Por Maria Luiza Gorga - 22/02/2017
No final do conturbado ano de 2016, a Primeira Turma do Supremo Tribunal Federal firmou novo entendimento acerca do aborto, afirmando que a prática da conduta durante os primeiros três meses de gestação não configuraria crime.
A decisão, tomada por maioria, analisava um caso específico, de modo que não configura um entendimento vinculante, tampouco possui aplicabilidade geral. Inobstante, a decisão pode ser tomada como base por outros magistrados pelo país, dado o papel institucional de orientador da jurisprudência brasileira que a Corte Suprema possui, além de seu papel constitucional de realizar, nos casos concretos, a interpretação das normas conforme a Constituição Federal.
Em síntese, entendeu-se que apesar da proibição ao aborto constar expressamente do Código Penal brasileiro, esta pode (e deve) ser relativizada pelo contexto social – contexto esse que, no Brasil, seleciona apenas um extrato social para sofrer as consequências do aborto clandestino, sejam essas as consequências sociais, penais, ou mesmo o risco de morte –, sendo afirmado que o aborto, ou seja, a interrupção da gravidez com a morte do feto, se interpretado de forma a incluir o primeiro trimestre de gravidez, “viola diversos direitos fundamentais da mulher, bem como o princípio da proporcionalidade”.
Este novo entendimento, apesar de inesperado, segue a linha já iniciada pelo Supremo Tribunal Federal quanto do julgamento da ADPF 54, em 2012, a qual entendeu pela legalidade da interrupção da gravidez nos casos de fetos anencefálicos, além de abrir caminho para a futura manifestação de nossa Suprema Corte a respeito do aborto em caso de gestantes infectadas pelo zika vírus, julgamento que está para ser pautado.
A decisão atinge não apenas a esfera das gestantes que optam pelo aborto, como também os profissionais de saúde que as auxiliam, dado que dois dos artigos do Código Penal são voltados a eles, sendo importante ressaltar que o julgamento não significa que a prática tenha se tornado liberada.
Assim mesmo, a decisão causou comoção social e já movimenta o Poder Legislativo. O Presidente da Câmara, Rodrigo Maia, já instalou uma comissão especial na tentativa de rever tal decisão, buscando incluir na própria Constituição Federal a proibição ao aborto, de forma a barrar qualquer tentativa de utilização da Constituição como parâmetro interpretativo das normas que tratam do tema.
Além disso, foi apresentado o PLS 461/2016, de autoria do Senador Pastor Valadares, que busca incluir o art. 127-A no Código Penal, dispondo que “considera-se aborto a interrupção da vida intrauterina em qualquer estágio da gestação”. É, assim, uma tentativa de deixar explícito o entendimento doutrinário acerca do que é o aborto, mas que deixa em aberto os conceitos de “vida” e de “gestação”, que não possuem consenso doutrinário quanto ao seu início.
A reação do Poder Legislativo foi, como se vê, imediata, e liderada pelos setores que podem ser denominados conservadores. Já o Supremo Tribunal Federal não mais manifestou-se a respeito do tema – o próprio julgamento acerca do aborto em casos de contaminação pelo zika vírus, que estava em pauta no mês de dezembro, foi retirado da sessão pela Ministra Carmen Lúcia, atual Presidente do órgão.
Resta ao cidadão, seja ele profissional da saúde ou do Direito, aguardar o desenrolar da questão, pautando sua conduta, enquanto isso, pelas normas (ainda) vigentes.
. . Maria Luiza Gorga é especialista em Direito Médico do Braga Martins Advogados. . . .
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