Algumas considerações sobre o Indulto

28/12/2017

Dentre as causas de extinção da punibilidade o indulto ao lado da anistia e da graça está previsto no Código Penal (art. 107, inc. II do CP). Apesar disso, várias são as diferenças existentes entre a anistia e o indulto.  Assim, enquanto a anistia extingue os efeitos penais da condenação, no indulto o juiz, com base no decreto presidencial, extingue a pena ou parte dela (indulto parcial). Diferentemente da anistia que é ato do Congresso Nacional (art. 48, VIII da CR), no Brasil a Constituição da República (CR) proclama que compete ao Presidente da República conceder indulto coletivo ou individual (graça) e comutar pena (art. 84, XII da CR). 

O instituto do indulto, além de não ser recente, também, não é uma exclusividade brasileira. No Brasil foi inicialmente previsto pela Constituição de 1824, art. 101, VIII.

O indulto pode extinguir a totalidade da pena ou apenas parte dela, neste último caso é chamado indulto parcial ou comutação. Contudo, comutação em sentido técnico-jurídico é a substituição de uma pena, por outra, mais leve. 

O Código do Império brasileiro já contemplava várias hipóteses de comutação, movidas pelo sentimento de benevolência. Assim às mulheres, não se aplicava a pena de galés (prevista no Código de 1830), mas sim a pena de prisão, considerada mais leve que a aquela, “em lugar e com serviço análogo ao seu sexo”. De igual modo, os menores de 21 anos e os maiores de 60 teriam a pena de galés substituída pela de prisão com trabalho.[1] 

Assim como no Brasil, nos Estados Unidos, Canadá e França, o indulto é um exercício do poder discricionário do soberano, no caso, o Presidente da República.[2]

Pelo fato de ser ato exclusivo e privativo da presidência da República (art. 84, XII da CR) alguns autores chegam a sustentar que o indulto é um instituto que guarda resquício absolutista. Neste particular valiosa e pertinente as criticas apresentadas por Leandro Gornicki Nunes[3], segundo o citado autor “a concessão de indulto (individual ou coletivo) pelo presidente da República não caracteriza um ato absolutista, muito menos uma violação da democracia (procedimental ou substancial)”. 

No processo democrático na elaboração do Decreto de Indulto não se pode olvidar do importante papel exercido pelo Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária (CNPCP) órgão encarregado de encaminhar ao Ministério da Justiça e a Casa Civil da Presidência da República a minuta do Decreto. 

 Conhecido desde a mais remota antiguidade, ao perdão constitucional sempre tocou o papel normativo de temperar a rigidez absoluta e mais enrijecida da ideia retributiva. Nas complexas sociedades modernas, que têm na prisão o tronco de seu sistema punitivo, o indulto tornou-se também um importante instrumento de política pública, seja como mecanismo de gerenciamento da superlotação carcerária, seja como fator de melhoria do próprio ambiente prisional, ao canalizar expectativas não atendidas pelo sistema judiciário dedicado à execução penal.[4]  

Para elaboração do Decreto de Indulto o Conselho Nacional de Política Criminal e Penitenciária deve levar em conta dados importante sobre a população prisional no Brasil. Dentre os diversos males da prisão, não se pode negar que a superpopulação carcerária é um dos que mais aflige. Desta superpopulação deriva uma série de violências cometidas contra os presos, ora por agentes, ora entre eles. A convivência forçada amplifica a mínima divergência existente entre os presos, levando muitas vezes a prática de homicídios e outras formas de violência. Não são raras as vezes que inimigos se encontram no mesmo pavilhão ou até na mesma cela causando inevitavelmente o conflito. 

A população prisional no Brasil cresceu 74% entre 2005 e 2012. Em 2005, o número de presos no país era 296.919, sete anos depois, passou para 515.482 presos. A população prisional masculina cresceu 70%, enquanto a feminina aumentou 146% no mesmo período. 

A população carcerária brasileira é formada em sua maioria por homens negros, com baixa escolaridade e por jovens. O estudo mostra que menores de 29 anos, embora representem 10% da população brasileira, são responsáveis por 55% da lotação dos presídios no País. Homens negros, por sua vez, têm o risco de 1,5 vezes maior de ser preso do que um homem branco.   Em 2012, por exemplo, para cada grupo de 100 mil habitantes brancos, havia 191 brancos encarcerados, enquanto para 100 mil habitantes negros, 292 negros encarcerados. 

A maior parte dessas prisões (70%) foi motivada por crimes patrimoniais ou envolvendo drogas, enquanto crimes contra a vida motivaram apenas 12 % das prisões. 

Hoje a população carcerária brasileira ultrapassa a cifra de 715.000 presos - é a terceira maior população carcerária do mundo. Uma proporção de 358 pessoas presas para cada 100 mil habitantes. 

Diante da perversidade do sistema prisional brasileiro é inegável aquele que cumpriu dez ou quinze anos de pena ininterruptamente em condições desumanas, indignas e violadoras dos direitos fundamentais já foi punido demasiadamente e, sendo assim, faz jus liberdade. 

O tempo de dez ou quinze anos em que o preso passa no cárcere em local insalubre e inóspito e em condições mortificantes e inumanas não corresponde e, portanto, não pode ser equiparado ao tempo de privação de liberdade em estabelecimento penal adequado, minimamente, as normas – nacionais e internacionais - de execução, do tratamento do preso e do respeito aos direitos fundamentais.

Certo é que até hoje não foi dado uma explicação racional a pena privativa de liberdade, se é que é possível dar esta explicação. Talvez, como bem disse Tobias Barreto[5], “quem procura o fundamento jurídico da pena deve também procurar, se é que já não encontrou, o fundamento jurídico da guerra”. As explicações oferecidas pelas teorias legitimadoras e justificacionistas da pena são insatisfatórias e insuficientes. Não é sem razão que a teoria agnóstica acaba rompendo com toda e qualquer finalidade que se pretenda atribuir à pena. Para a teoria agnóstica seria dispensável qualquer tentativa de justificar a pena, devendo a dogmática e a práxis judiciária buscarem alternativas, cuja finalidade seria a redução da violência do exercício do poder. 

Salo de Carvalho[6] assevera que no texto constitucional não há qualquer discurso legitimador da pena. Esclarece o autor que na Constituição da República existe uma política punitiva de redução de danos, posto que vários dispositivos constitucionais garantam à dignidade humana, respeito à integridade física e moral dos condenados penalmente. Deste modo é rechaçada a aplicação e execução de penas cruéis. 

Os males da prisão e suas contradições já foram proclamados em todo o mundo, como já foi por diversas vezes salientado, a prisão muda o delinquente para pior. Na prisão os homens e mulheres passam por um processo de prisionização, são despersonalizados e dessocializados.[7]

 Contudo, sustentou-se aqui, que o indulto total ou parcial, bem como a comutação da pena podem de algum modo minimizar ou reduzir os efeitos maléficos dos anos de encarceramento. Encarceramento, não é despiciendo repetir, dos mais vulneráveis, dos pobres, dos negros, dos favelados, etc. Posto que, conforme revelado pela criminologia crítica, o sistema penal e a justiça criminal funcionam seletivamente em relação àquelas pessoas. Os pobres, como já proclamou Fragoso[8], é que constituem a clientela do sistema penal e são por ele, virtualmente, oprimidos. Como se sabe, a pena privativa de liberdade constitui a “ultima ratio” e deveria ser reservada aos casos extremos onde não haja alternativa. Ainda, conforme Fragoso, “a incriminação só se legitima quando está em causa um bem ou um valor social importante. Não é mais possível admitir incriminações que resultam de certa concepção moral da vida, de validade duvidosa, sustentada pelos que têm o poder de fazer a lei”. 

Por tudo, entende-se que institutos como o indulto, a comutação de pena entre outros tem, ao menos, a capacidade de minimizar os males indescritíveis da prisão e dos seus efeitos. Entende-se, ainda, que as críticas dos punitivistas de plantão em relação ao atual decreto de indulto são próprias de quem ignora os princípios e garantias fundamentais e só enxerga com os olhos do verdugo. Os que se opõe ao indulto são, na verdade, inimigos do Estado democrático de direito que tem na dignidade da pessoa humana seu postulado. 

Por fim, a sociedade precisa entender de uma vez por todas que a criminalidade está umbilicalmente conectada a uma estrutura social injusta, desigual e desumana. Sendo que, conforme já salientava Hassemer, a melhor política criminal é a sua substituição pela política social.

 

[1]  CARVALHO FILHO, Aloysio. Comentário ao Código Penal, v. VI,  arts. 102 a 120. Rio de Janeiro: Forense, 1958.

[2] OLIVEIRA e SILVA, Thiago de.  Ensaio sobre o Indulto: Impacto das teorias das Representações Sociais e dos Sistemas (http://www.ibccrim.org.br/site/artigos/_imprime.php?jur_id=10526

[3] NUNES, Leandro Gornicki. Indulto é uma forma de corrigir erros históricos. (http://www.sedep.com.br/artigos/indulto-e-uma-forma-de-corrigir-erros-historicos/)

[4] Editorial do Boletim (nº 195 de fevereiro/2009) do Instituto Brasileiro de Ciências Criminais (IBCCRIM).

[5] BARRETO, Tobias. Estudos de filosofia. São Paulo: reedição da Editora Grijalbo, 1977.

[6] CARVALHO, Salo de. Antimanual de criminologia, 5ª ed., São Paulo: Saraiva,  2013.

[7] HULSMAN, Louk; CELIS, Jacqueline Bernat. Penas perdidas: o sistema penal em questão. Niterói: Luam, 1993.

[8] FRAGOSO, Heleno Claudio. Lições de direito penal: parte geral. rev. Fernando Fragoso. Rio de Janeiro: Forense, 1990.

 

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