Algumas das muitas mazelas do nosso sistema de justiça criminal

24/04/2018

Nesta oportunidade, apresento alguns textos que redigi com o propósito de denunciar, através de críticas construtivas, alguns grandes equívocos atuais que prosperam em nosso sistema de justiça criminal.

Acho que estes e outros defeitos decorrem principalmente da tentativa de trazer, para o nosso processo penal, uma indesejável e ampla discricionariedade, pela nefasta influência do sistema da “common law”, postergando-se o democrático princípio da legalidade, que sempre permeou o Direito Processual Penal pátrio.

Essa imprópria influência norte-americana incentiva os desagregadores ativismo e  voluntarismo judiciais. O autoritarismo se consagra com o conservador e cômodo “sistema de precedentes”, pois dá imenso poder aos tribunais superiores, que monopolizam a dicção do que é ou não o Direito.

Vamos aos textos tópicos:

1 - SURREAL. CHEGA A SER BIZARRO !!!

Resolução do CNMP. O Ministério Público passa a ser uma ameaça ao Estado de Direito.

A Resolução n.181/17 do Conselho Nacional do Ministério Público, que inconstitucionalmente legisla sobre Direito Processual Penal, disciplinando o chamado "Procedimento da Investigação Criminal", presidido por um membro do Ministério Público, ressalva que, nesta investigação, devem ser respeitados os Direito Fundamentais previstos na Constituição e podem ser aplicadas regras do Código de Processo Penal, NO QUE COUBER ... (e se não houvesse estas ressalvas ???)

Como o Ministério Público se mostra democrático (sic), permite aplicar, em sua resolução, as regras constitucionais e, quem sabe, algumas normas do Código de Processo Penal, desde que não contrariem a toda poderosa Resolução !!!

Temos agora um outro órgão legiferante, cujos membros não são eleitos pela população e cujas normas não são sequer submetidas ao veto do Presidente da República !!!

Nesta Resolução, é disciplinado o arquivamento da PIC, diversamente do que dispõe o Código de Processo Penal (sic) e se cria um acordo de não persecução penal, ao arrepio do princípio da legalidade ou obrigatoriedade da ação penal pública.

Pela insólita Resolução, o réu pode aceitar se submeter a "penas" restritivas de direito sem que haja condenação por decisão judicial, violando o fundante princípio do Estado de Direito de que "não pode haver sanção penal senão através do devido processo legal" (nulla poena sine judicio).

Vejam o que dispõe o art.21 da Resolução ora comentada. Ele faz "concessões" à nossa Constituição Federal e, nem tanto, em relação ao Código de Processo Penal. Como costuma dizer o Ministro Marco Aurélio do S.T.F.: "dias estranhos estes que estamos vivendo ...".

Art. 21. No procedimento investigatório criminal serão observados os direitos e as garantias individuais consagrados na Constituição da República Federativa do Brasil, bem como as prerrogativas funcionais do investigado, aplicando-se, no que couber, as normas do Código de Processo Penal e a legislação especial pertinente. (Redação dada pela Resolução n°
183, de 24 de janeiro de 2018)”

Isto é um verdadeiro absurdo !!! Total inconstitucionalidade formal e material.

2 - ESTOU CONVENCIDO DE QUE MUITAS DAS MAZELAS DO NOSSO SISTEMA DE JUSTIÇA ESTÃO LIGADAS À NEFASTA INFLUÊNCIA DO SISTEMA NORTE AMERICANO.

Esta influência se faz sentir no novo Código de Processo Civil, mormente com o chamado sistema de precedentes e a ampliação dos negócios jurídicos processuais, tudo de feição liberal.

Membros do Poder Judiciário, do Ministério Público e juristas liberais estão sempre visitando os Estados Unidos. Muitos deles estão ingenuamente seduzidos por tudo que vem daquela sociedade hipócrita, racista, individualista, preconceituosa e imperialista. Vejam: (apenas um, dos muitos exemplos !!!)

https://www.diariodocentrodomundo.com.br/…/moro-barroso-br…/

Também temos bastante influência norte americana em nosso Direito Processual Penal, como venho criticando há muito tempo (vide link abaixo), chegando ao ponto de termos o "combinado sobre o legislado", em detrimento das normas cogentes do processo penal, tudo isso através de uma equivocada aplicação dos acordos de cooperação premiada (delação premiada).

Não bastasse isso, a Resolução 181 do Conselho Nacional do Ministério Público (parcialmente alterada pela Resolução 183) tenta introduzir, em nosso sistema processual, um acordo através do qual o Ministério Público pode deixar de exercer a ação penal se o indiciado confessar o crime e desde logo se submeter à aplicação de pena (não privativa de liberdade). Vale dizer, pena sem condenação judicial. 

Teríamos agora "execução penal por título extrajudicial" !!!!

Aliás, é muito estranho que o CNMP possa legislar sobre Direito Processual Penal, derrogando regras do Código de Processo Penal, violando os princípio fundantes do nosso Estado de Direito, principalmente o: "nulla poena sine judicio".

Agora, alguns magistrados estão tentando trazer para o processo penal o sistema de precedentes do Código de Processo Civil, nada obstante ser de sabença comum que os valores que regem o processo penal são totalmente diversos. Isto se constata de alguns votos dos ministros do S.T.F.

Entretanto, o valor "justiça" chega mesmo a fragilizar, em favor do réu, a própria coisa julgada material. Todo o sistema do processo penal é irrigado pelo valor Justiça.

Não há precedente judicial que possa evitar a substancial realização da justiça no caso concreto. A liberdade de um inocente está acima de qualquer precedente judicial.

Aliás, se não dermos um paradeiro a esta "cultura de colonizado", vamos trocar os juízes por bons computadores. Talvez valha a pena ...

Como costuma dizer o ministro Marco Aurélio, dias estranhos estes que estamos vivendo ...

http://emporiododireito.com.br/leitura/a-influencia-norte-americana-nos-sistemas-processuais-penais-latinos-por-afranio-silva-jardim-1508758582

3 - NÃO PODE HAVER ESTADO DE DIREITO COM UM PODER JUDICIÁRIO QUE, DENTRE TANTOS ABSURDOS ATUAIS, SE PRESTA A ESTAS INSÓLITAS ARTIMANHAS: (H.C. do ex-presidente Lula)

1 - Um ministro do S.T.F. impede que o órgão colegiado competente julgue um determinado Habeas Corpus, por saber que ele decidirá contra a sua convicção, encaminhando o processo para o Tribunal Pleno, com o pretexto de que há uma tese jurídica controvertida.

Entretanto, ao dar o seu voto no Plenário, ele assevera que se trata de um caso concreto e que a tese jurídica já foi decidida pelo tribunal !!! E é acompanhado pelos votos de alguns outros ministros punitivistas.

2 - Uma ministra ressalva seu entendimento, mas vota pela manutenção de uma prisão que entende ser inconstitucional e ilegal (art.283 do Cod.Proc.Penal e art.105 da Lei de Execuções Penais).

3 - A presidenta do S.T.F. se nega a colocar em pauta para julgamento duas ações de constitucionalidade do art.283 do Cod.Proc.Penal, mantendo diversos presos, em todo o país, encarcerados, ao arrepio da Constituição Federal e do provável entendimento atual do S.T.F., bem como contrariando as regras do Código de Processo Penal acima citadas.

Tudo isso para que o ex-presidente Lula não fosse colocado em liberdade e para atender aos reclamos punitivistas da chamada "Lava Jato".

4- OBEDIÊNCIA AOS PRECEDENTES NO PROCESSO PENAL.

Recentemente, asseverou o ministro Luís Fux::

"Corte que não respeita seus precedentes perde legitimidade". (Conjur)

DIGO EU:

Ministro ou desembargador que não julga de acordo com o seu entendimento não é um legítimo magistrado !!!

Tudo isso decorre de dois motivos não declarados:

1) Estão seduzidos pelo sistema da "common law" (Direito Americano e Inglês). Aliás, estão sempre lá !!! (nem parece que aqui têm muitos processos esperando por suas decisões ...)

2) A obediência aos precedentes dá mais poder a quem os redige ... (sem falar na comodidade de copiar arestos anteriores, bajulando os seus relatores).

Aliás, como descendente de republicano radical, acho uma "bobagem" este negócio de chamar tribunal de "Corte" !!! 
Seus componentes seriam nobres ??? (poderes imperiais, eles pensam que têm...)

Desta forma, no futuro breve, não precisaremos mais de juízes. Bastará um bom computador ... (que a máquina não seja punitivista. Quem sabe a máquina seja mais humana ...).

5 COITADO DO NOSSO SUPREMO TRIBUNAL FEDERAL !!! TALVEZ NÃO SERIA MELHOR DIZER: COITADOS DOS NOSSOS PROFESSORES DE DIREITO PROCESSUAL ???

Recentemente, o S.T.F. começou o julgamento do pedido de Habeas Corpus, veiculado na ação de constitucional em que figura como autor o ex-ministro Antônio Palocci Filho.

Acolhendo a preliminar suscitada pelo ministro Edson Fachin, por 6 x 5, o Plenário decidiu não "conhecer" do Habeas Corpus (comentei esta decisão em mensagem anterior).

A minha primeira ressalva é decidir por não "conhecer" de uma ação. Esta expressão é própria de juízo negativo de admissibilidade dos recursos !!!

Alguém já viu algum juiz não conhecer de uma ação de despejo ??? 

Alguém já viu algum juiz não conhecer de uma ação penal condenatória, de iniciativa pública ou privada ???

Por outro lado, não é técnico extinguir um processo dizendo que a ação está "prejudicada". Esta forma de extinção do processo não é prevista no Cod.Proc.Penal e nem no Cod.Proc.Civil !!!

O pior veio depois: o ministro Fachin, que não "conheceu" do Habeas Corpus, de forma absolutamente inusitada, resolveu decidir o mérito do processo. Ou seja, não conheceu, mas conheceu ...

Pasmem !!! "De ofício", votou pela denegação do Habeas Corpus, dizendo que o excesso de prazo da prisão estaria justificado, etc. etc.

Como asseverou o ministro Marco Aurélio, já se decidiu que não cabia o Habeas Corpus proposto pelo preso, mas se decidiu soltá-lo por ato de ofício, vale dizer, por ato próprio do Tribunal.

Entretanto, ninguém viu até hoje, "DENEGAÇÃO DE HABEAS CORPUS DE OFÍCIO !!!!

Eu também nunca vi este absurdo lógico e jurídico e acho que não verei nunca mais ...

Acho que a sanha punitivista deste ministro está lhe fazendo mal e ele se encontra meio confuso ... Coitado do ministro ...

O julgamento será finalizado amanhã, pois alguns ministros sinalizaram que desejam conceder o Habeas Corpus "de ofício". Assim, a confusão lógica e jurídica não acabou !!!

Coitado de todos nós !!! Coitado do nosso sistema de justiça criminal !!!

6 - PODERES QUASE QUE IMPERIAIS SÃO RECONHECIDOS AOS MINISTROS DO S.T.F. NO JULGAMENTO DO H.C. DO EX-MINISTRO PALOCCI.

O Plenário perdeu toda a tarde de hoje para decidir que não cabia a ação de Habeas Corpus. Vale dizer, decidiu que não ia decidir. Entretanto, em seguida, irá decidir !!!

Todo o precioso tempo foi gasto no enfrentamento de apenas duas questões preliminares.

Nada obstante, o ministro Edson Fachin acabou enfrentando a questão de mérito (denegou o H.C.) e depois os ministros vão dizer se há ou não ilegalidade na prisão do Palocci. Matéria de mérito !!!

Conclusão: toda uma tarde foi perdida !!!

PIOR DE TUDO: por escassa maioria, o S.T.F. decidiu que o ministro relator de ação de Habeas Corpus, sem maiores fundamentações, pode encaminhar o julgamento para o Plenário do S.T.F., retirando a competência da Turma de Julgamento, para a qual o processo havia sido distribuído.

Assim, o relator pode fazer o que fez, estranhamente, o ministro Fachin. Verificando que o seu voto não ia ser acolhido pela sua 2a.Turma de Julgamento, remeteu o processo para o Plenário, violando o princípio constitucional do juiz natural !!!

Ademais, além de deslocar a competência da Turma, o relator fica torcendo para a presidenta Cármen Lúcia não pautar o processo para o julgamento do Plenário.  A Procuradora Geral da República diz que este é um poder "soberano" da Dra. Cármen Lúcia (sic).

O Supremo Tribunal Federal, fazendo analogia a uma de suas Súmulas, tem decidido não caber H.C. de ato dos ministros para exame do Plenário.

Assim, os ministros têm poderes quase que "imperiais". 

Está faltando mais senso democrático à maioria dos ministros, muitos dos quais estão demonstrando certa carência de maior conhecimento jurídico na área Penal e Processual Penal.

7 - PARA OS PUNITIVISTAS OU FASCISTAS DO PROCESSO PENAL

É absolutamente necessário respeitar as garantias constitucionais e legais na persecução penal.

Como eu já disse em outra oportunidade, todos ganham quando um culpado é absolvido em razão do respeito ao Estado de Direito. A sociedade ganha quando as "regras do jogo" são respeitadas.

Não é valioso punir a todo custo. Não é valioso punir a qualquer preço, mormente quando este "preço" é o nosso frágil Estado de Direito. 

Não é valioso desrespeitar direitos conquistados ao longo do penoso processo civilizatório, ainda que tenhamos de absolver alguns culpados.

Ao tratar da função do processo penal, em sala de aula, costumo dizer que o Estado Democrático de Direito sabe, de caso pensado, que vai assumir o risco concreto de absolver culpados, tendo em vista as garantias legais outorgadas aos acusados em geral.

Entretanto, sabe ele, outrossim, que não pode assumir igual risco de condenar inocentes. A persecução penal ao arrepio do sistema jurídico cria danosa insegurança para toda a sociedade.

Desta forma, vale a pena repetir: o Estado Democrático de Direito sai também vitorioso quando, para não desrespeitar a Constituição e o ordenamento jurídico, acaba por absolver um culpado.

Em outras palavras: todos saem ganhando quando se respeita o "devido processo legal", quando se respeitam os princípios do processo penal democrático. Todos ganham quando o Direito ganha da sanha punitivista.

O Direito não é um fim em si mesmo. Ele não deve ser invocado para infernizar a vida em sociedade. O Direito não deve ser usado para desgraçar a vida das pessoas e criar conflitos sociais. A humilhação dos investigados ou réus não está em conformidade com o Direito.

O Direito não se realiza quando sua aplicação visa satisfazer a sanha punitivista de uma mídia despreparada e ideologicamente parcial.

Ademais, o Direito não deve ser manobrado para exibição de poder pessoal ou satisfação de vaidades incontidas.

Talvez quem mande prender indiciados para forçar seus interrogatórios, quando eles têm direito ao silêncio, não saiba ou não concorde com o que se disse acima ... Lamentavelmente, neste equivocado sentido, recentemente decidiu o ministro Barroso do S.T.F., em relação aos "amigos do senhor Temer".

Finalmente, recomendo ouvir ou ler o épico voto do ministro Marco Aurélio, apresentado no dia 12  mês de abril, quando do julgamento do Habeas Corpus impetrado pelo ex-ministro Palocci. Um primor.

Digamos não ao obscurantismo. Digamos sim ao humanismo. Precisamos de um sistema de justiça mais generoso e mais humano. Precisamos de menos punitivismo, precisamos de menos hipocrisia e de menos cinismos.

 

Imagem Ilustrativa do Post: working // Foto de: David Goehring // Sem alterações

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