Alê da Candelária

10/11/2015

Por Pedro Augusto Santos de Souza - 10/11/2015

Na véspera de completar 15 anos do sequestro do Ônibus 174, o Arquivo N exibiu uma reportagem a fim de relembrar aquele fatídico dia 12 de junho do novo século, ocasião em que o mundo (re)conheceu Sandro Barbosa do Nascimento, o Alê da Candelária.

A primeira morte de Sandro ocorreu ao sobreviver à chacina da candelária, em 23 de julho de 1993. Nesse ponto, explico o antagonismo. A candelária era uma fortaleza onde os menores das propaladas “classes perigosas” encontravam abrigo. Um abrigo que, segundo muitos, manchava a imagem do RJ - cartão postal - com um reduto de solertes menores abandonados à sorte e ao instinto de sobrevivência, tal como uma clareira urbanizada e sem urbanidade. Outros morreram. E para seu infortúnio, Sandro não. Continuou um morto-vivo a vagar pelas ruas cariocas sem a candelária como um local para onde voltar.

Em 12 de junho de 2000, Sandro morreu novamente. E diferente de João de Santo Cristo, não foi para o inferno pela segunda vez, já que padecia ao inferno terreno desde o seu nascimento infelizmente com vida, para os algozes da “justiça”, da meritocracia e da falácia do mundo justo.

Uma série de erros crassos do incipiente batalhão do bope (ainda não submetido ao galardão pós-tropa de elite) levou o ansioso soldado Marcelo a atirar em Sandro ou em sua refém, Geisa. Sandro atirou em Geisa. Sandro foi asfixiado dentro do navio negreiro, digo, camburão. Quem matou quem? Quais os vilões? Possíveis respostas a tais indagações não têm o fito de justificar o(s) crime(s), mas explica-lo(s). Aliás, valendo-me de uma passagem de Luiz Eduardo Soares (JUSTIÇA: Pensando Alto sobre Violência, Crime e Castigo, p. 17): Uma história muda de sentido, dependendo do ponto a partir do qual se comece a contá-la.

E nesse particular, o filme 174 – Última Parada (2008, Bruno Barreto), diferente dos “romances” Cidade de Deus e Cidade dos Homens (2002 e 2007), trouxe à tela um ponto de vista diferente dos outros filmes, cujos personagens são moradores de favela (Buscapé, Acerola e Laranjinha) que se encontram em situações engraçadas e divertidas. Aliás, este articulista endossa a pergunta levantada pelo crítico literário João Cezar de Castro Rocha no programa Jogo de Ideias (2007): E se o filme Cidade de Deus fosse narrado pelo festivo traficante Zé Pequeno?

Seguindo, a última morte de Sandro ocorreu no Tribunal do Júri, quando a ele foram submetidos os soldados que escoltavam Sandro dentro do navio negreiro, para cumprir um “formalismo” chamado julgamento por seus pares. Os mesmos pares que se excitam quando o bom bandido foi morto pelo bom policial e se enfurecem quando a frase é invertida pelos jornais.

O magrelo Sandro representou tanto perigo aos soldados do bope, que foram necessários três para que o segurassem dentro do camburão. Realmente ninguém respirou. Ademais, os ditos pares do conselho de sentença, entorpecidos por algo lisérgico, talvez, ou para mostrar aos tiras que eles também cumprem seu papel (uma espécie de ‘tamo junto’), absolveram os acusados diante da alegação de que Sandro, durante o trajeto até à delegacia, morreu de algo inexplicável, mas que não asfixiado pelos policiais. Termino aqui e deixo uma pergunta: Quem matou Sandro? Você tem 03 chances.


Notas e Referências:

SOARES, Luiz Eduardo Soares. JUSTIÇA: Pensando alto sobre violência, crime e castigo – Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 2011.


Pedro Augusto .

Pedro Augusto Santos de Souza é Advogado criminalista.

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Imagem Ilustrativa do Post: Jungl // Foto de: Toni Barros // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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