Por André Luis de Lima Maia - 10/04/2016
Homenagem ao Prof. Dr. José Sérgio da Silva Cristóvam[1], extensiva aos meus supervisores de trabalho, Aliny[2], Caio[3] e Felipe[4].
Trata-se de um singelo ensaio jurídico acerca do direito administrativo brasileiro e dos direitos fundamentais universais da pessoa humana, cujo objetivo funda-se na ínsita responsabilidade acadêmica de difundir teses avançadas à luz do Estado Democrático e Social de Direito.
As reflexões aqui propostas são de autoria de um jovem estagiário de direito administrativo, fruto dos estudos e questionamentos realizados diariamente ao staff do escritório jurídico Prof. Dr. José Sérgio da Silva Cistóvam!
Indubitavelmente são poucos os profissionais das ciências jurídicas que enfrentam com seriedade, as desafiadoras incógnitas do direito contemporâneo.
Hoje, mais do que nunca, deve-se uma especial atenção ao direito administrativo dos direitos humanos, onde, infelizmente, ainda se propaga aquelas visões conservadoras de outrora, ou seja, vivenciamos um direito administrativo retrógrado e autoritário.
As ciências jurídicas também são inter e transciplinares. O ordenamento constitucional se interpreta com harmonia, para que os princípios (leia-se mandamentos de otimização) alcancem seus fins com maior amplitude e precisão.
Há, em verdade, muita coisa a ser feita! Faço, contudo, uma ressalva voltada à Teoria das Fontes, importada e fomentada no Brasil pela vanguardista Claudia Lima Marques, Flavio Tartuce e outros.
O que venho observando e, registro aqui minha crítica, é a profunda falta da correta aplicação das Fontes do Direito pelos Operadores da Justiça, dado ao provincialismo enraizado no Brasil da aparência legal, quando insistem em dar mais valor à norma ordinária do que aos princípios, pois as leis e a Constituição possuem bases estruturantes na principiologia; leia-se, princípios de direitos humanos para um modelo de justiça social e democrática.
Atualmente, não mais se admite que juristas sejam desprovidos de certos tipos básicos de conhecimento, como p.ex., em matéria de direitos humanos, onde o Pretório Excelso já decidiu há bom tempo, quando houver um conflito na norma interna e um tratado deve prevalecer os princípios de direitos humanos, motivo pelo qual vivemos em um mundo globalizado, com significativos avanços tecnológicos no plano normativo concretizador. Assim, torna-se indispensável à difusão dos direitos humanos em todas as searas do ordenamento jurídico, seja no âmbito do direito público ou como do direito privado.
Não obstante, os direitos humanos se confunde com a história do direito administrativo, visto que as grandes declarações de direitos surgiram juntamente com as maiores descobertas científicas da humanidade, com a consequente e necessária evolução das técnicas de inovação e infraestrutura. (COMPARATO, 2015). Portanto, mostra-se inviável distinguir matérias que nasceram juntas e são onipresentes.
Neste diapasão, Norberto Bobbio, em sua famosa obra intitulada A Era dos Direitos conceituou os direitos humanos como “[...] aqueles cujo reconhecimento é condição necessária para o aperfeiçoamento da pessoa humana, ou para o desenvolvimento da civilização, etc.”. Destarte, nota-se que os direitos humanos são intrínsecos ao Estado de Direito, e constituem mutua relação de respeito entre governo e cidadão, ou seja, entre interesse público e interesse privado, sem precisar distingui-los.
Por sua vez, o direito administrativo, conforme ensina Marçal Justen Filho (2006, p.1), “[...] é o conjunto das normas jurídicas de direito público que disciplinam as atividades administrativas necessárias à realização dos direitos fundamentais e a organização e o funcionamento das estruturas estatais e não estatais encarregadas de seu desempenho”.
Outrossim, verifica-se que o ramo do direito público encontra-se diretamente conectado com os dispositivos elencados na Lex Fundamentalis, sendo que estes se classificam como leis naturais universais e decorrem da própria evolução histórica da humanidade, pertencendo a todos os cidadãos pelo simples fato de existirem. São direitos indeclináveis por excelência, invioláveis e imprescritíveis.
Entretanto, é preocupante a situação atual do regime jurídico-administrativo brasileiro, na medida em que encontramos teses acadêmicas, bem como profissionais discorrendo exaustivamente sobre o principio da supremacia do interesse público sobre o particular (privado), onde para alguns jurisconsultos este pode ser compreendido como o interesse da maior parte da sociedade ou do Estado.
Nota-se que tais discursos não representam (tampouco podem representar) os ideais republicanos e constitucionais do Estado Democrático e Social de Direito, que visa instituir padrões mínimos de dignidade e igualdade entre todos, sem distinção de qualquer natureza.
O nosso ordenamento jurídico é blindado pelas chamadas ‘cláusulas pétreas’ dos direitos e garantias individuais, isto é, matérias que não podem ser abolidas via emenda constitucional (art.60 da CF/88) e que também estão elencadas em diversos pactos, tratados e convenções internacionais.
É sensato dizer que é o Estado (através de suas autoridades, agentes e servidores públicos) quem fere os direitos humanos individuais, e não o cidadão.
Assim, o direito administrativo e a Administração Pública (processo administrativo, penal ou civil) devem respeitar as garantias individuais, estas se sobrepõe ao interesse público, ou seja, daqui podemos extrair a seguinte lição: primeiro as garantias fundamentais da pessoa humana e depois o interesse público.
O Min. Gilmar Mendes, diz: “tendo em vista as interconexões e interdependências dos princípios e regras, talvez não seja recomendável proceder-se uma distinção entre essas duas categorias – preceito e princípio -, fixando-se um conceito extensivo de preceito fundamental, abrangente das normas básicas contidas no texto constitucional” (Repertório da Jurisprudência IOB, nº 5/2001). O Min. Néri da Silveira destaca a lição do Min. Oscar Dias Correa, quando afirma que cabe ao STF estabelecer e definir o que exatamente se considera como preceito fundamental. De outro lado, Celso Ribeiro Bastos (in Comentários à Constituição do Brasil, 4º volume, tomo III, Editora Saraiva, 1997, p.235), ensina que dos princípios explícitos defluem princípios implícitos ou preceitos fundamentais que asseguram a ordem jurídica nacional, dentre eles as garantias da ordem econômica e financeira, por exemplo. Tudo em face da Lei nº 9.882/99, ADPF.
Princípios gerais aplicáveis no processo civil, penal, administrativo, fiscal e trabalhista democrático, ramos do direito público formando a Teoria da Jurisdição Constitucional Democrática e dos Direitos Humanos (TJCDH[5]).
Princípios de igualdade:
- princípio da isonomia (ante a lei e do tratamento perante os tribunais).
- princípio da proibição de discriminação (racial, status social, sexo, idade, ...).
- princípio do contraditório-ampla defesa (p/ todos os processos e procedimentos).
Princípios de legalidade:
- princípio da prevalência dos Direitos Humanos
- princípio in dúbio pro Direitos Humanos (interpretação favorável)
- princípio da taxatividade (reserva objetiva de direitos fundamentais).
- princípio da livre investigação da prova (proibição produção de provas ilícitas).
- princípio da presunção de inocência (não culpabilidade - condenação antecipada).
- princípio do devido processo legal (respeito às garantias judiciais).
Princípios de acesso à justiça:
- princípio de acesso universal à jurisdição (direito de petição-impulso processual).
- princípio do direito de ação (justa causa, iniciativa das partes).
- princípio do duplo grau de jurisdição (revisão de tribunais superiores)
- princípios da inadmissibilidade de recursos (repercussão geral)
- princípio da razoabilidade de tempo do processo (efetividade jurisdicional).
- princípio do juiz e do promotor natural (proibição de tribunal de exceção).
Princípios de(a) ação:
- princípio da publicidade-transparência (exceto aqueles em segredo de justiça).
- princípio da disponibilidade (oportunidade, bens e interesses disponíveis)
- princípio da indisponibilidade (Direitos Humanos - bens e interesses indisponíveis)
- princípio da subsidiariedade (mediação, arbitragem e conciliação)
- princípio da oralidade (transparência).
- princípio da obrigatoriedade da motivação (ofensa à direito).
- princípio da exteriorização (materialização fática – lesão à direito substantivo).
- princípio da economia processual (instrumentalidade atos necessários).
- princípio da utilidade da demanda (movimento útil da máquina judiciária).
- princípio da insignificância (mínima intervenção, ofensa ou mínima lesão).
- princípio da imediatividade (concentração de atos).
- princípio acusatório (versus inquisitivo)
Princípios de(a) função jurisdicional:
- princípio da indelegabilidade (de função jurisdicional).
- princípio da independência funcional (autonomia).
- princípio do impulso oficial (atos processuais ex officio despachos judiciais).
- princípio da verdade formal (atos e formas jurisdicionais em busca do direito)
- princípio do livre convencimento (persuasão racional do juiz)
- princípio da identidade física do juiz (suspeição e impedimentos).
- princípio da proibição de acolhimento de provas ilícitas (proibidas ou ilegítimas).
- princípio da inércia (no judez ex officio)
- princípio da imparcialidade (do juízo- suspeições e impedimentos)
- princípio da proteção dos bens jurídicos (tutela estatal dos direitos indisponíveis)
Princípios de(a) lealdade processual:
- princípio da boa-fé (probidade versus litigância de má-fé).
- princípio da cooperação (em busca da justiça-verdade).
- princípio da verdade real (princípios de justiça-equidade).
- princípio da responsabilidade pessoal das partes (individualização).
- princípio da responsabilidade objetiva-subjetiva (culpabilidade, art.186/187/927).
- princípio da sanção ou da imposição judicial digna (proporcionalidade entre o dano e a reparação).
- princípio do onus probandi (quem acusa e interpõem ação deve provar).
- princípio do onus probandi invertido (exceção à regra geral)
Sobre a temática da dignidade da pessoa humana destaco as lições de 2 (dois) nováveis professores, homens que admiro e que militam em prol dos mesmos valores, ainda que seus campos específicos de atuação tenham sido diferentes no decorrer das empreitadas. Assim, nascem grandes emanações para o direito do futuro:
O primeiro, em 1999, nos brindou com sua inovadíssima tese do Estatuto Jurídico do Patrimônio Mínimo Existencial, propondo o que chamamos hoje de uma ‘repersonalização do direito civil brasileiro’. O ponto central da tese é colocar a dignidade da pessoa humana no centro das relações privadas e afastar aquela ideia eminentemente patrimonialista do direito civil colonial brasileiro. Deu certo! Sucesso...!
Já o segundo, em 2015, também nos brindou com sua recentíssima tese de doutorado intitulada Administração Pública Democrática e Supremacia do Interesse Público – Novo Regime Jurídico-Administrativo e seus Princípios Constitucionais Estruturantes. O ponto central da tese é colocar a dignidade da pessoa humana no centro do direito administrativo e elevá-lo a um patamar verdadeiramente democrático para afastar de vez a bitolada ideia de supremacia do interesse público sobre o particular. E com o devido respeito, tomo a liberdade de interpretar “uma repersonalização do direito administrativo brasileiro”.
É importante deixar claro que as duas contribuições acadêmicas, embora de áreas supostamente “opostas” do Direito, utilizaram e partiram das mesmas premissas da universalidade do patrimônio, do bem comum, da dignidade pessoa humana etc..
Claro que a fonte de inspiração para escrever este singelo ensaio vem dessas duas estrelas incandescentes; por óbvio, Prof. Dr. Luiz Edson Fachin, e meu mentor Prof. Dr. José Sérgio da Silva Cristóvam!
Concluo proferindo “Oração dos Moços” de Águia de Haia: "[...] o direito dos mais miseráveis dos homens, o direito do mendigo, do escravo, do criminoso, não é menos sagrado, perante a justiça, que o do mais alto dos poderes. Antes, com os mais miseráveis é que a justiça deve ser mais atenta, e redobrar de escrúpulo; porque são os mais mal defendidos, os que suscitam menos interesse, e os contra cujo direito conspiram a inferioridade na condição com a míngua nos recursos." Trecho do discurso de paraninfo da Universidade de São Paulo – Rui Barbosa (1921).
André Luis de Lima Maia, 06 de abril de 2016.
Notas e Referências:
[1] José Sérgio da Silva Cristóvam é Doutor em Direito Administrativo pela Universidade Federal de Santa Catarina (UFSC), com estágio de Doutoramento na Universidade de Lisboa (Portugal). Professor de Direito Administrativo nos Cursos de Graduação e Pós-Graduação do SESUSC, UNISUL, UNIDAVI, UNOESC, UnC, Estágio de Sá e da ESMESC . Conselheiro da Ordem dos Advogados do Brasil – Secção de Santa Catarina OAB/SC. Advogado militante na seara do Direito Público.
[2] Aliny Cristina Costa é bacharel em Direito pela Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. Advogada especialista em Direito Processual Civil e Direito do Trabalho e Processual do Trabalho. Compõem o corpo do escritório jurídico Cristóvam e Palmeira Advogados Associados SC.
[3] Caio Henrique Bocchini é bacharel em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina – UFSC. Compõem o corpo do escritório jurídico Cristóvam e Palmeira Advogados Associaidos SC, atuando na área do Direito Administrativo com ênfase em Servidores Públicos.
[4] Felipe Roeder da Silva é advogado e professor. Trabalha junto ao Escritório Cristóvam e Palmeira Advogados Associados SC. Especialista em Direito Público pelo Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC). Membro da Comissão de Direito do Consumidor da OAB/SC. Professor de Prática em Direito Administrativo no Complexo de Ensino Superior de Santa Catarina (CESUSC).
[5] Maia Neto, Cândido Furtado: “Processo Civil e Direitos Humanos”, ed. Núria Fabris, POA, 2011.
BOBBIO, Norberto. A Era dos Direitos. Rio de Janeiro. Elsevier Editora, 2004.
COMPARATO, Fábio Konder. A Afirmação Histórica dos Direitos Humanos. São Paulo. Saraiva, 2015.
CRISTÓVAM, José Sérgio da Silva, Administração Pública democrática e supremacia do interesse público: novo regime jurídico-administrativo e seus princípios constitucionais estruturantes. Curitiba: Juruá, 2015.
FACHIN, Luiz Edson, Teoria Crítica do Direito Cível. Rio de Janeiro, Renovar, 2003.
JUSTEN FILHO, Marçal. Curso de Direito Administrativo. São Paulo, Saraiva, 2016
. . André Luis de Lima Maia é Acadêmico do 5º ano do curso de Direito da Universidade do Sul de Santa Catarina – UNISUL. . .
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