Advocacia Pública e dúplice capacidade Processual

30/01/2016

Por Maurilio Casas Maia - 30/01/2016

Ninguém pode ser privado de seus bens e direitos sem o devido processo legal (Constituição, art. 5º, LIV). Nessa senda, os advogados públicos representam uma parte inarredável desse direito fundamental em relação à Fazenda Pública. Eis então a essencialidade da Advocacia Pública ao Sistema Jurisdicional, devidamente reconhecida pelo texto constitucional (art. 131 ao art. 132[1]).

Não obstante o Novo Código de Processo Civil (NCPC) tenha reservado especial título sobre a Advocacia Pública (art. 182 ao art. 184[2]), ainda é necessário convir que o cenário acadêmico precisa volver seus olhos para tal importante carreira constitucional e, desse modo, esclarecer suas especificidades. No referido ponto, quer-se tratar brevemente da dúplice capacidade dos advogados públicos.

Em um primeiro plano, convém esclarecer o que seria “tríplice capacidade”. No processo civil, falar-se em tríplice capacidade é tratar de pressupostos do processo em três esferas: (a) capacidade de ser parte; (b) capacidade processual (capacidade de “estar em juízo”); (c) capacidade postulatória. Sendo incorrigível a lição de Fábio Victor Monnerat: “a regularidade da tríplice capacidade das partes é imprescindível para fins de desenvolvimento válido e regular do processo”.

Para que fique clara a distinção entre cada um dos pressupostos, cita-se o caso de ação de alimentos em favor de criança. A criança, por certo, tem capacidade de ser parte, porquanto possua também capacidade de (gozo de) direitos no plano civil-material. Porém, a criança não possui capacidade de exercício (no plano civil-material), necessitando de um representante a fim de integrar sua ausência de capacidade para “estar em juízo” – situação na qual surge a figura do(a) genitor(a) a fim de lhe representar em juízo (o representante). Por fim, é preciso ressaltar que a ausência de capacidade para praticar atos técnicos deve ser resolvida com a presença de agente com capacidade postulatória, ocasião na qual surge o advogado devidamente inscrito na Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) com o seu ius postulandi[3].

Eis que a tríplice capacidade restará bem delimitada em três sujeitos: (1) capacidade de ser parte: a criança alimentanda; (2) capacidade para estar em juízo: não possuindo por si a criança, por ser incapaz, deverá ser integrada por seu representante, figurando o(a) genitor(a)  enquanto “representante processual”; (3) capacidade postulatória: encerrada, em regra, na pessoa do advogado, cuja capacidade técnica o habilita para praticar atos técnicos no processo – trata-se do representante postulatório ou técnico-processual.

Óbvio que nem sempre a tríplice capacidade estará dividida entre sujeitos diferentes. Por exemplo: um advogado – maior, capaz e atuando em causa própria –, acumulará em sua pessoa a tríplice capacidade: terá capacidade de ser parte, capacidade para estar em juízo e ainda a capacidade postulatória.

Esclarecidos tais pontos, questiona-se: como a tríplice capacidade se apresenta nas lides envolvendo o poder público e seu respectivo advogado?

Certamente, o Poder Público – seja a Administração direta ou indireta –, terá a capacidade de ser parte. Todavia, o administrador público, em si, não encerra a capacidade técnico-processual. E desse modo, surge o advogado público com sua capacidade postulatória. Mas não para por aí...

Por mandamento constitucional e legal[4], o advogado público cumula – para além da capacidade postulatória –, o múnus de ser o representante processual da Fazenda Pública em juízo. Ou seja, o advogado público além da capacidade postulatória, possui a capacidade de representação para fins de integração da capacidade de estar em juízo do ente público.

Assim, pode-se afirmar que o Poder Público tem suprida sua capacidade para estar em juízo por via do advogado público. Eis aí a “dúplice capacidade” do advogado público que é represente técnico-processual (ius postulandi) e judicial da Fazenda Pública em juízo.

Um último esclarecimento: Na Constituição, não foi imposta a criação da carreira da Advocacia Pública de caráter municipal. Há razão prática e política forte nisso: a heterogeneidade dos municípios brasileiros. Reconhecendo tal peculiaridade, o NCPC/2015 (art. 75, III) – da mesma forma que o CPC/1973 (art. 12, II) –, apresentou como representante processual dos Municípios ou o prefeito ou seu procurador. A escolha foi sábia, mas não deve ser vista como óbice à organização dos Procuradores Municipais em carreira devidamente constituída.

Em síntese, a Advocacia Pública – função essencial à Justiça –, cumula em seus membros a capacidade postulatória e o poder de integração da capacidade para estar em juízo da Fazenda Pública, na função de seu representante judicial. Portanto, o advogado público será detentor da dúplice capacidade: será concomitantemente representante processual e representante postulatório da Fazenda Pública em juízo.


Notas e Referências:

[1] CRFB/88, DA ADVOCACIA PÚBLICA – (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) –Art. 131. A Advocacia-Geral da União é a instituição que, diretamente ou através de órgão vinculado, representa a União, judicial e extrajudicialmente, cabendo-lhe, nos termos da lei complementar que dispuser sobre sua organização e funcionamento, as atividades de consultoria e assessoramento jurídico do Poder Executivo. § 1º - A Advocacia-Geral da União tem por chefe o Advogado-Geral da União, de livre nomeação pelo Presidente da República dentre cidadãos maiores de trinta e cinco anos, de notável saber jurídico e reputação ilibada. § 2º - O ingresso nas classes iniciais das carreiras da instituição de que trata este artigo far-se-á mediante concurso público de provas e títulos. § 3º - Na execução da dívida ativa de natureza tributária, a representação da União cabe à Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional, observado o disposto em lei. Art. 132. Os Procuradores dos Estados e do Distrito Federal, organizados em carreira, na qual o ingresso dependerá de concurso público de provas e títulos, com a participação da Ordem dos Advogados do Brasil em todas as suas fases, exercerão a representação judicial e a consultoria jurídica das respectivas unidades federadas. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998) Parágrafo único. Aos procuradores referidos neste artigo é assegurada estabilidade após três anos de efetivo exercício, mediante avaliação de desempenho perante os órgãos próprios, após relatório circunstanciado das corregedorias. (Redação dada pela Emenda Constitucional nº 19, de 1998).

[2] NCPC/2015, TÍTULO VI – DA ADVOCACIA PÚBLICA Art. 182. Incumbe à Advocacia Pública, na forma da lei, defender e promover os interesses públicos da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios, por meio da representação judicial, em todos os âmbitos federativos, das pessoas jurídicas de direito público que integram a administração direta e indireta. Art. 183. A União, os Estados, o Distrito Federal, os Municípios e suas respectivas autarquias e fundações de direito público gozarão de prazo em dobro para todas as suas manifestações processuais, cuja contagem terá início a partir da intimação pessoal. § 1o A intimação pessoal far-se-á por carga, remessa ou meio eletrônico. § 2o Não se aplica o benefício da contagem em dobro quando a lei estabelecer, de forma expressa, prazo próprio para o ente público. Art. 184.  O membro da Advocacia Pública será civil e regressivamente responsável quando agir com dolo ou fraude no exercício de suas funções.

[3]  “Quem possui também capacidade postulatória são os Promotores do Ministério Público em qualquer esfera, os Defensores Públicos do Estado ou da União de acordo com os artigos 127e 134 da Constituição”. (MACEDO, Bruno Regis Bandeira Ferreira. As mudanças do NCPC no papel da Fazenda Pública: considerações sobre a capacidade postulatória, prazo processual e o reexame necessário. In: ARAÚJO, José Henrique Mouta Araújo. CUNHA, Leonardo Carneiro da. (Coord.). Advocacia Pública. Salvador: Jus Podivm, 2015, [DIDIER JR., Fredie. (Coord. Geral). Coleção repercussões do Novo CPC. V. 3], p. 42).

[4] NCPC/2015, Art. 75. Serão representados em juízo, ativa e passivamente: I - a União, pela Advocacia-Geral da União, diretamente ou mediante órgão vinculado; II - o Estado e o Distrito Federal, por seus procuradores; III - o Município, por seu prefeito ou procurador;”

MACEDO, Bruno Regis Bandeira Ferreira. As mudanças do NCPC no papel da Fazenda Pública: considerações sobre a capacidade postulatória, prazo processual e o reexame necessário. In: ARAÚJO, José Henrique Mouta Araújo. CUNHA, Leonardo Carneiro da. (Coord.). Advocacia Pública. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 39-55. [DIDIER JR., Fredie. (Coord. Geral). Coleção repercussões do Novo CPC. V. 3].

MONNERAT, Fábio Victor da Fonte. Introdução ao estudo do Direito Processual Civil. São Paulo: Saraiva, 2015.


. Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com / Facebook: aqui


 

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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