ADI n. 3.943: O STF adotou o conceito amplo de necessitado constitucional, específico para o Processo Coletivo – conheça os votos

24/08/2015

Por Maurilio Casas Maia - 24/08/2015

A quem aproveitaria a inação da Defensoria Pública, negando-se-lhe a legitimidade para ajuizamento de ação civil pública?

Min. Cármen Lúcia

Enquanto o STJ ainda não concluiu o julgamento dos Embargos de Divergência no REsp n. 1192577 – sobre a legitimidade coletiva da Defensoria Pública para a tutela de segmento social hipervulnerável (usuários idosos de plano de saúde) –, deve-se voltar aos olhos para o debate abstrato e constitucional travado no Supremo Tribunal Federal (STF), cujo inteiro teor dos votos foi recentemente disponibilizado, merecendo toda atenção dos juristas brasileiros.

No julgamento da ADI n. 3943 (STF) – aforada pela CONAMP contra a legitimidade coletiva da Defensoria Pública –, restou claro (desde a ementa) que o conceito de “necessitado” para o processo coletivo possui suas peculiaridades, distinguindo-se em grande parte do necessitado no processo individual. E, como antedito, tal medida se afigura clara já na ementa do acórdão:

“AÇÃO DIRETA DE INCONSTITUCIONALIDADE. LEGITIMIDADE ATIVA DA DEFENSORIA PÚBLICA PARA AJUIZAR AÇÃO CIVIL PÚBLICA (ART. 5º, INC. II, DA LEI N. 7.347/1985, ALTERADO PELO ART. 2º DA LEI N. 11.448/2007). TUTELA DE INTERESSES TRANSINDIVIDUAIS (COLETIVOS STRITO SENSU E DIFUSOS) E INDIVIDUAIS HOMOGÊNEOS. DEFENSORIA PÚBLICA: INSTITUIÇÃO ESSENCIAL À FUNÇÃO JURISDICIONAL. ACESSO À JUSTIÇA. NECESSITADO: DEFINIÇÃO SEGUNDO PRINCÍPIOS HERMENÊUTICOS GARANTIDORES DA FORÇA NORMATIVA DA CONSTITUIÇÃO E DA MÁXIMA EFETIVIDADE DAS NORMAS CONSTITUCIONAIS: ART. 5º, INCS. XXXV, LXXIV, LXXVIII, DA CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA. INEXISTÊNCIA DE NORMA DE EXCLUSIVIDADE DO MINISTÉRIO PÚBLICO PARA AJUIZAMENTO DE AÇÃO CIVIL PÚBLICA. AUSÊNCIA DE PREJUÍZO INSTITUCIONAL DO MINISTÉRIO PÚBLICO PELO RECONHECIMENTO DA LEGITIMIDADE DA DEFENSORIA PÚBLICA. AÇÃO JULGADA IMPROCEDENTE. (STF, ADI 3943, Rel. Min. CÁRMEN LÚCIA, Tribunal Pleno, j. 7/5/2015, ACÓRDÃO ELETRÔNICO DJe-154, div. 5-8-2015 p. 6-8-2015).

Assim, percebe-se que o Supremo Tribunal Federal – a fim de garantir a máxima efetividade do acesso à Justiça Coletiva –, reconheceu nas linhas dos votos a existência de coletividades necessitadas ou de necessitados coletivos, conceitos esse que devem guardar maior amplitude semântica que o conceito de “necessitado do processo individual”.

Em voto detalhista e cuidadoso, a relatora ministra Cármen Lúcia – após superar questões prejudiciais –, passou a tratar: (I) da superação do individualismo no acesso à Justiça, desde a visão renovadora de Cappelletti e Garth até aportar na doutrina brasileira citando autores como Barbosa Moreira, Ada Pellegrini Grinover, Humberto Theodoro Júnior, Teori Zavascki, além de diversos precedentes da Corte Suprema; (II) das funções essenciais à Justiça enquanto instituições assecuratórias de direitos e garantias previstos na Constituição da República, passando a expor ainda os princípios da intepretação constitucional a fim de buscar o conceito de “necessitado” para o processo coletivo – de certa forma, tem-se no voto o conceito constitucional de necessitado ou de necessitado constitucional, indicado principalmente para o processo coletivo. Restou clara a tentativa de alcançar a “eficácia ótima” para a defesa dos necessitados no processo coletivo (p. 41 do voto); (III) da observância do artigo 134 e artigo 5º, LXXIV, da Constituição no Processo Coletivo com o “conceito amplo de necessitado” e uma “presunção” – ditou a ministra: “(...) a presunção de que, no rol dos afetados pelos resultados da ação coletiva, constem pessoas necessitadas é suficiente a justificar a legitimidade da Defensoria Pública, para não ‘esvaziar, totalmente, as finalidades que originaram a Defensoria Pública como função essencial à Justiça’.”

Sobre o “conceito amplo de necessitado” para o “processo coletivo”, o STF adotou a manifestação doutrinária de Ada Pellegrini Grinover, citando conceitos como “socialmente vulneráveis”, “carentes organizacionais”, “necessitados do ponto de vista organizacional” – tudo para que as “necessidades coletivas” possam ser tuteladas via Estado Defensor, conforme se permite concluir a dicção constitucional.

Com efeito, no trecho em que citada a jurista Ada Pellegrini Grinover, restou claro que “necessitado” e “insuficiência de recursos” são “conceitos jurídicos indeterminados”, os quais devem ser interpretados de acordo com os objetivos da República, mormente no Processo Coletivo, a fim de garantir o máximo de Justiça Social possível.

Citou-se ainda a lição de José Afonso da Silva, segundo a qual “[n]em sempre o conceito de ‘insuficiência’ pode ser definido a priori.” Com isso, resta patente a impossibilidade de fixar em abstrato o conceito de necessitado, o qual deve atender às peculiaridades sociais e em concreto. Portanto, de modo indubitável, o Supremo reconheceu que não há somente o necessitado “econômico”, adotando assim visão plural e democrática , conforme fundamentação do voto vencedor na ADI n. 3943.

Ademais, o voto da ministra relatora demonstrou a inexistência de norma de exclusividade em favor do Ministério Público no que se refere à titularidade da Ação Civil Pública – tratando-se de legitimidade concorrente e autônoma, sendo possível e por vezes recomendável a parceria entre as instituições.

Aliás, ao fim de seu voto, bem destacou a ministra: “O custo social decorrente da negativa de atendimento de determinada coletividade ao argumento de hipoteticamente estar-se também a proteger direitos e interesses de cidadãos abastados é infinitamente maior que todos os custos financeiros inerentes à pronta atuação da Defensoria Pública nas situações concretas que autorizam o manejo da ação civil pública, conforme previsto no ordenamento jurídico”.

Em importante observação, o Ministro Barroso registrou a possibilidade de afastar, no caso concreto, a legitimidade defensorial quando inexistente vulnerabilidade social em relação à coletividade afetada na situação sub judice – até mesmo porque nem o Ministério Público e nem a Defensoria Pública podem substituir a regular atuação dos advogados privados e seus clientes, o que poderia representar prejuízo socialmente desnecessário ao mercado advocatício.

Apesar da relatoria e sua respectiva assessoria terem apresentado à sociedade acórdão e voto íntegro, tal expediente não impediu que a CONAMP apresentasse Embargos de Declaração em 14/8/2015, tentando por mais uma vez limitar o conceito de necessitado ao caráter econômico – ou seja, muito distante da realidade doutrinária atualmente majoritária (e que estude com profundidade e sem preconceitos a missão constitucional da Defensoria Pública, claro). Trataremos desse tema no próximo texto.

Clique aqui para ler os votos apresentados.


Maurilio Casas Maia é Mestre em Ciências Jurídicas pela Universidade Federal da Paraíba (UFPB). Pós-Graduado lato sensu em Direito Público: Constitucional e Administrativo; Direitos Civil e Processual Civil. Professor de carreira da Universidade Federal do Amazonas (UFAM) e Defensor Público (DPE-AM). 

Email:  mauriliocasasmaia@gmail.com

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Imagem Ilustrativa do Post: Don Bosco - 2 // Foto de: Tawheed Manzoor // Sem alterações Disponível em: https://www.flickr.com/photos/tawheedmanzoor/7998919371/ Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode


O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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