Por Rogério Zuel Gomes – 24/03/2017
Pretendemos aqui contribuir para o debate e destacar algumas questões que envolvem o Adiantamento para Futuro Aumento de Capital (AFAC) para os casos de sociedades limitadas. O AFAC é um expediente comumente utilizado, independentemente da modalidade societária adotada, que busca, de maneira mais ágil e normalmente menos onerosa, a captação de recursos entre os sócios de modo que o valor injetado na sociedade possa suprir eventuais demandas financeiras. Ocorre, não obstante a sua larga utilização, que este expediente não encontra previsão legislativa específica, ressalvadas algumas manifestações em âmbito normativo fiscal.
AFAC - DO QUE SE TRATA
O AFAC representa uma forma encontrada pelo mercado de se proceder a capitalização de uma sociedade que necessita de recursos mediante aportes de sócios. Dessa forma, se faz o ingresso de recursos para, em momento posterior, cumpridos os requisitos legais para tanto, se proceder ao aumento de capital, com a capitalização do crédito gerado com a aplicação do recurso feita previamente por um ou mais sócios, mas não necessariamente todos.
Quando o valor referente ao AFAC ingressa na sociedade esta assume, em regra, uma obrigação para com os sócios que desembolsaram tal valor. Tal obrigação pode se traduzir pelo compromisso de se realizar o futuro aumento de capital (AFAC) ou de se restituir o valor ingressado (mútuo) dependendo das condições em que se realiza a operação, bem como dependendo do tipo societário adotado. Tanto num caso como em outro, a sociedade, como ente dotado de personalidade jurídica distinta da de seus sócios, tem que previamente formar, de acordo com a lei, a sua vontade em relação à assunção da obrigação advinda do recebimento de recursos via AFAC. Assim, a administração deve convocar os demais sócios para debater a necessidade e conveniência do AFAC, a fim de que se decida pela sua realização ou não. Em caso positivo, cumpridos os requisitos legais, futuramente deverá se proceder ao aumento de capital com os recursos antes injetados, ressalvadas algumas situações adiante e sucintamente apontadas.
DAS FORMAS DE INGRESSO DE RECURSOS NA SOCIEDADE
O ingresso de recursos em uma sociedade pode ocorrer basicamente de quatro formas: aumento de capital, mútuo, receita (operacional ou financeira) ou doação. Nos interessam aqui as duas primeiras alternativas.
Com relação ao aumento de capital da sociedade, os sócios (em quantidade suficiente para tal deliberação) devem aprovar o ingresso dos recursos na sociedade e a consequente emissão de novas quotas.
No caso de mútuo (empréstimos onerosos), tal deve ser aprovado em conformidade com o Contrato Social da empresa (não raras vezes, se prevê que o administrador tem competência para tanto; noutros casos, para que o mútuo seja válido perante a sociedade, será necessária a aprovação da operação por mais de um sócio, além do administrador).
Assim, não se pode admitir que um sócio, por mera liberalidade, aplique capital na sociedade, a título de AFAC para conversão futura, sem que tenha havido a prévia e regular deliberação dos sócios aprovando tal ingresso de numerário e a que título isso se deu, se como AFAC ou como mútuo. Ainda que o sócio que realizou o aporte detenha maioria de capital, esse fato, per se, não o autoriza a converter o valor em quotas, sob pena de que com esta conduta restem pulverizadas as quotas dos demais sócios, caracterizando abuso de direito de voto (Art. 187 c/c Art. 1.080 do CC e Art. 115 da Lei das S.A.). É dizer, ao converter o valor aportado na sociedade o sócio credor, tendo em vista o aumento de capital, converterá o crédito em mais outras quotas da sociedade fazendo com que os sócios restantes tenham suas quotas proporcionalmente diminuídas. Daí a importância da manutenção escorreita da escrituração contábil da sociedade, de modo a não se deixar dúvidas sobre a qual título se dará o aporte financeiro realizado por um dos sócios, bem como o cumprimento dos requisitos legais e aprovações quanto à origem e fim desses aportes.
DAS DEMONSTRAÇÕES FINANCEIRAS E A CONTABILIDADE DA SOCIEDADE - OBRIGAÇÃO DE FIDELIDADE E CLAREZA
O art. 1.188 do Código Civil dispõe que o balanço patrimonial deverá exprimir, com fidelidade e clareza, a situação real da empresa e, atendidas as peculiaridades desta, bem como as disposições das leis especiais, indicará, distintamente, o ativo e o passivo. A escrituração contábil da empresa demonstrará, quando for o caso, se o aporte se deu a título de mútuo ou de AFAC. Como já dito, nada impede, desde que deliberado por assembleia ou reunião dos sócios, a conversão destes valores em AFAC, todavia, quer nos parecer que se o sócio credor da sociedade detém a maioria das quotas para tal aprovação, independentemente do número de quotas dos demais sócios, não lhe seria possível tal conversão em determinadas circunstâncias conforme adiante abordado. Por óbvio que cada sociedade deve ser analisada tendo em vista as suas caraterísticas, em especial, a disposição dos quinhões societários. À primeira vista, nos parece razoável esta conversão quando houver significativa desproporção entre o quinhão do sócio credor e os demais quinhões, notadamente porque recaem sobre aquele maiores responsabilidades (v.g. as questões de natureza trabalhista, previdenciária, tributária e consumerista) e não raras vezes ele responde diretamente pela administração da empresa.
Retornando à escrituração contábil, é importante notar o disposto nas Normas Brasileiras de Contabilidade Técnica (NBC T1), aprovada pela Resolução n° 785/1995 do Conselho Federal de Contabilidade, cujo item 1.1.2 vem ao encontro do disposto no Código Civil, verbis:
1.1.2 – As informações geradas pela Contabilidade devem propiciar aos seus usuários base segura às suas decisões, pela compreensão do estado em que se encontra a Entidade, seu desempenho, sua evolução, riscos e oportunidades que oferece.
1.3.1 – A informação contábil deve ser, em geral e antes de tudo, veraz e equitativa, de forma a satisfazer as necessidades comuns a um grande número de diferentes usuários, não podendo privilegiar deliberadamente a nenhum deles, considerado o fato de que os interesses destes nem sempre são coincidentes.
1.3.2 – A informação contábil, em especial aquela contida nas demonstrações contábeis, notadamente as previstas em legislação, deve propiciar revelação suficiente sobre a Entidade, de modo a facilitar a concretização dos propósitos do usuário, revestindo-se de atributos entre os quais são indispensáveis os seguintes: confiabilidade; tempestividade; compreensibilidade; e comparabilidade.
Os normativos acima demonstram a necessidade de uma escrituração contábil hígida, de modo a permitir que não somente os sócios quotistas possam ter acesso a um quadro real e veraz acerca da situação contábil e financeira da sociedade, mas também terceiros que vierem a eventualmente manifestar interesse em realizar negócios com a mesma. Dito isso, é importante frisar que a contabilização de aportes a título de AFAC feito em dinheiro haverá, como aponta uníssona doutrina sobre o tema, de obedecer à mesma sistemática e às normas de contabilização do capital social da empresa, como bem esclarecem Higuchi Hiromi e Celso Higuchi:
A integralização de capital em dinheiro, há de, comprovadamente, satisfazer a dupla demonstração quanto à origem dos recursos e a efetividade da entrega das respectivas quantias, sob pena de tê-lo por omissão de receita, se não forem apresentadas provas documentais incontestáveis.
[...] a falta de comprovação da origem dos recursos ou da efetiva entrega do numerário constitui omissão de receita da empresa. A comprovação deverá ser cumulativa, ou seja, o sócio que integraliza o capital deve provar que tem capacidade financeira e econômica e ainda deva comprovar a efetiva entrega de recursos. A melhor forma de comprovar a efetiva entrega dos recursos é a emissão de cheque pelo sócio para depósito na conta da empresa.[1]
É cediço na disciplina contábil que na hipótese de injeção de capital, visando a sua reversão em capital social da empresa (AFAC), a respectiva injeção deverá estar contabilizada no patrimônio líquido da empresa,[2] conforme a lição dos professores da FEA/USP, Sérgio de Iudícibus, Eliseu Martins e Ernesto Rubens Gelbcke:
Adiantamentos para aumento de capital são os recursos recebidos pela empresa de seus acionistas ou quotistas destinados a serem utilizados para aumento de capital. No recebimento de tais recursos, a empresa deve registrar o ativo recebido, normalmente disponibilidades, a crédito dessa conta específica “Adiantamento para Aumento de Capital”. Quando formalizar o aumento de capital, o registro contábil será a baixa (débito) dessa conta de Adiantamento a crédito do Capital Social. [...]
Os recursos recebidos de acionistas ou quotistas que estejam destinados e vinculados a aumento de capital, por força de disposições contratuais irrevogáveis ou legais, não devem ser tratados como exigibilidades, mas como conta integrante do Patrimônio Líquido.
Idêntico tratamento deve ser dado aos adiantamentos recebidos com clara intenção de capitalização pelos acionistas ou quotistas. Essa clara intenção deve estar documentada por instrumentos formais irrevogáveis dos acionistas e órgãos diretivos da empresa e não somente declarada oralmente.[3]
Logo se percebe a necessidade de realização de assembleias deliberando sobre o AFAC, mas ao lado desta exigência, a forma como os aportes são escriturados podem assumir alguma relevância em casos de dúvidas. Igualmente de se destacar que nada obstante a escrituração e lançamentos em contas contábeis a título de “Depósito p/ Aumento de Capital” em favor de determinado sócio, sem que tenha havido a aprovação em assembleia, esse registro contábil não tem o condão de converter os valores em quotas sociais. Não raras vezes, em especial em sociedades familiares, depara-se com ingresso mensal de recursos com registro de “Depósito p/ Aumento de Capital” sem qualquer aprovação pelos demais sócios que acabam, ao final de cada exercício, aprovando as contas da sociedade sem atentar para essa irregularidade e somente percebem o ocorrido quando o sócio credor pretende a efetiva conversão em aumento de capital social com o consequente aumento de suas quotas sociais. Assim, ao se estabelecer esta prática irregular, como consequência temos que toda e qualquer movimentação financeira decorrente de aporte financeiro por um determinado sócio passará a gerar “crédito” como se fosse um AFAC fosse. Mas não é.
DO REGISTRO CONTÁBIL DO AFAC E SUAS CONSEQUÊNCIAS
Conforme já salientado, o legítimo ingresso de recursos da sociedade como AFAC gera uma obrigação para a empresa. Obrigação de promover o futuro aumento de capital ou de restituir o valor que ingressou, a qual, de qualquer forma, tem que estar refletida nas demonstrações financeiras da empresa. Como toda obrigação de pessoa jurídica, ela tem que estar registrada nas contas do passivo da sociedade (obrigações com terceiros) ou do patrimônio líquido (obrigações com seus sócios, a exemplo, do capital social). À luz do bom senso, o registro do AFAC como conta do passivo ou do patrimônio líquido configura um indicativo da intenção das partes quando da contratação do AFAC.
Na hipótese de as partes (sócio, de um lado, sociedade e demais sócios, do outro lado) acordarem que o recurso a ser ingressado como AFAC será destinado a aumento de capital, tal obrigação deve ser contabilizada em conta do “patrimônio líquido”. No caso de o valor aportado na sociedade ter a destinação de mútuo, tal obrigação deve ser contabilizada nas contas do “passivo” da sociedade. Nada obstante a obviedade, dependendo do rigor com que se procede a escrituração contábil das empresas não se mostra difícil encontrar casos em que uma decisão de assembleia, naqueles casos em que um dos sócios detém o controle da sociedade, possa ser confrontada com esta escrituração (passivo), que demonstraria, passado algum tempo, que jamais houve qualquer intenção dos demais sócios em aumentar o capital social da empresa em montante equivalente aos aportes feitos pelo sócio majoritário. É dizer, se aqueles aportes sempre constaram no passivo da sociedade, há um indicativo de que jamais houve intenção de aumento de capital no montante equivalente e o aumento, ainda que aprovado em assembleia, poderia caracterizar, nas circunstâncias adiante apontadas, abuso do direito de voto. O mesmo raciocínio, mas com conclusão inversa, vale se os aportes estão contabilizados no patrimônio líquido da sociedade.
POSICIONAMENTO DO FISCO: AFAC LEGÍTIMO - PRAZO PARA SER CONVERTIDO EM CAPITAL
Outro indicativo de que os recursos aportados por sócios quotistas não podem ser automaticamente considerados como AFAC pode encontrar lastro no entendimento da Receita Federal de que o AFAC deve respeitar um prazo máximo estabelecido pelas partes para sua conversão, o que denota, mais uma vez, a necessidade da correta formalização do ingresso de recursos como AFAC (assembleia ou reunião de sócios) e correta escrituração contábil. Veja-se, apenas em caráter ilustrativo, trecho do Parecer Normativo do Coordenador do Sistema de Tributação CST n° 17/1984, que apesar de se referir à sociedade anônima, poderia ser aplicado perfeitamente à sociedade limitada:
7.Contudo, não se pode admitir que tais recursos fiquem indeterminadamente aguardando a capitalização pretendida, fazendo-se necessário definir um prazo máximo para o cumprimento das finalidades a que se destinem.
7.1 Entendemos como razoável que o aumento de capital seja realizado por ocasião do primeiro ato formal da sociedade coligada, interligada ou controlada, que ocorra imediatamente após o recebimento dos recursos financeiros, seja assembleia geral extraordinária (AGE), para as sociedades por ações, ou alteração contratual para as demais sociedades.
7.1.1 Não ocorrendo um daqueles eventos previstos em 7.1, o prazo máximo de tolerância será de até 120 (cento e vinte) dias contados a partir do encerramento do período-base em que a sociedade coligada, interligada ou controlada tenha recebido os recursos financeiros.
7.2 Na hipótese em que se verifiquem adiantamentos no curso de um período-base e, após o seu encerramento, outros adiantamentos no período-base seguinte, antes da ocorrência de um dos eventos previstos em 7.1 ou de excedido o prazo fixado em 7.1.1, a capitalização deverá abranger, também, esses últimos valores transferidos pela investidora.
A conclusão é no sentido de que o recurso que ingressou na sociedade como AFAC teria que ser vertido em capital em até no máximo 120 dias contados a partir do encerramento do período-base em que o mesmo foi transferido para empresa ou antes desse prazo no caso de haver registro de alteração contratual da sociedade. A medida é compreensível, sobretudo pela higidez que deverá reger a escrituração contábil da sociedade. Dessa forma, não havendo a capitalização de tal crédito em período igual ou inferior a 120 dias a partir do encerramento do período-base[4] em que a sociedade recebeu os recursos financeiros, o Fisco entende que tal valor somente pode ser considerado um mútuo. Ressalte-se, novamente, que a inexistência de dispositivos legais que tratem especificamente sobre o AFAC acaba permitindo que alguns órgãos acabem se manifestando sobre ele da forma como entendem cabível e razoável, sem prejuízo de qualquer discussão[5] judicial ou administrativa[6] acerca deste entendimento. O prazo de 120 dias após o encerramento do exercício-base coincide com o prazo que os sócios das Limitadas e das S.A. têm para a aprovação das contas da sociedade (Art. 1.078 do CC e Art. 132 da Lei das S.A.).
A DELIBERAÇÃO EM ASSEMBLÉIA QUE APROVA O AFAC E A SUA CONVERSÃO
É fora de dúvidas que a matéria envolvendo o AFAC há de ser tratada com o mesmo rigor com que se trata do assunto relativo ao aumento de capital social, propriamente dito, conforme amplamente esclarecido acima. O segundo, aumento de capital, é corolário do primeiro, adiantamento para futuro aumento de capital. A ressalva é importante porque tal conduta pode implicar futuramente pela exclusão de um quotista cuja liquidação de seus haveres certamente implicará em valor muito menor (Art. 1.031, §2º, do CC) àquele que existia antes da conversão. Do exposto, força é concluir que a deliberação em assembleia que aprova registro de ingresso de recursos para futuro aumento de capital poderia estar sendo realizada no exclusivo interesse do sócio majoritário e não no interesse da sociedade, ensejando, inclusive, responsabilização dos sócios que aprovaram a medida, como leciona Ricardo Negrão, ao tratar do art. 1.080 do Código Civil, acrescentando que os sócios se vinculam às deliberações sociais em geral, quando em conformidade com a lei ou com o contrato social, mas às que vierem a infringi-los somente respondem os que as aprovarem, isentando os que se tornaram vencidos.[7] É que qualquer AFAC deve ser examinado à luz do interesse da sociedade, o qual não se confunde com os interesses particulares de seus sócios majoritários.
Além disso, é consabido que as sociedades empresariais haverão de cumprir a sua função social, eis que geram empregos, pagam tributos e contribuem para o desenvolvimento da região em que estão inseridas. Também por isso, não se pode permitir o abuso do exercício de voto de sócio majoritário, em detrimento da sociedade e dos sócios minoritários, mas há de se reconhecer, também, a dificuldade de prova nesta hipótese. Daí, inclusive, a necessidade imposta pela legislação exigindo maior quórum para esta deliberação, visando proteger as minorias societárias. De acordo com Rauen Lopes:
Impera nas decisões sociais o princípio majoritário, responsável pelo funcionamento prático das sociedades. Como ocorre na realidade política, as maiorias apontam uma constante tendência ao abuso de um poder originariamente legítimo, mas viciado na medida em que seja exercido abusivamente. O abuso do poder se origina-se da identificação do interesse do grupo majoritário com o interesse social e constitui uma categoria específica do abuso de direito. Portanto, inadmissível que os sócios minoritários fiquem à mercê da maioria quando esta, negligenciando seus deveres, lesiona os interesses da sociedade ou infringe os mandamentos da lei e do próprio estatuto social. [8]
No complemento, cabe, ainda, a lição de Waldírio Bulgarelli, reprovando conduta de maioria societária, em detrimento de previsão legal e estatutária:
[...] a conduta da maioria não responde, pois, à presunção de que é sempre a ‘melior pars’. Já se disse que a maioria que não age como tal, ou seja, de acordo com a lei e o estatuto, e na rigorosa obediência ao interesse social, não é uma verdadeira maioria, mas grupo que impõe pela força do voto suas conveniências.[9]
Segundo as lições dos citados autores, é necessário salientar que o interesse social é distinto do interesse individual de cada sócio e, pela mesma razão, de qualquer grupo ou pluralidade de sócios. Assim, o interesse social não é o interesse da maioria, embora frequentemente um e outro coincidam. Portanto, se verificando conflito de interesses, o intérprete da lei deverá atender prioritariamente ao interesse da empresa, pois é tutelado pelo ordenamento jurídico constitucional, porém, levando-se em conta o objeto social da empresa, a função social desta, sem se descartar o interesse da sociedade.
Em conclusão e sem a pretensão de esgotar a matéria nos parece razoável afirmar que:
1. O AFAC é prática constante no mercado, mas não tem regulação específica na legislação brasileira, sob o ponto de vista societário;
2. O AFAC depende de decisão dos sócios para que se perfectibilize;
3. A conversão do AFAC em aumento de capital deve obedecer aos requisitos legais impostos pela lei aplicável nos casos de aumento de capital;
4. A escrituração contábil, por si só, não tem o condão de justificar a conversão de AFAC em aumento de capital, mas pode, em determinadas circunstâncias e aprovadas as contas da sociedade pelo sócio que se julgar prejudicado, servir de indicativo de intenção dos sócios no caso de dúvidas especialmente quando um sócio questionar a decisão de assembleia que a aprovou;
5. A conversão do valor a título de AFAC em aumento de capital social deve se dar na primeira alteração do contrato social após a deliberação de assembleia que a aprovou ou, caso esta não ocorra, em 120 dias após o encerramento do período-base;
6. O interesse e a função social da empresa precedem ao interesse do sócio majoritário ou da maioria votante;
7. A conversão do AFAC em efetivo aumento de capital pode, em determinadas circunstâncias, caracterizar abuso de direito de voto.
Notas e Referências:
[1] HIROMI, Higuchi.; HIGUCHI, Celso H. Imposto de renda das empresas: interpretação e prática. 26. ed. São Paulo: Atlas, 2001. Apud FABBRINI, Isidoro. Assessoria contábil para advogados das áreas comercial e empresarial. São Paulo: Atlas, 2003. p. 82.83.
[2] Essa também é a sucinta orientação que consta da RESOLUÇÃO CONSELHO FEDERAL DE CONTABILIDADE - CFC nº 1.159/2009, item 67.
[3] IUDÍCIBUS, Sérgio de; MARTINS, Eliseu; GELBCKE, Ernesto Rubens. Manual de contabilidade das sociedades por ações aplicável às demais sociedades. 5. ed. São Paulo: Atlas, 2000. p. 277-278.
[4] LANÇAMENTO POR HOMOLOGAÇÃO. DECADÊNCIA. Aplica-se a regra do § 4º do artigo 150 do Código Tributário Nacional - CTN na hipótese em que houve pagamento antecipado do imposto, ainda que parcial, e a do artigo 173, inciso I do CTN quando não houve pagamento. ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. OPERAÇÃO DE MÚTUO. Para que os recursos aportados em empresa controlada a título de Adiantamento para Futuro Aumento de Capital - AFAC não configurassem uma operação de mútuo, o aumento de capital deveria ter sido realizado por ocasião da primeira alteração contratual da sociedade investida que ocorresse imediatamente após o recebimento dos recursos financeiros ou, não ocorrendo tal alteração contratual, no prazo máximo de 120 (cento e vinte) dias contados a partir do encerramento do período-base em que a investida recebeu os recursos financeiros. Assim não ocorrendo, resta caracterizada a operação de mútuo, sujeita à incidência do IOF. (MF. 4ª Turma. ACÓRDÃO Nº 15-21537 de 30/10/2009).
[5] Veja-se, por exemplo, a discussão travada no CARF durante o julgamento no Processo 16682.721207/2011-91.
[6] IOF. ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. CAPITALIZAÇÃO DOS RECURSOS APÓS O PRAZO ESTABELECIDO NO PARECER NORMATIVO CST Nº 17/1984. EQUIPARAÇÃO A NEGÓCIO DE MÚTUO. IMPOSSIBILIDADE. A legislação do IOF não prevê nenhuma hipótese em que os adiantamentos para futuro aumento de capital sejam equiparados a negócios de mútuo, por decurso de prazo para capitalização dos recursos. A fixação de um limite de 120 dias para a aprovação do aumento de capital, com base no Parecer Normativo CST nº 7/1984, é descabida, posto que o referido ato não guarda pertinência com o tributo em causa. IOF. ADIANTAMENTO PARA FUTURO AUMENTO DE CAPITAL. CAPITALIZAÇÃO FRUSTRADA. EQUIPARAÇÃO A NEGÓCIO DE MÚTUO. Frustrada a capitalização dos recursos originados de adiantamento para futuro aumento de capital, fica caracterizada a existência de um mútuo de recursos financeiros, sujeito à incidência do IOF. IOF. ADIANTAMENTOS EFETUADOS PARA EMPRESAS LIGADAS COM A FINALIDADE DE PAGAMENTOS DE DESPESAS. A utilização de uma rubrica contábil com a finalidade de pagamento de despesas de empresas ligadas, sem contrato formal de mútuo, caracteriza a existência de uma conta-corrente, devendo-se apurar o IOF devido segundo as regras próprias das operações de crédito rotativo. IOF. MÚTUOS PACTUADOS VERBALMENTE ENTRE EMPRESAS LIGADAS. A utilização de uma rubrica contábil para registrar transferências de recursos entre empresas ligadas, sem contrato formal de mútuo, caracteriza a existência de uma conta-corrente, devendo-se apurar o IOF devido segundo as regras próprias das operações de crédito rotativo. IOF. ASSUNÇÃO DE DÍVIDA DE MÚTUO. A assunção de uma dívida de mútuo, quando consentida expressamente pelo credor, equivale a uma renegociação do crédito, com substituição do devedor original, operação esta sujeita à incidência do IOF. (MF. 15ª Turma. Acórdão nº 12-49093 de 27/08/2012.
[7] NEGRÃO, Ricardo. Manual de direito comercial e de empresa: de acordo com o novo código civil (Lei n. 10.406, de 10-1-2002). 3. ed. São Paulo: Saraiva, 2003. p. 363.
[8] LOPES, Idevan César Rauen. Empresa & exclusão do sócio de acordo com o novo código civil. Curitiba: Juruá, 2003, p. 110.
[9] BULGARELLI, Waldírio. Regime jurídico da proteção às minorias nas S.A. de acordo com a reforma da Lei 6.404/76. Rio de Janeiro: Renovar, 1998. p. 368.
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Rogério Zuel Gomes é Mestre em Ciência Jurídica pela Univali/SC. Especialista em Direito Civil pela Universidade de Salamanca. Advogado Sócio do Escritório Gomes, Rosskamp e Sá Advogados Associados.
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