Advocacia criminal – Afinal, onde estão as respostas?

03/05/2016

Por Alberto Sampaio Júnior – 03/05/2016

Terminada a audiência de instrução e julgamento, familiares do acusado me questionaram se haveria a possibilidade de condenação, uma vez que não havia qualquer prova contra o réu. Em síntese, a questão é: se não há provas contra ele [o acusado], podem condená-lo? O silêncio tomou conta do ambiente. Afinal, o que e como responder? Antes: por que tive dificuldade em respondê-los?

Aparentemente, a resposta é simples: sem provas, o réu não poderá ser condenado, e eu sabia disso. Aliás, qualquer indivíduo teria essa resposta na ponta da língua, uma vez que a hipotética condenação [sem provas] é algo intuitivo ao senso de injustiça. Sem muito esforço, poderíamos recorrer aos termos do art. 386 do Código Processo Penal:

“O juiz absolverá o réu, mencionando a causa na parte dispositiva, desde que reconheça: (...) V – não existir prova de ter o réu concorrido para a infração penal”.

Observe que a simples e linear leitura do “386-V” responde[ria] as angústias daquela família, ou seja, não existindo prova de ter o réu concorrido para a infração penal, o juiz absolverá o réu – a regra é clara, Arnaldo! Ufa! Perfeito: agora, sim, encontramos a resposta. Só que não. Na prática, as coisas não funcionam assim, infelizmente. Em tempo, advirto que não estou a denunciar o platônico dualismo entre teoria e prática, não.

Então, qual é o problema? Onde estão as respostas?

O nosso problema é paradigmático, adianto.

Em meio a um Judiciário predominantemente movido pela Ideologia da Defesa Social, as respostas, que deveriam ter como fonte primeira a Constituição, perdem espaço para a discricionariedade judicial, fomentando uma espécie de aleatoriedade jurídica, isto é, uma marcha processual onde tudo pode acontecer - é uma questão de sorte, diríamos. (alea jacta est).

O início da jogatina jurídica começa com a distribuição: se o acusado gozar da sorte, seu processo será distribuído a um juízo "garantista" (muitas aspas), o que potencializará as chances de respeito às “regras do jogo”, permitindo, portanto, por meio de um local comum (a lei), projetar um provável resultado do processo. Ao contrário, sendo o acusado um indivíduo azarado, o processo poderá cair nas mãos de um magistrado paranoico, a exemplo dos que acreditam que as togas estão a serviço da segurança pública – aí, caro amigo, são outros quinhentos. E é o segundo modelo de juiz que nos impossibilita responder determinadas perguntas.

A síntese do problema é que a lei deixou de ser fonte comum às respostas (decisões), servindo apenas como uma espécie de maquiagem ao decisionismo judicial nosso de cada dia. Sendo assim, a resposta aos familiares [condenação sem provas] dependerá do que o juiz “reconheça”, conforme determina o último vocábulo do caput do art. 386. Ademais, no vácuo entre o que a lei determina [absolvição] e o ato de reconhecer algo [ausência de provas], tudo por acontecer, e é nesse vácuo que as respostas somem. Nesse mesmo vácuo, aliás, surgem as súmulas, a exemplo da n.º 70, do TJRJ, que verbaliza: "O fato de restringir-se a prova oral a depoimentos de autoridades policiais e seus agentes não desautoriza a condenação." No “buraco” (jogo de cartas), essa súmula é o coringa.

Mas a tarefa do advogado não é também fazer com que o juiz “reconheça” a favor de seu cliente? Isso não faz parte do “jogo processual”? Sim. Não estou a desconsiderar as habilidades do advogado. Mas a atuação do “rábula” é casuística. Por vezes, quando estamos diante a um juiz que decide conforme sua consciência, sumariamente, antes mesmo da fase de produção de provas, a posição do advogado é de mera figuração. Uma vez decidido, o resto é apenas uma teatralização. Em termos mais claros: primeiro se decide, depois se busca fundamentos para o que foi decidido – respostas antes das perguntas. As respostas variam de acordo com a subjetividade de cada juiz. Não há respostas seguras. Falta integridade e coerência.

Ante ao solipsismo cartesiano, conhecer o juiz e suas particularidades, a exemplo do credo, orientação sexual, time de futebol, gosto musical, se foi vítima de violência etc., é mais importante do que conhecer o ordenamento jurídico em si. Uma vez ciente das particularidades desse modelo de juiz que basta em si mesmo, resta fazer uma espécie de operação de subsunção entre a representação linguística do acusado e os critérios que o julgador considera como certo ou errado, bom ou ruim, angelical ou demoníaco, digno ou indigno, entre outros. Havendo simbiose entre o mundo (que não é o processo) do juiz e a figura do acusado (lembre-se que imagem é texto), as chances de prever as respostas (decisão) são maiores. Aliás, esse modelo de juiz foi recentemente retratado pelo canal de comédia Porta dos Fundos, no YouTube, episódio “Pena”[1]. Cômico, se não fosse trágico.

Você até questionará se a indignação surge porque o posicionamento do Tribunal é contrário aos interesses do cliente. Não, caro leitor. Não é exatamente isso. Repito: não é uma questão casuística. O problema é paradigmático. O nosso paradigma é autoritário por excelência. Os Tribunais, em ‘defesa’ da sociedade, têm se mostrado contrários ao Estado Democrático de Direito, e aqui reside minhas inquietações e as respectivas falta de respostas. Ainda estamos a experimentar o ranço dos antigos regimes autoritários. Sendo assim, uma vez que a batalha contra a criminalidade se mostra legítima, as arbitrariedades passam quase que despercebidas, quando não aplaudidas de pé – vide Sérgio Moro.

Infelizmente, percebo que o discurso judicial (inautêntico) não é fruto de uma “falha de interpretação”, tampouco carência de base filosófica. Percebo que há uma intencional subversão das regras processuais – eles sabem o que fazem. Não à toa presenciamos autores que escrevem livros de uma determinada maneira e decidem de maneira completamente diferente.

Por trás de uma heroica e nobre postura de combate à criminalidade, aclamada pelos mais variados setores da sociedade, há sempre as melhores intenções – e quem nos defenderá da bondade dos bons, questionará Agostinho Ramalho. E entre as melhores intenções, há as mais variadas violações. E a quem recorrer? Aliás, não acredito na velha figura do juiz boca-da-lei. Mas também não podemos adotar o realismo jurídico. Precisamos de uma sofisticada teoria da decisão, urgente. E o paradigma autoritário? Respeitem a Constituição!

Por ora, muitas respostas, que deveriam ser constitucionalmente adequadas, ainda seguem acompanhadas de conjunções coordenativas adversativas, a exemplo da resposta que faltou no início do texto, qual seja: não, ninguém pode ser condenado sem provas, mas, porém, entretanto, todavia, contudo...

O acusado está preso preventivamente há quase dois anos. Ainda não foi julgado.

Segue a luta, mesmo sem respostas.


Notas e Referências:

[1] https://www.youtube.com/watch?v=NdIqyc-jSSs


Alberto Sampaio Júnior. . Alberto Sampaio Júnior é advogado. . . .


Imagem Ilustrativa do Post: Modulo8-Carlos+Samuel-3 // Foto de: Stéphane M. Grueso // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/stephanemgrueso/5482047390

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura