Por Marisa Schmitt Siqueira Mendes e Denise Schmitt Siqueira Garcia - 02/05/2015
O ano de 2015 ficará para sempre marcado como mais um avanço no direito brasileiro, eis que no dia 16 de março a Presidenta Dilma Rousself sancionou o Novo Código de Processo Civil[3], depois de quase cinco anos tramitando no Congresso Nacional, enfim chegou o grande dia. O novo texto, com as novas regras entram em vigor após um ano da sua publicação.
Em 1939 nasceu o primeiro Código de Processo Civil[4] no contexto ditatorial do Estado Novo. Posteriormente, ovigente Código de Processo Civil foi editado no ano de 1973 durante o regime militar, e agora, após 42 anos o novo CPC, é o primeiro a ser elaborado em plena vigência do regime Democrático no país.
Várias foram às inovações e alterações na redação do novo CPC, sendo que uma das suas principais características foi o reconhecimento da celeridade dos processos na esfera cível.
Oportuno mencionar parte do discurso do Presidente do Senado Renan Calheiros[5] sobre o Novo Código Processo Civil: “Trata-se de um instrumento que reforça as garantias constitucionais do processo, o contraditório, a ampla defesa, publicidade, impessoalidade, celeridade, moralidade, transparência nas decisões judiciais. É, sem dúvida, a mais importante matéria que nós deliberamos aqui, nesses últimos dois anos”.
Dentro desse contexto, a esfera recursalsofreu alterações relevantes, ocorrendo extinção de alguns recursos, erestringindo o uso de outros, sendo que o presente artigo tem por objetivo analisar as principais modificações ocorridas no Recurso de Apelação.
Inicialmente importante mencionar que os artigos referentes aos Recursos são abordados no NCPC nos artigos 994 ao 1044.
O artigo 1009 do NCPC é o primeiro dispositivo que trata sobre o Recurso de Apelação. Este não sofreu alteração, deixando claro que “Da sentença cabe Apelação”.
Interessante registrar que o legisladorapresenta redação nova ao definir sentença, conforme disposto no artigo 203 § 1º do NCPC,in verbis:
Artigo 203 – Os pronunciamentos do juiz consistirão em sentenças, decisões interlocutórias e despachos.
1º - Ressalvadas as disposições expressas dos procedimentos especiais, sentença e o pronunciamento por meio do qual o juiz, com fundamento expresso nos arts. 485 e 487, põe fim à fase cognitiva do procedimento comum, bem como, extingue a execução.
(…).
Por seguinte, importante observar que o legisladorao admitir no artigo 1009 do NCPC que da sentença cabe apelação, não classifica qual o tipo de sentença é suscetível de recurso, e assim, deve-se entender que o Recurso de Apelação pode ser interpostode sentença definitiva (com a resolução do mérito – art. 487 NCPC) ou sentença terminativa (sem resolução do mérito - art. 485 NCPC).
O Recurso de Apelação trata-se de um recurso ordinário, cabível em qualquer tipo de sentença, qualquer que seja o tipo de processo e procedimento.
O § 1º do Artigo 1009d o NCPC é a primeira inovação quanto ao Recurso de Apelação, determinando que: As questões resolvidas na fase de conhecimento, se a decisão a seu respeito não comportar agravo de instrumento, não são cobertas pela preclusão e devem ser suscitadas em preliminar de apelação eventualmente interposta contra decisão final, ou nas contrarrazões.
Tal dispositivo é necessário, pois uma das grandes inovações no NCPC foi à retirada do Agravo Retido (artigo 523 do atual Código de Processo Civil foi revogado) e uma limitação quanto à possibilidade de interposição do Agravo de Instrumento conforme disposto no artigo 1015 do NCPC.
Assim, vislumbra-se que algumas decisões interlocutórias que antes poderiam ser objeto do recurso de agravo, agora não serão mais.
Dessa forma, a interpretação do dispositivo é no sentido de que a decisão interlocutória que for irrecorrível em Agravo poderá ser objeto de análise pelo Tribunal de Justiça ou Tribunal Regional Federal, desde que o recorrente apresente suas alegações em preliminar das Razões da Apelação ou em preliminar nas contrarrazões.
O § 2º do artigo 1009 do NCPC também estabelece que se houver apresentação de preliminares da Apelação, deverá ser oportunizado a outra parte o prazo de 15 dias para manifestar-se a respeito delas, respeitando o princípio do contraditório e ampla defesa.
A segunda inovação a ser abordada é quanto ao Juízo de Admissibilidade da Apelação abordado no artigo 1010 § 3º do NCPC, in verbis:
Art. 1010 - A apelação, interposta por petição dirigida ao juízo de primeiro grau, conterá:
(...)
3º - Após as formalidades previstas nos § § 1º e 2º, os autos serão remetidos ao tribunal pelo juiz, independentemente do juízo de admissibilidade.
Tal dispositivo afirma que não é mais responsabilidade do Juiz de 1º grau analisar os requisitos de admissilidade de forma provisória.
No atual Código de Processo Civil a decisão proferida pelo Juiz de 1º grau quanto à inadmissibilidade do Recurso de Apelação é suscetível de Agravo de Instrumento, e com o Novo Código de Processo Civil não será mais possível, eis que a responsabilidade é exclusiva do Tribunal de Justiça em analisar a admissibilidade.
O artigo 1012 do NCPC mantém o que dizia o antigo código quanto ao recurso de apelação ter em regra o efeito suspensivo, apresentando nos incisos desse artigo algumas exceções de quando esse efeito não existirá.
A modificação está na relação dos casos em que a apelação não terá efeito suspensivo, eis que o legislador acrescentou o inciso VI que fala da ação de interdição, ou seja, no NCPC se for decretada a interdição de uma pessoa e a parte recorrer, este recurso será recebido somente no efeito devolutivo.
Importante destacar o § 3º do artigo 1012 do NCPC o qual estabelece que:
3º - O pedido de concessão de efeito suspensivo nas hipóteses do § 1º poderá ser formulado por requerimento dirigido ao:I – tribunal, no período compreendido entre a interposição da apelação e sua distribuição, ficando o relator designado para seu exame prevento para julgá-la;
II – relator, se já distribuída a apelação.
Essa é principal inovação quanto aos efeitos, sendo agora possível realizar requerimento específico para tal pedido, quando de acordo com os incisos do artigo 1012 NCPC não comportar o efeito suspensivo.
Entendemos que esse requerimento pode ser feito nas razões da apelação ou até mesmo em petição apartada, já que o legislador não discorreu a respeito dessa formalidade.
O § 4º também inovador, determina que: Nas hipóteses do §1º a eficácia da sentença, poderá ser suspensa pelo relator se o apelante demonstrar a probabilidade de provimento do recurso ou se, sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação.
Aqui o legislador traz os casos em que o apelante pode requerer o efeito suspensivo, quando este não for cabível, ou seja, no caso de “demonstração da probabilidade do provimento do recurso” ou “sendo relevante a fundamentação, houver risco de dano grave ou de difícil reparação”, ou seja, existindo periculum in mora.
Verifica-se nesse caso uma ‘cláusula aberta”, ou seja, nos parece que o legislador apresentou requisitos subjetivos, cabendo ao julgador analisar a existência dos mesmos.
O caput do artigo 1013 do NCPC trata a respeito do efeito devolutivo, e a inovação desse dispositivo está no § 3º, que aborda quanto à possibilidade do Tribunal de Justiça julgar imediamente o mérito da ação, in verbis:
Art. 1013 – A apelação devolverá ao tribunal o conhecimento da matéria impugnada.
(…)
3º Se o processo estiver em condições de imediato julgamento, o tribunal deve decidir desde logo o mérito quando:I – reformar sentença fundada no artigo 485;
II – decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir;
III – constatar a omissão no exame de um dos pedidos, hipótese em que poderá julgá-lo;
IV – decretar a nulidade da sentença por falta de fundamentação.
Verifica-se primeiro que o legislador usou a palavra ‘deve’ e, portanto, entendemos ser uma obrigatoriedade do julgador fazer esse julgamento no tribunal quando forem preenchidos algum dos casos previstos nos incisos desse parágrafo.
Essa possibilidade do Tribunal fazer o julgamento do mérito vem atender ao Princípio da celeridade processual, pois o processo retornar para ser julgado novamente pelo juízo de primeiro grau implica em perda de tempo para as partes que estão ansiosas pela prestação da tutela jurisdicional.
Assim o primeiro requisito exigido é que o processo precisa estar “em condições de imediato julgamento”, ou seja, não ter mais a necessidade de produção de mais nenhuma prova, diz-se “estar maduro” para julgamento. Caso seja necessária a produção de alguma prova, portanto, o processo precisa ser encaminhado para o juízo de 1º grau novamente.
O legislador então relaciona os casos de cabimento desse julgamento, e assim enumera: quando houver reforma de uma sentença terminativa; quando decretar a nulidade da sentença por não ser ela congruente com os limites do pedido ou da causa de pedir, que seria o caso das decisões extra petita ou ultra petita; constatar a omissão no exame de um dos pedidos, que seria o caso de decisão citra petita, e por fim, quando decretar a nulidade de sentença por falta de fundamentação.
Destaca-se mais uma vez que em todos esses casos o julgamento somente será realizado se o processo já estiver pronto para imediato julgamento.
De tudo que foi exposto, verifica-se que o recurso de apelação sofreu algumas alterações, todas com a finalidade de celeridade processual, que um dos objetivos contidos na essência do NCPC.
Notas e Referências:
[3] Doravante será tratado NCPC.
[4] Doravante será tratado CPC.
[5] Senado Notícias - http://www12.senado.leg.br/noticias/materias/2015/03/16/novo-cpc-e-sancionado-pela-presidente-dilma-rousseff. Acesso em 14 de abril de 2015.
Marisa Schmitt Siqueira Mendes é Mestre em Ciência Jurídica com concentração em Fundamentos do Direito Positivo na Universidade do Vale do Itajaí. Revisora Adjunta da Revista Direito & Política do Programa de Pós-Graduação Stricto Sensu em Ciência Jurídica da Universidade do Vale do Itajaí, Professora da UNIVALI das disciplinas Estágio Prática Jurídica e Processo Civil e no Curso de Pós Graduação em Processo Civil; Professora de Cursinhos Preparatórios para OAB. Participante do Projeto de Extensão PROTEJÁ: violência contra criança e adolescente é crime. Advogada. marisamendes@univali.br
Denise Schmitt Siqueira Garcia é Doutora pela Universidade de Alicante na Espanha. Mestre em Derecho Ambiental y Sostenibilidad pela Universidade de Alicante na Espanha. Mestre em Ciência Jurídica. Especialista em Direito Processual Civil, Graduada em Direito. Atualmente é professora do Programa de Pós graduação stricto sensu em Ciência Jurídica, de pós graduação lato sensu e da graduação. Coordenadora de pós graduação lato sensu em Direito Processual Civil da Universidade do Vale do Itajaí. Membro do grupo de pesquisa Estado, Direito Ambiental, Transnacionalidade. Pesquisadora do projeto de pesquisa aprovado no CNPq intitulado: Possibilidades e limites da Avaliação Ambiental Estratégica no Brasil e Impacto na Gestão Ambiental Portuária. Advogada.
Imagem Ilustrativa do Post: Illusion // Foto de: Kool Cats Photography over// Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/katsrcool/8964440389 Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode