Por Saíle Bárbara Barreto – 07/05/2016
Dia desses mandei um texto para o Empório com 13 dicas para quem passa na prova da OAB. A intenção era só dar um “toque” para esse pessoal mais jovem, que ingressa na profissão cheio de gás, às vezes um pouco iludido. Já passei por isso. Sei bem como é.
Repercutiu bastante, teve gente que gostou, gente que não gostou e eu recebi um montão de e-mails e mensagens ‘inbox’ no Facebook, o que me deixou muito contente. Obrigada!
Bom, entre os comentários, li um que chamou minha atenção. Era de um guri bem novinho, estudante de Direito. Ele escreveu o seguinte: “você não vai ficar rica porque é otária!”
Achei muito curioso o comentário, e até um pouco agressivo (o que ganham com isso mesmo?) Bom, o importante é que acabei lembrando de um episódio que me aconteceu logo no primeiro ano de formada e conclui: é verdade! O guri está certo! Sou bem otária mesmo! E vou explicar.
Logo depois de passar na OAB. Foi de primeira, com nota 8,5 na prova prática (otários sempre são c.d.f., viu?) me chamaram para trabalhar como associada em um escritório grande. Lá eu fazia de tudo um pouco (inclusive café). E como sempre fui bem disposta, ainda atuava como defensora dativa para pegar mais prática.
Nessa condição, claro que defendi alguns presidiários e um deles deu meu cartão para outro (e este outro me escreveu uma carta!)
Na tal carta, o sujeito pediu para eu ir até o presídio (com urgência) conversar sobre o caso dele. Ele disse que queria me contratar para defesa, porque tinha patrimônio e como arcar com os honorários. Maravilha, eu pensei!
Pois bem, fui até o Presídio Masculino de Florianópolis conhecê-lo. Aliás, é um ambiente pavoroso e que tem um cheiro tão ruim, que nunca senti em lugar nenhum. Dá tanto medo entrar lá, que chego a pensar que o inferno não pode ser tão ruim. Nem o diabo criaria algo assim horrível para as almas perdidas...
Voltando ao caso, o cara estava cumprindo pena por tráfico de drogas, um carregamento que ele trouxe em um avião pequeno. A pena era alta. Ele me contou que dois grandes criminalistas tinham sido advogados dele “a senhora pode ir ao Fórum e confirmar toda história.”
Fui. Era tudo verdade, ‘tintim por tintim’. Inclusive, já dava de pedir progressão do regime e eu voltei ao presídio para pegar os dados dele e preparar a procuração. Tinha decidido aceitar a oferta e estava bem empolgada! Seria meu primeiro grande caso! Na primeira consulta, ele tinha me oferecido um imóvel como pagamento. Que maravilha! Uma casa de alvenaria em um bairro muito bom de Floripa! Ele passaria a tal casa para o meu nome assim que eu protocolasse a peça. E o pedido seria deferido. Pela lei, ele já tinha cumprido tempo suficiente para ser posto em liberdade. Era certo, era fácil, bastava ele assinar a procuração e a casa seria minha!
Só que na segunda consulta, a conversa tomou um rumo que eu não gostei. Ele disse que “iria retomar os negócios” (voltar a traficar) e que para ganhar a tal casa como pagamento eu teria que ajudar: “tu é’ mulher e novinha, vai ter facilidade para entrar nos presídios e conversar com meus ‘contatos’. Ele ofereceu R$ 5.000,00 por semana para eu ser “parceira” dele.
É ruim, hein! Não voltei mais lá! Ele mandou uma carta depois, mas não respondi. Perdi o imóvel que ele me ofereceu e a ‘oportunidade’ de ganhar R$ 20.000,00 por mês (o que na época, era 10 vezes mais do que meu rendimento mensal no escritório que eu trabalhava como associada). Não peguei o caso e não me arrependo nem um pouco.
Depois dessa, tive mais umas “ofertas” semelhantes de outros clientes. Recusei todas e parei de atuar na área criminal faz quase 10 anos. Raramente faço alguma coisa no JECrim ou na Vara de Violência Doméstica, mas percebi que o Direito Penal não é tão encantador na prática, quanto era na Universidade. Pelo menos não para mim. Sou muito mais feliz no cível. Há anos não atuo como defensora dativa. Meus clientes são todos de classe média, pagam o preço que a tabela da OAB determina e o que ganho é suficiente para ter uma vida bem confortável, com tudo que preciso.
Não, eu não fiquei rica e não vou ficar. Os “”espertos” que façam fortuna. Eu sou otária mesmo...
. . Saíle Bárbara Barreto é advogada em Florianópolis. Email: sailebarreto@hotmail.com . .
Imagem Ilustrativa do Post: pocket out // Foto de: Bradley Gordon // Sem alterações
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