ABDPRO #88 - A (DES)MOTIVAÇÃO PER RELATIONEM: UMA ESPÉCIE NON LIQUET NA ERA DO PROCESSO TECNOCRÁTICO

05/06/2019

Coluna ABDPRO

“Uma posição crítica há que ser vista, portanto, não só como uma avaliação crítica de nossa condição presente, mas crítica em trabalhar na direção a uma nova existência.”

Antonio Carlos Wolkmer

 

Já que estamos na onda de estabelecer o que “pegou” e o que “não pegou” do novo Código de Processo Civil, vamos encarar a fria e dolorosa realidade, a qual, para quem está na lida diária do mundo forense e na pragmática útil do processo, constata que a motivação das decisões judiciais, aspecto de suma importância para a Democracia e para o Estado de Direito, ponto central de qualquer ordem jurídica, de fato, “não pegou”, embora passados mais de três anos de vigência do novo Código.

Nada me assusta essa constatação. Após um ano de vigência havia expectativas; passados dois anos um pouco de frustração, mas a expectativa e a fé ainda reinavam no âmbito da doutrina; ultrapassados três anos sobejou apenas a fé!

Em um Estado Democrático de Direito, onde o monopólio da produção e aplicação do Direito cabem às instituições constitucionalmente criadas, ao Poder Judiciário é ínsito, em última análise, o dever não só de prestar tutela jurisdicional, sob pena de descambar para a proibição do non liquet, mas também prestá-la de forma adequada, ou seja, oferecê-la por meio da irrenunciável, arreliada, imaleável, motivação de inconfundível conteúdo eminentemente jurídico. Isso é um dever fundamental ao jurisdicionado.

Todavia, o que temos visto reiteradamente? Um processo ou processualismo tecnocrático[1], ou seja, aquele que para atingir seus objetivos parte de verdades projetada, fabricada, artificial, e acaba criando “o mito da obtenção da justiça pela simples obediência ao procedimento, ou seja, pela realização de uma ritualística que, uma vez cumprida, conduzirá à melhor solução[2].

Dentre essas práticas, ao arrepio do texto do Código de Processo Civil de 2015, a exemplo das vedações contidas nos artigos 489, § 1º, IV e V, e 1.021, § 3º, a motivação per relationem é uma realidade.

Não obstante o fato de que uma decisão deva ser clara, internamente coerente e completa, sob pena de conter, ao menos, vícios passíveis de sanação por meio dos embargos de declaração (CPC/15, art. 1.022[3]), o Código de Processo Civil, em certa medida, “reforça” o dever de completude ao impor que o juiz se desincumba do ônus de manifestar-se sobre todas as alegações capazes de, em tese, infirmar a decisão proferida. Portanto, motivação suficiente é aquela que se “debruça” sobre todas as questões veiculadas pelas partes nos autos do processo, tenham sido elas acatadas ou não pelo órgão julgador[4].

Eis o ponto: a motivação externada nos autos só tem razão de ser se o julgador for compelido a tratar de todos os pontos e questões surgidas no curso do processo, afastando todas as alegações fático-jurídicas elaboradas pela parte desfavorecida pelo provimento jurisdicional.

Com Rodrigo Ramina Lucca, é de bom alvitre lembrarmos que “a motivação radica na constatação de que o Estado não pode interferir no patrimônio jurídico do particular sem justificar essa interferência. Logo, é para a parte desfavorecida que a motivação mais importa, seja porque ela é a destinatária primária da justificação dada pelo Estado para agir em seu desfavor, seja porque ela depende de uma motivação adequada para que possa utilizar plenamente os instrumentos recursais à sua disposição[5].

Motivar, portanto, não é eleger arbitrariamente[6] qualquer elemento ao encontro do dispositivo. Determinar as razões de decidir é ato de absoluta necessidade e honestidade intelectual, por meio do qual a autoridade judiciária deve enfrentar de forma aberta e expressa todas (completude/concretude)[7] as questões levadas e valoradas pelas partes no processo, evidenciando e apontando quais foram e quais não foram juridicamente consideradas aptas a produzir o decisum, ou seja, a prestação jurisdicional entregue ao cidadão.

Agindo dessa maneira, a decisão torna-se transparente e compreensível, permitindo conformação ou impugnabilidade pelas partes. Essa foi a ideia lançada no art. 489, § 1º, IV, do Código de Processo Civil de 2015.

E por que isso não “pegou”?

Porque, infelizmente, a prática antes indesejada e atualmente proibida de decisões implícitas ou per relationem é uma realidade cada vez mais presente no dia a dia forense.

Motivação per relationem é uma “técnica” utilizada para reduzir o empenho justificativo da decisão; é um verdadeiro “artifício da motivação”, como se referiu Antonio Magalhães Gomes Filho[8], pois frustra o dever constitucional e legal de que todas as decisões judiciais sejam efetivamente motivadas.

Por meio dessa “fraude decisional”, o julgador “apropria-se de razões dadas em outro ato jurídico para motivar a decisão por ele tomada[9]. Em outras palavras, motivação per relationem é ausência de fundamentação, na medida em que o órgão jurisdicional, ao invés de cumprir seu papel de revisor da decisão impugnada, apropria-se dela mesma, transcrevendo-a ou fazendo remissões de seu conteúdo, sem qualquer análise de sua compatibilidade frente ao ordenamento jurídico[10]. É uma espécie de “dito pelo não dito, mas fica dito”[11].

Há mais de 10.450 decisões monocráticas proferidas pelo Supremo Tribunal Federal, cujo esqueleto decisional é o mesmo. Extrai-se a título de exemplo, para não exaurir o leitor, apenas quatro situações (processo penal, administrativo e processual civil), sendo três delas extraídas do mesmo relator e uma do órgão colegiado, todas publicadas em abril/maio de 2019:

Da detida análise dos fundamentos da decisão denegatória de seguimento do recurso extraordinário, bem como à luz das razões de decidir adotadas pelo Tribunal de origem, por ocasião do julgamento do recurso veiculado na instância ordinária, concluo que nada colhe o agravo.

(...)

Verifico que o TJSP anulou a decisão do conselho de sentença, sob estes fundamentos:

(...)

Assim, o Tribunal de origem, na hipótese em apreço, lastreou-se na prova produzida para firmar seu convencimento, razão pela qual a aferição da ocorrência de eventual afronta aos preceitos constitucionais invocados no apelo extremo exigiria orevolvimento do quadro fático delineado, procedimento vedado em sede extraordinária. Aplicação da Súmula nº 279/STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. Nesse sentido: (...)Por conseguinte, não merece processamento o apelo extremo, consoante também se denota dos fundamentos da decisão que desafiou o recurso, aos quais me reporto e cuja detida análise conduz à conclusão pela ausência de ofensa a preceito da Constituiçãoda República.Nego seguimento (art. 21, § 1º, do RISTF)”(ARE 1192238, Relator(a): Min. ROSA WEBER, julgado em 16/04/2019, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-083 DIVULG 22/04/2019 PUBLIC 23/04/2019). “Da detida análise dos fundamentos da decisão denegatória de seguimento do recurso extraordinário, bem como à luz das razões de decidir adotadas pelo Tribunal de origem, por ocasião do julgamento do recurso veiculado na instância ordinária, concluo que nada colhe o agravo.A corte de origem decidiu a questão em acórdão assim ementado:(...)Da leitura dos fundamentos do acórdão prolatado na origem, constato explicitados os motivos de decidir, a afastar o vício da nulidade por negativa de prestação jurisdicional arguido. Destaco que, no âmbito técnico-processual, o grau de correção dojuízo de valor emitido na origem não se confunde com vício ao primado da fundamentação, notadamente consabido que a disparidade entre o resultado do julgamento e a expectativa da parte não sugestiona lesão à norma do texto republicanoAdemais, o Tribunal de origem, na hipótese em apreço, lastreou-se na prova produzida para firmar seu convencimento, razão pela qual a aferição da ocorrência de eventual afronta ao preceito constitucional invocado no apelo extremo exigiria orevolvimento do quadro fático delineado, procedimento vedado em sede extraordinária.(...)Por conseguinte, não merece processamento o apelo extremo, consoante também se denota dos fundamentos da decisão que desafiou o recurso, aos quais me reporto e cuja detida análise conduz à conclusão pela ausência de ofensa a preceito da Constituiçãoda República.Nego seguimento (art. 21, § 1º, do RISTF)” (ARE 1199560, Relator(a): Min. ROSA WEBER, julgado em 15/04/2019, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-083 DIVULG 22/04/2019 PUBLIC 23/04/2019). “Da detida análise dos fundamentos adotados pelo Tribunal de origem, por ocasião do julgamento do apelo veiculado na instância ordinária, em confronto com as razões veiculadas no extraordinário, concluo que nada colhe o recurso.O Tribunal de origem lastreou-se na prova produzida para firmar seu convencimento acerca da existência, na espécie, do nexo de causalidade necessário à responsabilização pelos danos sofridos pela parte agravada.Nesse contexto, somente mediante o revolvimento do quadro fático delineado, seria possível aferir a ocorrência de eventual afronta ao preceito constitucional invocado no apelo extremo (art. 37, § 6º, da CF/1988). Inadmissível, pois, o recursoextraordinário, em face do óbice da Súmula nº 279/STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. Nesse sentido: AI 839.590-AgR/RJ, Rel. Ministro Luiz Fux, 1ª Turma, DJe 07.8.2012; AI 810.613-AgR/RJ, Rel. Min. Ricardo Lewandowski, 1ª Turma, DJe 1º.02.2011, e AI 727.483-AgR/RJ, Rel. Min. Ellen Gracie, 2ª Turma, DJe 13.11.2010, assim ementados:(...)Ademais, o Tribunal de origem, na hipótese em apreço, lastreou-se na prova produzida para firmar seu convencimento, razão pela qual a aferição da ocorrência de eventual afronta aos preceitos constitucionais invocados no apelo extremo exigiria orevolvimento do quadro fático delineado, procedimento vedado em sede extraordinária. Aplicação da Súmula nº 279/STF: “Para simples reexame de prova não cabe recurso extraordinário”. Nesse sentido(...)Por conseguinte, não merece seguimento o recurso extraordinário, consoante também se denota dos fundamentos da decisão que desafiou o recurso, aos quais me reporto e cuja detida análise conduz à conclusão pela ausência de ofensa a preceito daConstituição da República.Nego seguimento (art. 21, § 1º, do RISTF)”.(RE 1198118, Relator(a): Min. ROSA WEBER, julgado em 10/04/2019, publicado em PROCESSO ELETRÔNICO DJe-083 DIVULG 22/04/2019 PUBLIC 23/04/2019).

Eis a decisão ora agravada:

(...)

Não há reparo a fazer no entendimento aplicado, pois o Agravo Interno não apresentou qualquer argumento apto a desconstituir os óbices apontados.

Diante do exposto, nego provimento ao Agravo Interno”.

(RE 1188859 AgR, Relator(a):  Min. ALEXANDRE DE MORAES, Primeira Turma, julgado em 29/04/2019, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-098 DIVULG 10-05-2019 PUBLIC 13-05-2019).

Lamentavelmente, a jurisprudência do Supremo Tribunal Federal ratifica tal prática, na medida em que reconhece que a “técnica da fundamentação per relationem, na qual o magistrado se utiliza de trechos de decisão anterior ou de parecer ministerial como razão de decidir, não configura ofensa ao disposto no art. 93, IX, da CF[12].

Na mesma direção o Superior Tribunal de Justiça afirma que “não há nulidade no julgamento se a fundamentação, embora concisa, for suficiente para a solução da demanda[13], mantendo o entendimento  - mesmo após a vigência do Código de Processo Civil de 2015 (18/3/2016) - segundo o qual o “julgador não está obrigado a responder a todas as questões suscitadas pelas partes, quando já tenha encontrado motivo suficiente para proferir a decisão[14].

Mas, então, o Código de Processo Civil de 2015 errou ao exigir motivação exauriente? Por que, afinal de contas, um desdobramento fulcral da cláusula do devido processo legal não vingou? Essa exigência gerou um efeito colateral indesejado?

Para Marmelstein, o dever de motivação exauriente, ao invés de melhorar a qualidade dos pronunciamentos judiciais, acabou por “gerar decisões substancialmente mais pobres, sobretudo diante de um ambiente institucional de escassez dos recursos necessários para proferir uma boa decisão[15].

No ponto concordo parcialmente com o autor. Decerto, a escassez mencionada por Marmelstein ainda é encontrada na primeira instância do Poder Judiciário Nacional, notadamente, no âmbito da justiça dos Estados da federação. Entretanto, não é a mesma precariedade deparada nos Tribunais de Justiça, nos Tribunais Regionais Federais e, muito menos, nos Tribunais Superiores e no Supremo Tribunal Federal, cortes essas dotadas de um corpo técnico treinado, preparado, formado por assessores experientes, com amplo acervo bibliográfico, tecnológico e informatizado em níveis bem elevados. Ao contrário do que possa parecer, as decisões proferidas nas primeiras instâncias – com toda a escassez possível – ainda se mostram mais qualificadas do que parte significativa daquelas proferias nos Tribunais. Isso revela que não se trata apenas ou tão somente de déficit humano ou equipamentos; há algo a mais para se aprofundar na questão.

Nessa direção, George Marmelstein cunhou o epíteto do lazy judge para caricaturar juiz que pretende resolver os “seus casos” com o menor esforço possível, “levando sua vidinha com o mínimo de complicações[16].

Com efeito, não há exemplo melhor para a demonstração de que o modelo padrão de decisão mais adequado para tal mister seja o “per relationem”. Dito de outro modo: a (des)motivação referida incorpora “estratégias argumentativas para dar uma aparência de cumprimento à norma da fundamentação exaustiva sem que isso signifique, na prática, qualquer aumento de qualidade no conteúdo da decisão[17]. Muito pelo contrário, demonstrará o fortalecimento exponencial do processo tecnocrático ou algo mais perverso ao sistema judicial: a ineficácia da norma ou um esvaziamento do seu sentido originário, culminando em uma espécie de aplicação seletiva do art. 489, §1º, do Código de Processo Civil de 2015 em que a nulidade será utilizada de forma estratégica em algumas hipóteses eleitas ad hoc pelos órgãos judiciais competentes para o exame dos recursos.

A indeclinabilidade da jurisdição, levada a sério, como um dos desdobramentos da cláusula do devido processo legal[18] não permite ou chancela a (des)motivação das decisões. Ao revés, tal princípio constitucional positivado na Constituição Federal de 1988 prima em evitar o funesto non liquet. Tal vedação de denegação de justiça força a operatividade interna do sistema jurídico, fazendo com que decidir “entre o lícito e o ilícito é o mesmo que garantir, ao longo do tempo, um mecanismo de tratamento das expectativas fraudadas pelos fatos e mantidas pelo direito: as expectativas normativas[19].

Com bem frisou Eduardo José da Fonseca Costa, “no direito processual positivo brasileiro, a «motividade» escrita [=produto final da escrita = arrazoado decisório] é qualificada[20] e, como tal, não pode ser travestido por meio de subterfúgios retóricos ou pseudos pronunciamentos de conteúdos vazios ou ocos.

Por tais razões, o Poder Judiciário, ao fim e ao cabo, os juízes – detentores do poder constitucionalmente conferido pelo sistema judicial num regime democrático – devem “prestar contas da maneira que julga por intermédio da motivação[21], sendo certo que se problemas podem advir de tal ato judicial (a exemplo da quantidade de processos ou do número cada vez maior de recursos nos tribunais, esses advindos da inexistência de motivação, motivação deficiente ou desmotivação, o que culmina com novos recursos e, assim, tudo começa novamente, num ciclo vicioso como o conhecido efeito tostines[22]), a solução não é abandoná-lo ou transformá-lo num processo eminentemente mecânico ou tecnocrático, com resultados estatísticos e de respostas prontas.

Ao revés disso, o desfecho não está na fé ou no mero e descompromissado we will can; está sim, na efetiva mudança de comportamento[23] (cultural), iniciando essa metamorfose pela motivação como deve ser: exauriente!

 

 

Notas e Referências

[1]Processualismo tecnocrático: processos são apenas números? O processualismo tecnocrático como o conjunto de técnicas processuais ou de administração judiciária voltadas unicamente à obtenção de resultados numéricos: busca-se o máximo de resultados com um mínimo de esforço. O processualismo tecnológico também representa uma visão de mundo na medida em que confunde efetividade do processo com eficiência do processo, porquanto aposta em soluções quantitativas para acelerar as demandas processuais e, com isso, diminuir o tempo de duração das lides postas à baila do Poder Judiciário” (HERZL, Ricardo Augusto; ENGELMANN, Wilson. Processualismo tecnocrático versus processualismo tecnológico: da eficácia quantitativa à efetividade qualitativa no direito processual civil. Colunas e Artigos. Acesso 21/05/2019.

[2] HERZL, Ricardo Augusto; ENGELMANN, Wilson. Op. cit.

[3] Art. 1.022. Cabem embargos de declaração contra qualquer decisão judicial para: I - esclarecer obscuridade ou eliminar contradição; II - suprir omissão de ponto ou questão sobre o qual devia se pronunciar o juiz de ofício ou a requerimento; III - corrigir erro material. Parágrafo único. Considera-se omissa a decisão que: I - deixe de se manifestar sobre tese firmada em julgamento de casos repetitivos ou em incidente de assunção de competência aplicável ao caso sob julgamento; II - incorra em qualquer das condutas descritas no art. 489, § 1º .

[4]Ou seja, a completude da motivação diz respeito não só à exposição clara, coerente e racional das razões que fundamentam a decisão, mas também, e principalmente, das razões pelas quais não foram acolhidas as alegações e provas produzidas pela parte sucumbente” (SILVA, Ovídio A. Baptista da. Fundamentação das sentenças como garantia constitucional. In O processo na constituição. MARTINS, Ives Gandra da Silva; JOBIM, Eduardo. São Paulo: Quartier latin, 2008, p. 468/473.

[5] O dever de motivação das decisões judiciais. 2. Ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 220.

[6] Lembro aqui uma frase emblemática do Min. Marco Aurélio reproduzida em diversos meios: “Idealizo para o caso concreto a solução mais justa e posteriormente vou ao arcabouço normativo, vou à dogmática buscar o apoio”.

[7]Se o dever de completude exige que o julgador, além de expor as razões fáticas e jurídicas que fundamentam a sua decisão, enfrente e afaste todas as alegações fáticas e jurídicas da parte sucumbente, o dever de concretude impõe, de um lado, (i) que o enfrentamento de tais alegações seja concreto, e não lacônico, e, de outro (ii) que todas as razões apresentadas na decisão estejam amparadas (suportadas) em fatos e documentos constantes dos autos ou razões jurídicas extraídas do ordenamento. O dever de concretude, portanto, é um complemento ao dever de completude, estabelecendo como a decisão deve ser motivada” (LUCCA, Rodrigo Ramina de. O dever de motivação das decisões judiciais. 2. Ed. Salvador: Juspodivm, 2016, p. 232/233).

[8] A motivação das decisões penais. São Paulo: RT, 2001, p. 197.

[9] TUCCI, José Rogério Cruz e. A motivação da sentença civil. São Paulo: Saraiva, 1987, p. 18/19.

[10] Michele Tarruffo afirma que a decisão per relationem é inexistente: “Ainda, a motivação é inexistente se formulada per relationem, ou seja, quando o juiz (normalmente: o juiz do tribunal) não motiva sua decisão aduzindo suas razões para sustentá-la, remetendo às razões expressas por outro juiz (ou seja, normalmente, o juiz de primeiro grau). Ainda que a jurisprudência tenda a aumentar esse fenômeno – requerendo, no máximo, que o juiz explique porque recepciona a motivação do outro juiz – parece claro que, também nesse caso, verifica-se uma inexistência substancial da justificativa da decisão, visto que a motivação não exprime as razões pelas quais o juiz, decidiu daquele modo particular sobre os fatos da causa” (Uma simples verdade: o juiz e a construção dos fatos. Trad. Vitor de Paula Ramos. São Paulo: Marcial Pons. 2016, p. 274). 

[11] Por meio dessa prática nefasta ao sistema judicial uma sentença pode ser levada até a mais alta Corte do País, sem que seus fundamentos sejam sequer analisados e cotejados frente ao ordenamento.

[12] Entre multifárias decisões, destacam-se: RHC 116166, Relator:  Min. GILMAR MENDES, Segunda Turma, julgado em 27/05/2014, PROCESSO ELETRÔNICO DJe-124 DIVULG 25-06-2014 PUBLIC 27-06-2014; AI 738.982-AgR/PR, Rel. Min. JOAQUIM BARBOSA; AI 813.692-AgR/RS, Rel. Min. CELSO DE MELLO; MS 28.677-MC/DF, Rel. Min. CELSO DE MELLO; MS 28.989-MC/PR, Rel. Min. CELSO DE MELLO; RE 172.292/SP, Rel. Min. MOREIRA ALVES; HC 54.513/DF, Rel. Min. MOREIRA ALVES; RE 37.879/MG, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI; RE 49.074/MA, Rel. Min. LUIZ GALLOTTI) e AI 825.520-AgR-ED/SP, Rel. Min. CELSO DE MELLO).

[13] REsp 1112416/MG, Rel. Ministro HERMAN BENJAMIN, PRIMEIRA SEÇÃO, julgado em 27/05/2009, DJe 09/09/2009.

[14] Entre outros: STJ. 1ª Seção. EDcl no MS 21.315-DF, Rel. Min. Diva Malerbi (Desembargadora convocada do TRF da 3ª Região), julgado em 8/6/2016; REsp 1399997/AM, Rel. Ministro MAURO CAMPBELL MARQUES, SEGUNDA TURMA, julgado em 17/10/2013, DJe 24/10/2013; e AgInt no AREsp 1.178.297/ES, Rel. Ministro FRANCISCO FALCÃO, SEGUNDA TURMA, DJe de 13/08/2018).

[15] Lazy judge e fundamentação das decisões judiciais: ou quando exigir demais pode gerar um efeito contrário do pretendido. In Direito fora da caixa. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 245.

[16] “Não se trata de um juiz preguiçoso no sentido literal do termo, mas de alguém que adota a lei do menor esforço em tudo o que faz. Muito menos é um juiz burro. Pelo contrário. É apenas um juiz que usa seu intelecto na medida da estrita necessidade. Também não é necessariamente um juiz displicente, que deixa acumular processos ou falta ao trabalho. Afinal, como ele quer evitar qualquer tipo de problema, não dará margem para que questionem sua dedicação e, para isso, saberá fingir ser um juiz zeloso, pontual e produtivo. Sim, o lazy judge pode ser um juiz bem produtivo. Basta se cercar de bons assessores e desenvolver técnicas eficientes de julgamento que diminuam o esforço intelectual. Perceba que o lazy judge não é um juiz prevaricador, no sentido mais restrito do termo. Sua preocupação é apenas julgar de forma econômica, a fim de maximizar com eficiência o seu próprio ócio. Um lazy judge, por exemplo, terá um papel eminentemente passivo na instrução processual, evitando tomar qualquer iniciativa por conta própria, ainda que tal medida possa ser importante para a elucidação dos fatos. Também não assumirá voluntariamente qualquer responsabilidade que implique em aumento de carga de trabalho, nem desenvolverá nenhuma solução rebuscada que exija algo mais do que o bom ´feijão com arroz`. Provavelmente delegará a redação de quase todas as suas decisões aos assessores e será pouco criterioso no momento de assiná-las. Se ele estiver em um órgão colegiado, evitará abrir divergência com o relator para não ter que elaborar um voto contrário e ainda correr o risco de se tornar o relator para o acórdão. Sua decisão sempre se guiará pela seguinte máxima: havendo duas ou mais linhas de ação, escolha sempre aquela que gerar menos esforço. Enfim, o lazy judge é uma espécie de Macunaíma da magistratura, que adota o princípio da malemolência como estilo de vida” (Lazy judge e fundamentação das decisões judiciais: ou quando exigir demais pode gerar um efeito contrário do pretendido. In Direito fora da caixa. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 246/247).

[17] MARMELSTEIN, George. Op. cit. p. 248.

[18] Arriscaria em dizer que o devido processo legal configura uma das mais amplas e relevantes garantias do direito constitucional.

[19] CAMPILONGO, Celso Fernandes. Política, sistema jurídico e decisão judicial. 2. ed. São Paulo: Saraiva, 2011, p. 81/82.

[20] <https://emporiododireito.com.br/leitura/12-a-motivacao-escrita-e-a-escrita-da-motivacao>. Acesso: 13/5/2019.

[21] PERELMAN, Chaim. La motivation dés décisions de justice. Bruxelles: Centre Nationale de Recherches de Logique, 1978, p. 422.

[22][22][22] Bolacha ou biscoito cuja propaganda veiculada na mídia na década de 1980 dizia assim: “TOSTINES é fresquinho porque vende mais ou vende mais porque é fresquinho?” num enigma tautológico.

[23] Comportamento este que deve ser também exercido pela dogmática crítica, a qual tem um fundamental papel de constranger (Streck) e auxiliar a construir, sob pena de se tornar aquilo que denominei de “doutrina assessoria de imprensa”: aquela que antes de se manifestar sobre qualquer tema sempre espera e depois reproduz, ipsis litteris, em pretensos textos doutrinários, os julgamentos das Cortes de forma acrítica e autômato, desempenhando as funções dos órgãos de assessoria dos tribunais, com a vantagem ser mais eficaz, honesta, clara e, sobretudo, parcial.

 

Imagem Ilustrativa do Post: low angle photo // Foto de:Phillip Birmes // Sem alterações

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