Advocacia e jurisdição robotizada - Por Weber Luiz de Oliveira

15/10/2017

A superpopulação, a hipercomplexidade da sociedade, a pluralização das relações (privadas e públicas, nacionais e internacionais), a velocidade dos acontecimentos, a exigência por respostas ainda mais velozes, a escassez de recursos, a ineficiência de serviços (privados e públicos), a ausência de soluções coerentes.

Essas são algumas matérias primas para a massificação das controvérsias.

“Para onde vai o mundo?”, já indagou Edgar Morin[1].

A transformação daqueles insumos em conflitos se direciona, notadamente, para a jurisdição, serviço público de natureza fundamental para um Estado Democrático de Direito.

Mas não apenas aí. Cediço que contemporaneamente existe o denominado sistema multiportas de resolução de conflitos. É dizer, além da abertura do Poder Judiciário, os conflitos podem bater à porta da arbitragem, da conciliação e mediação extrajudiciais, da negociação direta.

Nesse sentido, o Poder Judiciário há de ser um poder residual, abrindo suas portas somente quando as outras se fecharem. Assim parece querer ser com a obrigatoriedade da audiência de conciliação e mediação disposta no art. 334 do Código de Processo Civil. Todavia, já há judicialização da questão a ser mediada/conciliada. A porta já se abriu; os custos – financeiros e emocionais -, a ela inerentes já se deram, conquanto possam ser estancados.

A minimização dos custos, a aceleração dos julgamentos, a tentativa de eficientização da atividade jurisdicional, em tema de demandas de massa, são objetivados pelo legislador e operadores do direito.

Para tanto, procedimentos específicos são normatizados, como os relativos ao julgamento de casos repetitivos (Recursos Especial e Extraordinário Repetitivos e Incidente de Resolução de Demandas Repetitivas) e a vinculação dos julgadores em razão da adoção de um sistema de precedentes obrigatórios.

As causas repetitivas têm um núcleo comum que impõe, em respeito ao tratamento igual entre as pessoas em situações semelhantes, que sejam tratadas de um modo especial e, por isso, “o processo deve adequar-se às situações repetitivas”[2].

Em tal contexto atualmente se pensa, se projeta e se constroem sistemas informatizados que podem auxiliar na empreitada de dar vazão, em tempos diminutos, às demandas de massa.

Sistemas de informática já existem que utilizam inteligência artificial, fazendo leituras das intimações judiciais e preparando a peça processual pertinente para defesa.

Ora, se há imposição de decisão igualitária pela adoção de precedentes vinculantes, se há, por conseguinte, teses de aplicabilidade imposta, se já existem nos autos os fundamentos de direito repetitivos, os robôs que leem julgados, confeccionam a peça processual e até protocolam a petição já é uma realidade.

Isso é bom?!

Na atual quadra de (meu) desenvolvimento intelectual e tecnológico (ambos escassos), digo que não me parece algo que deve ser totalmente comemorado.

O direito é dialético; pressupõe a participação de pessoas no seu criar, no seu desenvolver, na sua conflitualidade e na sua solução. Não me parece que a inteligência artificial possa substituir a nossa inteligência emocional e coexistencial.

A participação do advogado, voz da parte e interlocutor com os demais sujeitos do processo, se mostra, portanto, imprescindível, no sentido mesmo de não poder ser descartada.

Nada obstante, igualmente é correto afirmar que naquelas demandas de massa a eficiência tecnológica pode auxiliar – veja-se, auxiliar -, na leitura e preenchimentos de campos em peças processuais, otimizando o tempo para o uso encefálico mais detido na tese central da atuação advocatícia. Esse um ponto positivo da robotização.

Pesquisas de pessoas e bens são também um resultado exitoso do desenvolvimento de novas tecnologias.

Note-se, como exemplo de um ponto negativo, que um procedimento que sua solução repercute em todo o direito nacional já é realizado de forma praticamente automática em plenário virtual, sem quase uma fundamentação colegiada exauriente, conforme estabelece o art. 93, IX, da Constituição Federal[3], que é a votação a respeito da admissão de um tema no Supremo Tribunal Federal como de repercussão geral.

Outro exemplo: a sistemática contida na Resolução n. 587/2016 do STF estabelece a possibilidade de julgamento de agravos internos e embargos de declaração em sessões virtuais. Autoriza-se ainda o que se pode denominar de voto fantasma, que é aquele em que se considera que um Ministro votou com o relator quando não se pronunciar no prazo de 7 (sete) dias corridos da disponibilização pelo relator da ementa, relatório e voto no sistema virtual.

Eis mais um efeito do silencio! Seria legítimo?

Outros procedimentos processuais são efetivados com o auxílio da ciência da computação, tais como penhora on line, citação e intimação eletrônicas, leilões eletrônicos, audiências em videoconferência, dentre outros.

Enfim, a atuação advocatícia e jurisdicional vivem momentos singulares e, cientes dos desafios atualmente existentes, cientes daquelas matérias primas inicialmente destacadas, projetam condutas para realizar com eficiência a prestação de seus serviços.

Não se pode, contudo, se descurar do que se pontuou, que o direito e a solução de problemas dele oriundos não pode prescindir do diálogo entre as pessoas, principalmente em momentos como o presente, em que se verifica que é justamente a ausência da conversação qualificada – entre pessoas e instituições - que traz a reboque a massa de processos.

Ou melhor, “o futuro nasce do presente. Isso significa dizer que a primeira dificuldade de pensar o futuro é a dificuldade de pensar o presente. A cegueira sobre o presente nos torna, ipso facto, cegos em relação ao futuro. [...] A perspectiva sobre o presente é, pois, imprescindível para qualquer prospectiva”[4].

Parece adequado concluir que a visão do presente tecnológico pode contribuir com o presente da vida em sociedade - em redes sociais plurais e hipercomplexas -, entretanto, igualmente é pertinente verificar o modo como tais presentes são gestados, com vistas a um futuro inexoravelmente muito mais tecnológico, mas também e principalmente, muito mais humano.



[1] MORIN, Edgar, Para onde vai o mundo?, tradução de Francisco Morás, Petrópolis: RJ, Editora Vozes, 2010.

[2] CUNHA, Leonardo Carneiro, O regime processual das causas repetitivas, Revista de Processo n. 179, 2010, p. 143.

[3]todos os julgamentos dos órgãos do Poder Judiciário serão públicos, e fundamentadas todas as decisões, sob pena de nulidade, podendo a lei limitar a presença, em determinados atos, às próprias partes e a seus advogados, ou somente a estes, em casos nos quais a preservação do direito à intimidade do interessado no sigilo não prejudique o interesse público à informação;”

[4] MORIN, Edgar, Op. Cit., p. 13.

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