AINDA SOBRE O EFEITO SUBSTITUTIVO DO RECURSO: RESPOSTA A VINÍCIUS SILVA LEMOS – 1ª. PARTE    

07/07/2020

Já tive a oportunidade de publicar nesta coluna um breve texto em que demonstro a impossibilidade analítica de se falar em efeito substitutivo quando o recurso é fundado em error in procedendo[1].

A justificação para tanto é simples: não pode haver substituição pelo fato de que o fundamento do recurso é diverso daquilo que está estabelecido na decisão recorrida. Não provido o recurso, declarar-se-á que a decisão recorrida não padece de nenhum vício. Não são homogêneas as declarações das respectivas decisões, logo falta a própria condição de possibilidade da substituição. Por consequência natural, ambas das decisões – a recorrida e a do recurso – tenderão a formar coisa julgada[2].

Embora a pouca repercussão gerada pelo texto, hei de destacar a análise que dele foi feita pelo professor Vinícius Silva Lemos, na nova edição de seu já consagrado Recursos e Processos nos Tribunais. Segundo o autor, mesmo não havendo a dita homogeneidade, há de se falar em substituição no sentido de reforçar o reconhecimento da validade da decisão recorrida. Em suas palavras: “apesar de ter razão sobre a diferença dos objetos entendo que há substituição no sentido de reforço de que a decisão anterior é válida em seu conteúdo, com a manutenção de sua validade”[3].

Não posso deixar de registrar minha inteira satisfação ao ver que um autor já consagrado como Vinícius ter se dado ao trabalho de analisar meu singelo (e informal) texto. Sua ponderação à ideia por mim defendida, todavia, é equivocada.

Explico.

Afora os outros de menor importância[4] , o equívoco é manifesto porque não há falar de reforço no reconhecimento do estado de validade da decisão recorrida. Ora, de reforço só poderia falar se, e somente se, antes da decisão recursal houvesse alguma declaração de que a decisão recorrida é válida. Por definição, reforço é um tipo de acréscimo a algo, o que supõe a existência deste último. Reforço algum é criativo; tão-somente melhora o objeto reforçado. Aristotelicamente, o reforço refere-se à qualidade, não à substância.

Nesse sentido, a decisão recorrida não pode, lógica e cronologicamente, ser tida como o ato atestador de sua própria validade. Isso somente é possível por algo que à decisão seja posterior, posto que possa sê-lo no mesmo ato, considerado como um composto: e. g., condena-se o réu a pagar e, ato contínuo, declara-se válida a condenação. Não obstante faltaria à tal consecução o título legitimador desse reconhecimento de validade do ato: não é o ato decisional o meio próprio para a declaração de sua própria validade. Observe-se que não se trata de um problema de autoridade decisória em si, pois esse reconhecimento é próprio dos embargos de declaração, direcionados, como se sabe, ao prolator da decisão embargada; o óbice a tanto refere-se à forma substancial do ato decisório: o reconhecimento em análise simplesmente é incompatível com ela[5].   

O que Vinícius talvez tenha querido falar é que a decisão é ato reconhecedor da validade do processo ou, mais especificamente, dos atos que a antecedem. Embora o acerto da ideia[6], esse reconhecimento, além de – pelas razões acima – não abarcar a própria decisão, refere-se, em termos recursais, à alegação de error in iudicando: declarou-se válido (o processo) aquilo que, em verdade, não o é. Logo, de todo impertinente ao problema por mim apresentado.

Em suma, caso improvido recurso fundado em erro deste último tipo, haverá, tal como expresso no meu texto, declaração de validade da decisão recorrida, mas isso simplesmente por ela ser referente ao próprio objeto recursal. Nesta hipótese, o que rigorosamente se dá é o fato de a ação recursal (como, de resto, qualquer ação processualizada) ser dúplice por contraditoriedade, de modo que sua improcedência implica naturalmente a ocorrência de declaração oposta à postulada.  

No próximo texto desta série, tratarei da relação dos embargos de declaração com o problema aqui enfrentado.   

 

Notas e Referências

[1] Nesse sentido, ver GOUVEIA FILHO, Roberto P. Campos.https://emporiododireito.com.br/leitura/da-impossibilidade-analitica-do-efeito-substitutivo-em-recurso-fundado-em-error-in-procedendo-um-caso-de-duplo-transito-em-julgado?fbclid=IwAR1C01hp8LSKY0LjVcnIVwC7lyQaXRKs9SToKgHWcPa0ozaKdMMzwZjPJ08

[2] Obviamente, provido o recurso, a decisão recorrida será invalidada, o que, por si só, impede falar em substituição, coisa aliás reconhecidíssima pela doutrina especializada, vide o chamado efeito rescindente (rectius: invalidante) aludido por José Carlos Barbosa Moreira.  

[3] LEMOS, Vinícius Silva. Recursos e Processos nos Tribunais. 4. ed. Salvador: JusPODIVM, 2020, p. 209, nota 42.

[4] De menor importância porque mais afeitos a erronias formais-textuais. São eles: i) o de ser “a decisão válida em seu conteúdo” e (ii) o de que “sua validade seria manutenível pelo não provimento do recurso. No primeiro caso, válido não é o conteúdo da decisão, mas sim a forma dela em si, o que, juridicamente, é o ato decisório; no segundo, não se trata de manter ou não a validade, até porque não se torna inválido aquilo que é válido, mas sim de desfazer o ato decisório em virtude de seu estado de invalidade.    

[5] Em termos estritamente jurídico-positivos, essa incompatibilidade refere-se ao fato de que, se se permitisse, no mesmo composto decisional, decidir algo e, logo em seguida, declarar a validade do ato de decidir, estar-se-ia a violar o princípio do contraditório, especificamente no que tange ao direito de falar sobre aquilo que pode vir a ser decidido, direito este correspondente ao, já notório, dever de consulta (art. 9º., caput, CPC). Pode-se concluir, assim, que esse tipo de proceder no decidir – ao menos no ordenamento jurídico brasileiro – não é possível na forma substancial das decisões.

[6] Desde que se ressalve que, para alguns desses atos no mínimo, tal reconhecimento já possa, por força do disposto no art. 357, I, CPC, estar estabilizado.

 

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