Ação de alimentos, integração do polo  passivo e o REsp n. 1.715.438/RS

08/01/2019

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

             Imagine a seguinte situação: Diego, 18 anos, faz faculdade e vive sozinho, distante dos seus genitores, João e Maria, já divorciados. Para sua sobrevivência, Diego ajuíza ação de alimentos contra seu pai. Em sua defesa, João alega que Maria, sua ex esposa, também precisa participar do processo, já que o sustento do filho é dever de ambos os genitores, pai e mãe. Diante do exposto, pergunta-se: pode o juiz, acolhendo o pedido de João, chamar Maria para participar do processo? 

            A questão é relevantíssima e foi decidida, recentemente, pelo Superior Tribunal de Justiça. No julgamento do REsp n. 1.715.438/RS, o STJ entendeu que NÃO! 

            É que, em se tratando de credor de alimentos que reúna plena capacidade processual, como é o caso de Diego, maior, cabe a ele, exclusivamente, provocar a integração posterior do polo passivo, devendo a sua inércia ser interpretada como concordância tácita com os alimentos que puderem ser prestados pelo réu por ele indicado na petição inicial (no caso, seu pai João), sem prejuízo de eventual e futuro ajuizamento de ação autônoma de alimentos em face dos demais coobrigados, a exemplo de Maria, sua mãe. Para o STJ, portanto, a natureza jurídica dessa convocação posterior do outro genitor, prevista no art. 1.698 do CC/2002, é de litisconsórcio facultativo ulterior simples. 

            Dito de maneira mais simples: sendo maior e capaz, Diego poderia ter ajuizado a ação de alimentos contra ambos os genitores (litisconsórcio passivo facultativo). Tendo demandado apenas o pai, este não pode trazer para o processo sua ex esposa, Maria, cabendo tal escolha exclusivamente a Diego, autor da ação. Após a defesa apresentada por João, percebendo que o pai não terá possibilidade de arcar com todos os alimentos necessários, Diego poderá convocar, para fazer parte do processo, sua mãe, também devedora de alimentos, que passará a integrar o polo passivo da ação juntamente com João. Daí se falar em litisconsórcio ulterior. Naturalmente, como o juiz poderá, ao final, dar decisões distintas para cada genitor (condenando apenas aquele que tem possibilidade para pagar os alimentos, por exemplo), o litisconsórcio é simples, e não unitário. 

            Neste ponto, concordamos plenamente com a posição do STJ. Em 2017, quando publicamos nosso “Intervenção de terceiros” (Editora Revista dos Tribunais), sustentamos exatamente que o art. 1.698, parte final, do Código Civil, a par de revelar uma modalidade interventiva atípica, distinta daquelas espécies previstas no Código de Processo Civil, daria ensejo à formação de um litisconsórcio passivo facultativo ulterior simples (p. 151).

            Mas a pergunta que fica é: até quando o autor da ação pode trazer para o processo o coobrigado a prestar alimentos? No nosso exemplo: até qual momento Diego pode convocar sua mãe, Maria, para integrar o polo passivo da ação de alimentos?

            Para o STJ, no que tange ao momento processual adequado para a integração do polo passivo pelos coobrigados, cabe ao autor requerê-lo em sua réplica à contestação, respeitada, assim, a impossibilidade de ampliação objetiva ou subjetiva da lide após o saneamento e organização do processo, em homenagem ao contraditório, à ampla defesa e à razoável duração do processo. Ou seja: se Diego não convocasse sua mãe no momento da réplica, não poderia mais fazê-lo naquele processo (preclusão), restando-lhe a possibilidade de ajuizar uma nova ação autônoma contra a mãe para vê-la responder pelos alimentos devidos.

            Pensamos, entretanto, que o STJ se equivocou nesse ponto. Conforme já defendido em nossa obra, acima citada, entendemos possível relacionar esta especial intervenção do art. 1.698 do Código Civil com o incidente de desconsideração da personalidade jurídica, já que há vários elementos de ordem comum entre tais modalidades interventivas. Assim como se dá no âmbito do incidente de desconsideração, a intervenção dos alimentantes também reflete uma hipótese de demanda incidental, que dá origem a um litisconsórcio passivo facultativo ulterior. Por isto mesmo é que, em ambos os casos, o interveniente passa a ostentar a condição de réu e há ampliação do objeto litigioso do processo. Ainda, tanto numa como noutra hipótese, há evidente mitigação da regra da estabilização da demanda, de modo a fomentar a economia processual, evitando-se que o autor tenha de ajuizar nova ação em face daquele sujeito que, agora, se deseja responsabilizar. Logo, tal qual a intervenção forçada do sócio cujo patrimônio se deseja alcançar, a intervenção dos alimentantes também pode se dar a qualquer momento, inclusive na execução, bastando que, para isto, instaure-se o competente incidente cognitivo (p. 156).

            De maneira direta, e usando nosso exemplo: para nós, nada impediria que Diego trouxesse sua mãe ao processo depois da réplica. Poderia até mesmo requerer a integração de sua genitora na fase de execução, quando constatasse a inexistência de bens em nome de seu pai, João. E, para não haver violação ao contraditório e à ampla defesa, bastaria que o juiz abrisse a oportunidade de discussão (fatos e provas) no ambiente executivo, como já se permite no contexto do incidente de desconsideração da personalidade jurídica.

            Por fim, vale lembrar que, de acordo com o STJ, quando o credor dos alimentos (autor da ação) for incapaz, a convocação do outro genitor para integrar o polo passivo poderá ser feita igualmente pelo réu ou pelo Ministério Público. Isto porque existem hipóteses em que o regular exercício do direito de ação pelo incapaz se faz mediante representação processual, sendo certo que, usualmente, o representante do incapaz é justamente um de seus genitores e que, logo, é também um dos coobrigados a prestar os alimentos ao autor. Deste modo, justamente por gerar uma situação de potencial conflito de interesses prejudicial ao credor dos alimentos, deve ser permitido igualmente ao réu – devedor dos alimentos – provocar a posterior integração do polo passivo prevista no art. 1.698 do CC/2002, a fim de que, a bem do menor e buscando atingir o seu melhor interesse, também venham a compor a lide os demais coobrigados, inclusive aquele que atua como representante processual do credor dos alimentos.

            No nosso exemplo: imagine que Diego seja incapaz e, assim, ajuíze a ação de alimentos contra o pai sendo representado justamente pela genitora. Nesta hipótese, afirmar que a convocação do coobrigado alimentar caberia exclusivamente ao autor da ação, Diego, geraria uma situação de potencial conflito de interesses, já que Diego encontra-se representado pela genitora, Maria, que provavelmente não formularia uma demanda judicial “contra si”. Nesse caso, então, em prol do melhor interesse do incapaz, o réu João (ou o MP) poderia se valer do art. 1698 do Código Civil, trazendo para o processo a própria mãe de Diego, Maria.

            Enfim, mais um julgado importante do STJ para se conhecer e se discutir!

 

Para adiquirir a obra do autor, acesse

 

 

Imagem Ilustrativa do Post: El sol y la luna en Praga / The sun and moon in Prague // Foto de: Hernán Piñera // Sem alterações

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