Algumas notas sobre a eficiência e o ordenamento jurídico brasileiro

20/02/2018

Coordenador Gilberto Bruschi

Dia 10 de fevereiro de 2018, véspera de carnaval, foi o prazo concedido pelo amigo Professor Gilberto Bruschi, há duas semanas, para que enviasse um pequeno texto para a sua festejada coluna sobre o novo Processo Civil que coordena no site Empório de Direito. Num primeiro momento, sendo o Brasil o país dessa festividade, poderia se tornar árdua a tarefa de escrever algumas linhas em tão poucos dias e já praticamente adentrando às festas que tomam conta de Norte a Sul do País. Contudo, o carnaval de hoje já não faz mais parte daquele que outrora vivi e curti, tendo, inclusive, nas últimas horas, ouvido na rádio que um carnafunk se aproximava - se é assim que o neologismo é escrito -, mostrando que o fenômeno da pós-modernidade é real e a quebra da tradição, uma das características deste novo modelo, é um fato constatável a todo o momento. Por esta razão, escrever não me retirou de nenhuma marchinha carnavalesca, ao contrário, poupou-me de conhecer uma nova fase do carnaval que a mim desinteressa. 

Talvez por isso, já na praia, sem acesso à bibliografia física (minto, apenas trouxe comigo The Power of Precedent, de Michael J. Gerhardt) e com internet limitada, tenha optado por ensaiar alguns poucos parágrafos sobre o tema da eficiência, o qual fico um pouco mais confortável de escrever por, recentemente, ter defendido meu relatório de pós-doutorado sobre o assunto e já entregue o texto à editora para que logo mais o estudo seja publicado em sua integralidade, na sua versão comercial. 

Afirmam alguns que a eficiência é um conceito das áreas como a economia e administração, mas o fato é que ela é muito mais que isso, sendo, antes de tudo, um conceito de vida. Desde os tempos mais remotos, quando o ser humano caçava e era caçado, já o fazia com eficiência, caso contrário ou não se alimentava ou não sobrevivia. Por certo é que, ao longo dos milênios, séculos, décadas e anos, o conceito foi, como a própria história da humanidade, sendo rigidamente acoplado em matérias específicas, especializando, infelizmente, cada vez mais o ser pensante, estando aí, talvez, a confusão de ser ela algo ligada a uma ou algumas poucas áreas apenas, tendo sido escanteada durante muito tempo pelos juristas. 

Tal afirmativa pode ser, ainda, hoje em dia constatada com o dia a dia de qualquer um de nós que, salvo exceções, primam por eficiência em suas relações laborais, negociais e afetivas, para ficar apenas nelas neste momento. Ninguém deveria torcer contra si próprio, querendo que sua vida no trabalho seja a mais ineficiente possível, ou em seus negócios ou em suas relações familiares. Tal comportamento seria obrar contra a própria condição humana. Aliás, querer ter eficiência nelas é, quem sabe, um caminho para sobrar mais tempo para outras tantas coisas que numa sociedade da pressa passam à jato por nós. 

Ainda, a título meramente introdutório, importante frisar que a palavra eficiência vem do latim efficientia e encontra diferentes previsões em cada área do saber, o que aumenta a credibilidade do já anteriormente exposto. Caso se esteja pensando em conceituá-la a partir de locais relacionados com áreas da administração ou da economia, já referidos, ela pode ser conceituada pelo ideal de atingir o máximo de resultado com o mínimo de esforço pessoal e econômico possível ou fazer corretamente as suas atividades. Se estiver sendo analisado sob o aspecto esportivo, por exemplo, pode-se dizer que ser eficiente é jogar com arte ou técnica necessária, ou ainda pode ser visto como ideia de competência para a realização de determinado ato ou tarefa. A eficiência na Medicina está ligada ao melhor tratamento possível com os recursos que se dispõe. A eficiência na advocacia está vinculada a melhor defesa possível com o material que se dispõe. E poderíamos, com certa facilidade, aumentar a lista, não sendo esta a intenção nesse momento. 

Feitas essas considerações iniciais, se desejamos a eficiência para nós, de igual sorte torcemos para que tudo aquilo que nos circunde, que nos cerque, também seja dotado de eficiência. Note-se que é quase como uma circular virtuosa, pois, quando logramos ter eficiência e a recebemos em contrapartida dos outros, o sistema tende a funcionar melhor. 

Assim, de igual modo, desejamos que nossas instituições públicas sejam eficientes, o que ganha relevo com a leitura do artigo 37, caput, da Constituição da República Federativa do Brasil que elenca, entre os princípios que regem a administração pública, direta e indireta, o da eficiência, introduzido pela Emenda Constitucional n. 19 de 1998, ao lado de outros de tamanha envergadura como o da moralidade, da publicidade, da legalidade e da impessoalidade. 

Eis a redação completa do caput do artigo 37, CRFB: 

A administração pública direta e indireta de qualquer dos Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência […]. 

No plano infraconstitucional, além de encontrar a eficiência como um dos nortes do processo administrativo (Lei n. 9.784, de 29 de janeiro de 1999), no seu artigo 2º, também mais recentemente o legislador resolveu apostar em sua alocação como uma das normas fundamentais do novo processo civil brasileiro, com redação no artigo 8º que trata da aplicação do ordenamento jurídico pelo juiz, além, obviamente, de existir em outros marcos legais espalhados. 

Eis as respectivas redações: 

Art. 2o A Administração Pública obedecerá, dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade, proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica, interesse público e eficiência. 

Art. 8o Ao aplicar o ordenamento jurídico, o juiz atenderá aos fins sociais e às exigências do bem comum, resguardando e promovendo a dignidade da pessoa humana e observando a proporcionalidade, a razoabilidade, a legalidade, a publicidade e a eficiência. 

Aqui uma nota especial para a expressão normas fundamentais do processo civil que detém, inicialmente, locus específico no CPC/2015, na Parte Geral – Livro I – Título Único – Das Normas Fundamentais e da Aplicação das Normas Processuais – Capítulo I – Das Normas Fundamentais do Processo Civil - arts. 1 ao 12 -, mas que não se esgotam neles, sendo elas normas que auxiliam na compreensão, interpretação e aplicação do texto processual, estando a eficiência inserida neste seleto rol de vetores hermenêuticos da nova legislação. Apenas a título de resgate, nesse mesmo capítulo estão normas como boa-fé objetiva, cooperação processual, decisão justa, acesso ao Poder Judiciário e outros tantos que conformam um processo civil voltado à normatividade constitucional. 

Todos esses marcos legais, aliados aos escritos já produzidos, pelos casos já julgados e pelos exemplos que se possa retirar de atos ineficientes do Estado, como aquele ocorrido no início dos anos 1990, sobre o desenfreado gasto para reforma de um edifício que, ao final, restou sequer utilizado pela administração pública, demonstram que uma velha pergunta ainda necessita ser respondida: a quem serve uma administração pública ineficiente? A mim, escritor deste singelo texto, com certeza não serve. 

Talvez outro grande questionamento para aflorar algum debate sobre os três marcos legais apontados que contém a eficiência seria saber se ela vincula à atuação do Poder Judiciário, não havendo como negar que sendo ele um Poder, ligado à administração pública, está, assim como os Poderes Executivo e o Legislativo, imbuídos de serem órgãos dotados de eficiência, assim como seus agentes. Assim, a precisão de a previsão da eficiência ser uma diretriz à administração pública direta e indireta, albergando os poderes da União, Estados e Municípios, assim como o Distrito Federal, é cirúrgica, tal qual elencar o Poder Judiciário como um destes órgãos. 

Então, sendo o Poder Judiciário um órgão que deve ser dotado de eficiência, o processo, que é o instrumento colocado à disposição da sociedade, condição de cidadania, para a resolução de seus conflitos, também deve ser eficiente? A resposta parece ser positiva e explica-se, superficialmente, algumas poucas razões ligadas uma a cada marco legal citado, sendo elas: i) analisando o artigo 37, caput, CRFB, e afirmando que o Poder encarregado de prestar jurisdição deve ser eficiente, assim como seus agentes, sendo ambos eficientes, o serviço que prestarão também tenderá a ser, repercutindo no próprio processo; ii) analisando o artigo 2º da lei de processo administrativo federal, chega-se à conclusão de que o próprio processo tende a se amoldar ao direito reclamado, podendo a arquitetura processual ser moldada a dar maior eficiência ao trâmite do feito, sendo essa uma eficiência endoprocessual que pode ser aplicada aos demais ramos do direito processual; iii) por fim, analisando a eficiência do artigo 8º do CPC/2015, nota-se ser ela diferente de todas as demais, estando ela direcionada para a aplicação do ordenamento jurídico pelo juiz, sendo aqui ela uma metanorma/metacritério/postulado normativo de aplicação das demais normas existentes no ordenamento jurídico a que se está a aplicar. 

Sobre o artigo 8º, uma pesquisa rápida em alguns sites de Tribunais Estaduais, em especial o do Estado do Rio Grande do Sul, demonstrarão que já há alguns casos julgados interpretando a eficiência dessa forma. 

Para os eventuais críticos do texto que com certeza existirão, quer seja pelas redes sociais quer pelos grupões de aplicativos utilizados em telefones celulares, são apenas algumas pouquíssimas reflexões que são parte mínima de um todo que será oportunamente publicado, razão pela qual, perto de 2000 caracteres não respondem tudo, mas, pelo menos, dão as linhas gerais do que virá oportunamente, como críticas à própria eficiência quantitativa que parece ser a doença a ser combatida o mais rapidamente possível.

 

Fico à disposição para responder eventuais críticas, indicar bibliografia sobre o tema e aprender cada vez mais sobre o tema pelo e-mail: marco@jobimesalzano.com.br.

 

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Direito à Duração Razoável Do Processo, Responsabilidade Civil Do Estado em decorrência da intempestividade processual

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Imagem Ilustrativa do Post: Eficiência no Judiciário // Foto de: Fotografia cnj / Divulgação/TJCE // Sem alterações

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