Por Bernardo Gomes Barbosa Nogueira – 22/04/2016
À minha mãe, Eni Júlia Barbosa Nogueira, que sempre soube, “somos tão jovens”
Penso que nunca demorei tanto para escrever um texto. Pode ser estranho falar isso no primeiro parágrafo com um verbo no passado, mas o filme “Somos tão jovens”, de Antônio Carlos da Fontoura, que nos dá uma mirada acerca da vida de Renato Russo, requer de minhas retinas, não fatigadas, uma demora maior.
Renato Russo constitui aquilo que de mais real a arte pode nos transmitir. Se há que se dizer de arte mais ou menos real. No entanto, o que importa, para além do mito em que se transformou o vocalista da maior banda de rock do Brasil, sua poesia superou o punk que explodia em Brasília, passou pelo regime de repressão que o país vivia, e, subitamente, como são os cometas e os versos, rasgou de rimas existenciais, políticas e românticas o céu de nossa burocrata capital.
É um texto difícil pra ser escrito sem me envolver nele com um certo sentimento de amor e saudade. O filme nos transporta para um tempo mágico construído por Renato Russo. Tempo que agora chamamos sua vida. De um jovem acabrunhado e com problemas de saúde, Renato Russo fez com que seu sonho virasse poesia nacional, fez com que sua poesia virasse trilha musical pra protestos e declarações, devaneios e reconhecimento da finitude e da tragédia que é o existir humano.
Renato Russo, ao mesmo tempo em que fez do movimento punk, o início de sua trajetória musical, fundando o “Aborto Elétrico”, pôs fim ao movimento revolucionário musical e inseriu um novo modus de perceber a existência, de fazer protesto e de colorir a vida. Seus conflitos homossexuais aparecem no filme a evidenciar uma ruptura com um modelo machista de sociedade que imperava até então. Suas canções deixaram os dois ou três acordes do punk tocados em ritmo frenético, e se mantiveram “simples” musicalmente, mas à medida que o punk deixava de ter morada no imaginário de Renato Russo, a poesia e o sentimento tornavam seus versos cada vez mais próximos das pessoas. A realidade da poesia, da vida e dos conflitos do cantor, tomava lugar em suas composições, e assim, como um lobo solitário, que uiva pelas estepes vazias, Renato Russo entoava em Brasília um novo canto, que jamais seria esquecido.
Passaram por ele, desde amigos que explodiram em sucesso junto da Legião Urbana, como Dado Villa Lobos e Marcelo Bonfá, até um secto de jovens descontentes com um status quo que reduzia o horizonte de sua rebeldia interior. No entanto, e agora rumo ao que pretendia com esse texto sobre o filme, gostaria de falar sobre sonho e poesia, ou poesia e sonho.
Uma frase recorrente de Renato Russo era a de que consistia em um sonho a ideia da banda, assim como os milhares de jovens que sentem isso aquando do alvorecer dos hormônios. Contudo, por mais que o “Aborto Elétrico” fosse uma “pancada” rock, e por mais que Renato Russo houvesse aparecido para a música travestido de cantor e baixista dessa banda, “todos passarão, eu passarinho.”
Parafraseando o poeta Mário Quintana, gostaria de homenagear o Renato Russo, que fez de seu sonho, poesia. E fez de sua poesia um sonho. Um sonho comunitário que nos tomou e ensinou a viver de um jeito menos careta, menos covarde, menos preconceituoso, menos cinza, menos infantil e mais apaixonado: pela vida, pelos amigos que são canção, pelas flores, pelos outonos, pela luta que não cessa, e, sobretudo, pelo amor, pois, “é só o amor que conhece o que é verdade”.
“Somos tão jovens”, simboliza ao mesmo tempo a revolta e a pureza da vida. Renato Russo se inscreve assim na história, no intervalo entre a lua e o sol, entre a revolta e a candidez, entre o arroubo e a languidez, entre o bem e o mal, entre “meninos e meninas”, pois, a arte é assim, sem face, sem ponteiros e sem dados a lhe constituir. Sabemos apenas que depois de Renato, há um tempo, o tempo da Legião Urbana, o tempo que não temos mais, um tempo que passou e todo o tempo do mundo.
. Bernardo Gomes Barbosa Nogueira é Doutorando em Teoria do Direito pela Pontifícia Universidade Católica de Minas Gerais; Mestre em Direito pela Faculdade de Direito da Universidade de Coimbra. Especialização em Filosofia pela Universidade Federal de Ouro Preto. Professor da Escola de Direito do Centro Universitário Newton Paiva. .
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