá os 12% de juros”.[17]

Criticava Kiyoshi Harada a “inadmissível” acumulação de juros moratórios e compensatórios, a partir do trânsito em julgado, citando voto do Min. Moreira Alves no RE 90656, acerca do absurdo da cumulação. Contudo, para Harada, o equívoco maior da jurisprudência estava ainda na fixação de juros compensatórios à taxa de 12% ao ano, de sorte que os juros pagos nas expropriatórias atingiam a 18%, “propiciando um rendimento inexistente no mercado financeiro, fato que resultou no surgimento, em determinada época, de uma curial profissão, a de comprador de imóveis atingidos pela desapropriação”.[18]

A jurisprudência das Cortes Superiores avançou, inegavelmente, no sentido de corrigir distorções que resultam na exacerbação dos juros devidos nas desapropriações[19], resultando em passivos bilionários para as Fazendas da União e dos Estados.

O STF reconheceu ainda, por unanimidade, a constitucionalidade do § 3º do artigo 15-A, pelo qual o disposto no caput – que traz a taxa de 6% - aplica-se também às ações ordinárias de indenização por apossamento administrativo ou desapropriação indireta, bem assim às ações que visem a indenização por restrições decorrentes de atos do Poder Público, em especial aqueles destinados à proteção ambiental, incidindo os juros sobre o valor fixado na sentença. Afirmou o Min. Ricardo Lewandowski, nesse particular, que quando se trata de desapropriações indiretas ou aquelas destinadas à proteção ambiental, surgem as grandes distorções, ousando dizer que algumas ações beiram a ilicitude.[20]

Contra o acórdão foram opostos embargos de declaração, ainda pendentes de julgamento, em que a OAB requereu seja reconhecida a eficácia prospectiva do julgado em relação à taxa de juros compensatórios, porquanto a ação direta foi julgada improcedente, ou, caso a Suprema Corte assim não entenda e conclua que o julgamento do mérito da ADI, na parte em que entendeu constitucionais os dispositivos suspensos pela cautelar, possui eficácia ex tunc, postulou, subsidiariamente, que sejam modulados os efeitos temporais da decisão para o futuro, por razões de segurança jurídica, com amparo no art. 27 da Lei n. 9.868/99.

Não obstante a insurgência da entidade embargante, frisa-se que a pendência do julgamento dos embargos de declaração interpostos na ADI 2332 em nada afetará a imediata aplicação do entendimento trazido pelo STF, dado que a decisão proferida em sede de ação direta de inconstitucionalidade é aplicável tão logo publicada a ata da sessão de julgamento no DJe, o que, neste caso, ocorreu em 28/05/2018, independentemente do trânsito em julgado ou da possibilidade de modulação de efeitos, conforme entendimento já reafirmado recentemente pela Corte Suprema[21].

Nessa linha, vem decidindo o Tribunal de Justiça de Santa Catarina, reconhecendo que a decisão do STF em controle abstrato é vinculante, devendo ser aplicada imediatamente: “EMBARGOS DE DECLARAÇÃO - DESAPROPRIAÇÃO INDIRETA - JUROS COMPENSATÓRIOS - ADEQUAÇÃO AO DEFINIDO PELO STF NO JULGAMENTO DA ADI 2.332/DF. Nas ações de desapropriação indireta, os juros compensatórios devem incidir no percentual de seis ao ano, na linha do recente entendimento firmado pela Suprema Corte por ocasião do julgamento da ADI 2.332/DF. Esse julgamento tem eficácia erga omnes e vinculante. Como a causa está ainda nas instâncias ordinárias, o fato novo deve ser considerado. Recurso conhecido e provido.”[22]

Convém reportar que o STJ, ainda em 2018, em QO no RESP 1.328.993/CE, deu início a incidente de revisão de teses repetitivas para adequá-las ao conteúdo do julgamento do STF na ADI 2332, entre elas a Tese 128 e a Súmula 408,  determinando, por economia processual, inclusive para prevenção do ajuizamento de futuras ações rescisórias embasadas na coisa julgada inconstitucional, a suspensão do processamento de todos os feitos que versem acerca da matéria submetida à revisão, a partir do momento de emergência da questão relativa à taxa de juros compensatórios aplicável às ações expropriatórias. Ainda, e sobre esta decisão do STJ de afetação para possível revisão de suas teses, dado que já ocorreu a publicação do acórdão na ADI 2332 em 16/04/2019, acredita-se que o seu efeito prático, atualmente, residiria apenas na possibilidade de devolução dos processos suspensos para as instâncias inferiores a fim de que possam exercer eventual  juízo de retratação para adequação do julgado proferido às teses fixadas pelo STF, tal como já se decidiu no AInt no AResp n. 1.461.814/RN[23].

Quanto à questão relativa à base de cálculo dos juros compensatórios, foi confirmada pelo STF a decisão inicial para dar interpretação conforme a Constituição ao caput do artigo 15-A do Decreto-Lei n. 3.365/41, para que não fira o princípio constitucional do prévio e justo preço, de maneira a incidir juros compensatórios sobre a diferença entre 80% do preço ofertado pelo ente público e o valor fixado na sentença. Isto porque, por força do art. 33, § 2º, da mesma lei, o expropriado somente pode levantar, de imediato, 80% (oitenta por cento) do valor oferecido pelo ente expropriante na imissão provisória da posse, ficando os 20% remanescentes depositados em juízo. Concluiu o relator que, assim, resguarda-se a função típica dos juros compensatórios, qual seja, a remuneração do capital que o expropriado deixou de receber a partir da perda da posse.[24]

Por fim, foi confirmada a decisão proferida em sede cautelar para julgar constitucional a estipulação de parâmetros mínimo (0,5%) e máximo (5%) para a concessão de honorários advocatícios, previstos no § 1º, do art. 27, sendo, contudo, vedada a fixação do valor nominal máximo (teto) de R$ 151.000,00 (à época da edição da MP, atualmente corrigidos para R$ 474 mil).

Conforme ementado, o STF fixou também a tese de que são constitucionais as normas que condicionam a incidência de juros compensatórios à produtividade da propriedade, reconhecendo a constitucionalidade do § 1º e do § 2º do art. 15-A do Decreto-Lei n. 3.365/41, que haviam sido suspensos cautelarmente, ficando vencidos os Ministros Barroso (relator), Luiz Fux e Celso de Mello. Em síntese, a maioria formada entendeu legítima a necessidade de comprovação do prejuízo pelo desapropriado, de modo a incidir os compensatórios, extraindo-se do voto do Min. Alexandre de Moraes que “grau de utilização”, em matéria de desapropriação e indenização, supõe potencialidade de utilização. Essa questão, por ter sido objeto de profunda divergência no Plenário da Corte, tanto por ocasião da cautelar quanto agora, com nova composição, merece uma detida análise, que não cabe aqui ser empreendida, eis que o texto já vai longo. 

Por ora, sobre o novo entendimento firmado pelo STF sobre o percentual de juros compensatórios, aqui comentado... alvíssaras!

 

Notas e Referências

[1] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios constitucionais. 5. ed. São Paulo: Malheiros, 2013. p.429.

[2] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios constitucionais, 2013. p. 440.

[3] FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios constitucionais. 2013. p. 439.

[4] SODRÉ, Eurico. A desapropriação. 3. ed. São Paulo: Saraiva, 1955. p. 9; MIRANDA, Pontes de. Comentários à Constituição de 1967, com a Emenda n.1 de 1969. 2. ed. rev. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1971. p. 397-398; FREITAS, Juarez. O controle dos atos administrativos e os princípios constitucionais, 2013. p. 436-437, citando Maurice Hauriou, Peter Badura, Ernst Forsthoff, Hans Juius Wolff, Otto Bachof e, ainda, Konrad Hesse; GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomáz-Ramón. Curso de Derecho Administrativo. Decimoquinta edición. Navarra: Thomson Reuters, 2017. v. 2, p. 239-240.

[5] GARCÍA DE ENTERRÍA, Eduardo; FERNÁNDEZ, Tomáz-Ramón. Curso de Derecho Administrativo, 2017. p. 240 e 250.

[6] ADI 2332, Rel. Min. Roberto Barroso, Tribunal Pleno, julgado em 17/05/2018, DJe-080 publicado em 16-04-2019.

[7] De acordo com Daniel Leite da Silva, considerando que não existia correção monetária de débitos judiciais, em 1949, o STF justifica, pela primeira vez, a fluência de juros a contar da imissão na posse, dizendo que tais juros não eram moratórios, mas “remuneratórios”, e em 1950, foi lançada a primeira decisão do STF, no RE 13364, com a expressão juros compensatórios, consolidando ao longo da década a jurisprudência quanto ao termo a quo dos juros, entendendo-se que deviam fluir a partir da imissão, com base nos arts. 960 e 962 do CC/1916, porém ainda havia na Corte grande oscilação quanto à natureza e nomenclatura desses juros (ora moratórios, ora compensatórios) (In: Juros em desapropriação: a verdade sobre a jurisprudência do STF. Disponível em: https://jus.com.br/artigos/14374/juros-em-desapropriacao. Publicado em 02/2010. Acesso em: 18 out. 2019).

[8] Daniel Leite da Silva esclarece também que esta súmula era aplicada exclusivamente às desapropriações regulares, precedidas de declaração de interesse público e com imissão na posse autorizada pelo juiz, porém nas desapropriações indiretas o entendimento era outro, levando à edição da Súmula 345, também em 1963, pela qual “na chamada desapropriação indireta, os juros compensatórios são devidos a partir da perícia, desde que tenha atribuído valor atual ao imóvel”. Isto porque a avaliação era feita muito depois do apossamento administrativo, de modo que se o laudo atribuía valor atual, já tinha abrangido a valorização do imóvel e a defasagem da moeda, e, portanto, os juros compensatórios entre a ocupação e o laudo já estavam abrangidos por este. Tanto que, com a criação da correção monetária, o STF superou a Súmula 345, passando a entender que nas desapropriações indiretas os juros compensatórios deviam correr a partir da ocupação (RE 47934, 48540 e 52441) (In: Juros em desapropriação).

[9] Estes juros nasceram da interpretação de dispositivos legais aplicáveis à obrigação de pagar dinheiro, como substitutivos dos juros moratórios, e resultaram, segundo Daniel Leite da Silva, da interpretação do art. 1063 do CC/16 e sua aplicação às ações expropriatórias, “tudo com o fim de afastar a incidência do art. 3º do Decreto n. 22.785/1933”, o qual determinou que a Fazenda Pública somente pagaria juros moratórios a partir do trânsito em julgado. Como não havia correção monetária de débitos judiciais, o STF passou a entender, em 1946, que os juros “moratórios” deviam fluir desde a imissão da posse. No aspecto metajurídico, surgiram com a finalidade de minimizar os efeitos deletérios da inflação, vez que não havia correção monetária dos débitos judiciais (In: Juros em desapropriação).

[10] Em 1979, o STF julgou pela primeira vez a questão da cumulação de juros moratórios e compensatórios, concluindo por sua possibilidade, por se tratar de coisas distintas (RE 80718, 88363 e 89211), cabendo a fluência dos moratórios a partir do trânsito em julgado. O Ministro Moreira Alves foi voto vencido, entendendo, na esteira da doutrina pátria, pela vedação da cumulação. Registra Daniel Leite da Silva que em nenhum momento o STF autorizou a incidência dos moratórios sobre os compensatórios, determinando sempre que tanto um quanto outro incidissem sobre o valor do imóvel fixado na sentença (In: Juros em desapropriação) Acrescenta-se que esse entendimento que posteriormente veio a ser materializado nas Súmulas 12 e 70 do STJ, ambas do início da década de 1990, já sob a égide da CF/88 e da competência do STJ para analisar ofensa à lei federal. O STJ foi além, e editou em 1994 a Súmula 102, segundo a qual “a incidência dos juros moratórios sobre os compensatórios, nas ações expropriatórias, não constitui anatocismo vedado em lei”.

[11] Daniel Leite da Silva chama a atenção para o fato de que o STF nunca produziu debate aprofundado acerca da taxa dos juros compensatórios, deixando de observar, ao aplicar o art. 1º da Lei de Usura, que os juros somente podiam ser fixados em 12% ao ano pelas partes, no exercício da autonomia da vontade. Quando os interessados não contratavam expressamente a taxa de juros, ou quando estes decorrem de lei, tal como ocorre na desapropriação, o CC/1916, nos arts. 1063 e 1262, limitava-os em 6% ao ano. O STF recusou-se aplicar o art. 1063 ao argumento de que se referia aos juros moratórios, diferentemente do que entendia a doutrina nacional, que sempre afirmou a aplicação aos juros compensatórios do art. 1063. Os arts. 1062 e 1064 é que se referiam exclusivamente a juros moratórios (In: Juros em desapropriação).

[12] ADI 2332, p. 582.

[13] FONSECA, Antônio. Juros compensatórios ou juros de dano: cancelamento das Súmulas 618, 416, 345 e 164. Boletim Científico da Escola Superior do Ministério Público da União, Brasília, v. 5, n. 18/19, p. 187-230, jan./jun. 2006, p. 190.

[14] Nesse sentido, a Súmula 114 do STJ: “Os juros compensatórios, na desapropriação indireta, incidem a partir da ocupação, calculados sobre o valor da indenização, corrigido monetariamente.”

[15] Contra tal orientação, já se rebelava José Carlos de Moraes Salles, para quem tal procedimento representaria anatocismo, ou seja, a contagem de juros sobre juros, vedada pelo art. 1.544 do CC/1916, então em vigor, que só admitia a satisfação de juros compostos nos casos decorrentes de crime. (A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência. 5. ed. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2006. p. 589). A regra do art. 1544 não foi repetida no CC de 2002, porém Moraes Salles ressaltava que fato anterior à vigência do novo Código Civil, ou seja, a introdução do art. 15-A no DL 3.365/41, acrescido pea MP 2.183-56, de 2001, determinou a vedação do cálculo de juros compostos nas desapropriações, no caput do referido artigo, de modo que já entendia invalidada a Súmula 102 (p. 590).

[16]  STJ, 1.ª Seção, REsp 1.118.103 - SP, Rel. Min. Teori Zavascki, j. em 24/02/2010, in DJe: 08/03/2010.

[17] ADI 2332, p. 546. Os Ministros Ricardo Lewandowski e Gilmar Mendes também anotaram a existência de verdadeiro mercado paralelo de vendas de imóveis já desapropriados, de precatórios, inclusive (“os precatoristas”), que muitas vezes equivalem a um “prêmio de loteria esportiva” (p. 549 e 552).

[18] HARADA, Kiyoshi. Desapropriação. 11. ed. São Paulo: Atlas, 2015. p. 164-68. O autor já previa, porém, a tendência da Corte Suprema, pela sua atual composição, no sentido de “corrigir as distorções da jurisprudência (p 168). Harada sustenta, mesmo, que os juros compensatórios seriam atualmente dispensáveis (p. 164).

[19] A doutrina demonstrava que em matéria de juros compensatórios na desapropriação a jurisprudência do STF não se firmou a partir de habituais argumentos sólidos, e que na generalidade dos enunciados foram sacrificadas as nuanças essenciais que marcaram o mérito dos casos concretos, ressentindo-se a motivação dos precedentes de uma discussão mais aprofundada sobre o sentido constitucional da justiça na indenização pela perda forçada da propriedade. Cf., a propósito, HARADA, Kiyoshi. Desapropriação, 2015. p. 171; FONSECA, Antônio. Juros compensatórios ou juros de dano: cancelamento das Súmulas 618, 416, 345 e 164. 2006. p. 203. SILVA, Daniel Leite da. Juros em desapropriação. 2010.

[20] ADI 2332, p. 597.

[21] ARE 1031810 AgR-ED-ED, Relator  Min. Ricardo Lewandowski, Segunda Turma, julgado em 05/11/2019, DJe-250 Divulg 12-11-2019 Public 18-11-2019: EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NOS EMBARGOS DE DECLARAÇÃO NO AGRAVO REGIMENTAL NO RECURSO EXTRAORDINÁRIO COM AGRAVO. ADI 2.332-2/DF. EFICÁCIA. PUBLICAÇÃO DA ATA DE JULGAMENTO. DESAPROPRIAÇÃO. JUROS COMPENSATÓRIOS DE 6% (SEIS POR CENTO) AO ANO. EMBARGOS ACOLHIDOS COM EFEITOS MODIFICATIVOS. I – A eficácia das decisões proferidas em controle concentrado de constitucionalidade ocorre a partir da publicação da ata de seu julgamento. Precedentes. II – Na desapropriação incidem juros compensatórios de 6% (seis por cento) ao ano para remuneração do proprietário do bem. Precedentes. III – Embargos de declaração acolhidos para dar parcial provimento ao recurso extraordinário.

[22] Embargos de Declaração n. 0016676-37.2011.8.24.0020, de Criciúma, rel. Des. Hélio do Valle Pereira, 5ª Câmara de Direito Público, julgado em 18/10/2018. E também o TRF da 4ª Região: O percentual (taxa) de juros compensatórios ao ano deve ser fixado (reduzido para) em 6% ao ano, conforme, inclusive, recente decisão do STF sobre o tema (vide ADI 2.332).  (AC 5007218-27.2015.4.04.7208, 3ª Turma, Rel. Sérgio Renato Tejada Garcia, juntado aos autos em 17/10/2019).

[23]Uma vez submetido determinado tema ao regime de julgamento de recursos especiais repetitivos, é cabível a devolução dos autos ao Tribunal "a quo" para efeito do art. 1.030, inciso III, do CPC/2015. Inteligência do EAREsp 380.796/RS”. Cf. trecho extraído do voto vencedor proferido pelo Ministro Mauro Campbell Marques: “Por consequência, correta a determinação de devolução dos autos porque a questão dos juros compensatórios conforme será decidida no Superior Tribunal de Justiça tem o potencial de afetar os rumos da presente demanda, decerto preferindo a adoção de tal procedimento em que se permite ao Tribunal "a quo" inclusive o exercício de eventual exercício de retratação.” (AgInt no AREsp 1461814/RN, Rel. Ministro Mauro Campbell Marques, 2ª Turma, julgado em 15/08/2019, DJe 20/08/2019).

[24] Nesse sentido, Moraes Salles (A desapropriação à luz da doutrina e da jurisprudência, 2006. p. 587) já defendia que os juros só não incidirão sobre a parte do depósito que pode ser levantada pelo expropriado (80%), nos termos do § 2º do art. 33 do DL 3365.

 

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