ABDPRO #85 - OS HONORÁRIOS DE ADVOGADO NA DECISÃO INICIAL DA MONITÓRIA

15/05/2019

Coluna ABDPRO

Hoje iniciaremos uma série, nesta coluna da ABDPro, sobre a monitória e suas polêmicas a partir do texto previsto no CPC. Salientamos ao leitor, que o aprofundamento a esses temas se encontra publicado no artigo “A tutela monitória no CPC/15”, publicado na coletânea “Procedimento Especiais, Tutela Provisória e Direito transitório, da coleção Novo CPC, Doutrina Selecionada, vol. 4”, pela Editora JusPodivm (acesse o texto pelo academia.edu clicando aqui) e, com algumas reformulações e revisões de entendimento, nos comentários dos arts. 700 a 702 no “Novo Código de processo civil comentado, Tomo II”, da Editora LUALRI. Recomendamos, portanto, a leitura dessas produções aos interessados.

Passamos, portanto, ao tema dos honorários na decisão inicial da monitória. Como cediço, a decisão inaugural monitória é baseada na evidência do crédito descrito na prova escrita juntada pela parte autora, como consta do próprio texto do art. 701, primeira parte, do CPC.

Cabe ao juiz ao tomar conhecimento dos fatos da ação monitória e das provas carreadas analisar se a obrigação imputada ao requerido tem aparência de verdade. “Em termos práticos, conclui-se que o juiz, quando for analisar o pedido do mandado, há de fazê-lo ciente de que deve verificar apenas se há boa chance de os fatos constitutivos terem ocorrido. Realizará simples exame de aparência de veracidade – tendo em vista inclusive a provisoriedade da conclusão a que chegará. Desenvolverá, enfim, a atividade cognitiva nos únicos limites compatíveis com o momento procedimental.”[1]

Não é demais dizer que a decisão inicial positiva não se limita à citação do réu, pois necessariamente está atrelada à ordem dirigida ao réu para que cumpra a obrigação correlata. O pronunciamento em questão é sempre tomado inaudita altera parte, como já ocorria no procedimento do CPC/73, circunstância que foi devidamente reforçada e expressada pela dicção do art. 9º, parágrafo único, III, do CPC, pois excepciona a necessidade de ouvida prévia do réu[2].

O CPC determina, ao contrário do que ocorria no antigo código, que o julgador deverá fixar de plano os honorários advocatícios no patamar de 5% (cinco por cento) do valor atribuído à causa, para a hipótese de cumprimento espontâneo da obrigação. A novidade não anima.

O CPC/73 em seu artigo 1.102-C, § 1º estabelecia que se cumprida a obrigação o devedor ficaria isento de custas e honorários de advogado. O propósito da isenção era estimular o requerido a cumprir a obrigação sem mais delongas, dando fim ao procedimento e resolvendo, pela submissão o conflito, liberando-o de qualquer ônus sucumbencial (medida indutiva típica) [3].

Inobstante a regra em questão não tenha gerado os resultados esperados, já que pouquíssimas eram as obrigações cumpridas espontaneamente pelo devedor nesta fase inicial, não há dúvida que a inovação embora prestigie reivindicação antiga dos advogados, representa mais uma barreira para a implementação da “tutela diferenciada de direitos” que fundamenta a utilização, em si, da monitória. Representa, pois, um retrocesso em relação ao diploma anterior.

Certamente os poucos devedores que já cumpriam espontaneamente a obrigação pensarão duas vezes antes de realizar a prestação a que estão vinculados e, ainda, pagar ao advogado da parte adversa o correspondente à 5% do valor da causa (art. 701, in fine, do CPC) a título de honorários advocatícios sucumbenciais. O problema se agrava conforme o valor do crédito se exaspera. Certamente em prestações de grande vulto o devedor não se sentirá estimulado a cumpri-la tendo em vista o acréscimo de 5% sobre sua obrigação em razão da simples distribuição da petição inicial pelo advogado do requerente.

Outro problema neste ponto diz respeito à fixação dos honorários de advogado quando a Fazenda Pública for parte ré. Como cediço há regramento específico sobre a fixação de honorários de advogado neste caso. O art. 85, § 3º, do CPC estabelece em seus incisos o escalonamento dos honorários de advogado a depender do proveito econômico ou do valor da causa, sendo impossível determinar aquele critério (art. 85, § 4º, III, do CPC). Os três primeiros incisos do art. 85, § 3º apresenta, honorários advocatícios em patamar igual ou superior aos 5% referidos no art. 701. O problema fica mais sensível para as hipóteses apresentadas nos incisos IV e V do art. 85, § 3º do CPC.  No inciso IV, para as ações com proveito econômico entre 20.000 (vinte mil) salários mínimos até 100.000 (cem mil) salários mínimos os honorários devem ser fixados entre 3% a 5%. Ou seja, a decisão inicial da monitória nestes valores, teria pronta fixação de honorários de advogado para o cumprimento espontâneo da obrigação em grau equivalente ao máximo legal. Já no inciso V, para as ações com proveito econômico acima de 100.000 (cem mil) salários mínimos os honorários de advogado serão fixados entre o mínimo de 1% e o máximo de 3%.

Deste modo, o cumprimento da monitória pela Fazenda traria consequência sucumbencial mais gravosa para ela, pois teria que arcar com honorários de advogado de 5%, ou seja, acima do máximo legal.

Certamente a interpretação literal do art. 701, parte final, do CPC não é a solução constitucional para o caso de a Fazenda Pública estar no polo passivo da ação monitória. A mens legis na hipótese do dispositivo em comento, foi garantir ao advogado da parte autora – inobstante as críticas já apresentadas – honorários equivalentes à metade do mínimo legal (10%) constante no art. 85, § 2º, do CPC.

Tendo em mente essa premissa, é curial notar que a fixação de honorários sempre no patamar de 5% para o cumprimento espontâneo da obrigação pela Fazenda Pública na ação monitória representa regra que viola frontalmente o princípio da isonomia (art. 5º da CF/88), a caracterizar a inconstitucionalidade da norma (no sentido da hermenêutica jurídica de Gadamer). Com efeito, é necessário realizar a adequação constitucional da norma através da técnica da interpretação conforme à constituição, para que seja enunciada a única norma compatível com a carta magna.

Sob o prisma do princípio da igualdade, e atento ao tratamento que os honorários de sucumbência possuem no CPC, quer parecer mais adequado que na ação monitória contra a Fazenda Pública os honorários inaugurais sejam ficados pelo magistrado no equivalente à metade do mínimo legal previsto nos incisos do art. 85, § 3º, do CPC.

Deste modo, (i) nas ações em que o proveito econômico seja de até 200 (duzentos) salários mínimos os honorários de advogado devem ser fixados em 5% (inciso I); (ii) quando o proveito econômico variar de valor acima de 200 salário mínimos até 2.000 salários mínimos os honorários advocatícios devem ser fixados em 4% (inciso II); (iii) nas ações em que o proveito econômico estiver acima de 2.000 salários mínimos e não ultrapassar 20.000 salários mínimos os honorários serão estabelecidos em 2,5% (inciso III); (iv) nas hipóteses em que o proveito econômico estiver acima de 20.000 salários mínimos mas não ultrapassar 100.000 salários mínimos os honorários de advogado serão fixados em 1,5% (inciso IV); (v) por fim, no caso do proveito econômico ultrapassar 100.000 salários mínimos os honorários devem ser fixados em 0,5%.

Inobstante a visão ora apresentada sobre a temática já tenha sido objeto de discordância doutrinária por Heitor Sica, como se vê na nota de rodapé 128 de seus comentários ao art. 701 do CPC[4], não houve por parte do insigne processualista qualquer debate acerca da inconstitucionalidade apresentada. Seu argumento se restringiu à observância da regra especial dos honorários da monitória, conforme o brocardo lex specialis derogat legi generali, no entanto, como restou evidenciado, nossa análise está no plano da constitucionalidade do dispositivo.

Repisamos. essa é a interpretação consentânea com a constituição e a disciplina dos honorários de advogado contra a Fazenda Pública e com o objetivo de remuneração em padrões adequados do causídico que assistiu a parte autora.

De lege ferenda, embora ainda defendamos que a melhor solução seria a eliminação de honorários de advogado para cumprimento imediato da obrigação pelo devedor, é salutar que o legislador adote o entendimento ora apresentado para o tratamento da Fazenda Pública, pois é o único compatível com o texto constitucional, fixando os honorários de advogado no equivalente à metade do mínimo legal previsto nos artigos 85, §§ 2º e 3º, do CPC.

 

Notas e Referências

[1] Talamini, Eduardo. Tutela Monitória : a ação monitória – Lei 9.079/95 – 2. ed. – São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2001, p. 82.

[2] Sobre a constitucionalidade do dispositivo, ver por todos. STRECK, Lênio. DELFINO, Lúcio. SOUSA. Diego Crevelin de. Tutela provisória e contraditório: uma evidente inconstitucionalidade, Disponível em http://bit.ly/2HiFveP, acesso realizado em 13/05/5019.

[3] Cf. TALAMINI, Eduardo, Tutela monitória : a ação monitória – Lei nº 9.079/95, 2ª ed., Editora Revista dos Tribunais, 2001.

[4] SICA, Heitor. Comentários ao Código de Processo Civil, vol X, artigos 674 ao 718, São Paulo : Editora Revista dos Tribunais, 2016, p. 144.

 

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