ABDPro #47 - AS ALTERAÇÕES PROMOVIDAS PELA LEI Nº 13.256/2016: O JOGO DOS 7 ERROS

22/08/2018

 Coluna ABDPro 

Introdução

A Lei nº 13.256/2016 é originária do PL nº 2.384/2015, apresentado na Câmara dos Deputados em 15.7.2015[1], quatro meses após a promulgação da lei que instituiu o novo Código de Processo Civil. A sua promulgação ocorreu em 4.2.2016, ou seja, em menos de sete meses de tramitação e cerca de um mês antes da vigência da codificação. Ainda que tenham começado a viger conjuntamente, é importante destacar que a Lei nº 13.256/2015 promoveu significativas alterações no procedimento e julgamento dos recursos excepcionais disciplinados na redação original da Lei 13.105/2015[2].

A primeira delas, e mais óbvia, foi a retomada do duplo juízo de admissibilidade dos recursos especial e extraordinário, devolvendo aos tribunais ordinários a função de realizar um primeiro filtro dos pressupostos processuais recursais. Ocorre que essa alteração, nem de longe, é a mais importante ou impactante mudança promovida pela referida lei. Até porque, desde as codificações, cabia aos tribunais ordinários a função de evitar que recursos manifestamente inadmissíveis ocupassem a pauta dos tribunais superiores[3].

Tudo o mais que se alterou na redação originária da Lei nº 13.105/2015 foi feito, não em benefício do jurisdicionado, mas, ao contrário, em atenção ao utilitarismo das metas de diminuição de acervo dos tribunais superiores. Em que pese seja um consenso a necessidade de efetividade da tutela concedida pelo Estado ao jurisdicionado, é manifestamente equivocado concluir que a efetividade virá através do cerceamento do acesso desse mesmo jurisdicionado à instância extraordinária.

O cotejo entre a redação originária da Lei nº 13.105/2015 e a sua redação atual, com as alterações promovidas pela Lei nº 13.256/2016, evidencia inúmeras supressões de garantias dos jurisdicionados, fazendo lembrar a antiga brincadeira do “jogo dos 7 erros”, no qual se confrontam duas imagens que, conquanto parecidas, não são iguais, já que, numa delas, há erros que comprometem a coerência da imagem. E este breve texto tem como objetivo desfraldar os sete equívocos da lei que alterou a redação original do CPC quanto ao regime de admissibilidade dos recursos excepcionais, sem prejuízo de o leitor, mais astuto, encontrar outros tantos.

Os 7 erros da Lei nº 13.256/2016

1. Criação de obstáculos ao distinguishing e ao overruling das teses jurídicas firmadas pelos tribunais superiores:

O primeiro erro descoberto por esta autora surgiu da leitura da redação atual dos artigos 988 e 1.030 do CPC. Sem a pretensão de esgotar o tema, é importante evidenciar como o procedimento previsto pela Lei nº 13.256/2016 impõe obstáculos ao distinguishing e ao overruling das teses jurídicas firmadas pelos tribunais superiores.

O artigo 1.030, após elencar, em inúmeros incisos, quais providências poderiam ser tomadas pelo tribunal ordinário ao receber um recurso especial e/ou extraordinário, dispõe, em seu parágrafo segundo que “da decisão proferida com fundamento nos incisos I e III caberá agravo interno, nos termos do art. 1.021”.

Como se verifica, ao contrário da redação original da norma – que previa o exercício do juízo de admissibilidade de todo e qualquer recurso excepcional pelo respectivo tribunal superior –, a redação atual impede o acesso do jurisdicionado ao tribunal superior, caso o seu recurso tenha sido inadmitido com fundamento em decisão estabelecida como vinculante pelo CPC. Nesta hipótese caberá, tão somente, a interposição de agravo interno ao próprio tribunal ordinário.

Pergunta-se: e se o tribunal ordinário aplicou equivocadamente uma tese jurídica a um caso que não a comportaria, como o jurisdicionado pode levar essa questão ao tribunal superior, que firmou a tese e deveria, por óbvio, dar a última palavra sobre a sua aplicação? A resposta, de acordo com a atual redação do CPC é: não pode[4].

E nem mesmo a reclamação, cujas hipóteses de cabimento foram ampliadas na atual codificação, poderá ser manejada neste caso, já que o artigo 988, § 5º, II, do CPC determina que a reclamação é cabível somente para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida ou de acórdão proferido em julgamento de recursos extraordinário ou especial repetitivos”. Não há previsão, como se vê, do cabimento do instituto para oportunizar ao jurisdicionado que o distinguishing seja realizado pelo tribunal que firmou a tese jurídica[5].

Tal obstrução, levada ao limite, impedirá, ainda, a própria superação das teses jurídicas firmadas pelos tribunais superiores. Veja-se que, se todos os tribunais ordinários, em cumprimento ao quanto imposto pela Lei nº 13.256/2016, barrarem recursos interpostos contra acórdãos supostamente alinhados com teses jurídicas, não chegarão aos tribunais superiores os argumentos do recorrente que pretende demonstrar que determinada tese jurídica se encontra superada. Apenas os recursos interpostos pelos jurisdicionados que pretendem a aplicação da tese jurídica serão remetidos à instância extraordinária, oportunidade em que o jurisdicionado vencedor, em suas contrarrazões, argumentará pela superação da tese jurídica.

Em outras palavras, o cenário atual é o seguinte: o tribunal superior, tal como um legislador, firmará uma tese de direito, geral e abstrata, e dela se separará, já que a sua interpretação e aplicação caberá aos magistrados de primeiro grau e tribunais ordinários, cabendo a estes últimos a palavra final na realização do distinguishing, bem como zelar pela obstrução – ainda que não seja absoluta – do overruling.

2. Atribuição de “efeito vinculante” à decisão de mérito proferida em recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida:

Sem a pretensão de adentrar no debate a respeito da constitucionalidade da imposição, por lei ordinária, de caráter geral, abstrato e obrigatório a algumas espécies de enunciados e decisões judiciais, para a identificação do “segundo erro” vislumbrado na Lei nº 13.256/2016, tomar-se-á como premissa, sem maiores questionamentos, que o CPC, no artigo 927, impôs a observância obrigatória (i) à decisão proferida em sede de controle de constitucionalidade; (ii) aos enunciados de súmula vinculante e súmula não vinculante; (iii) às decisões proferidas no julgamento de recursos especial e extraordinário repetitivos; (iv) às decisões proferidas em incidente de assunção de competência; (v) às decisões proferidas em sede de incidente de resolução de demandas repetitivas; (vi) às decisões proferidas pelo plenário ou órgão especial, vinculantes apenas ao próprio tribunal.

Considerando o ineditismo dessa iniciativa no direito pátrio, há que se interpretar, de maneira restritiva, a imposição de observância obrigatória às teses jurídicas fixadas por tribunais, sendo certo que devem ficar restritas, ao menos, ao rol previsto no artigo 927 do CPC. A lei nº 13.256/2016, no entanto, ao alterar os artigos 988 e 1.030 da redação originária do Código de Processo Civil, incluiu mais uma hipótese de decisão judicial que terá observância obrigatória, qual seja, a decisão que julgar o mérito de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida. A referida alteração, no entanto, não se estendeu, como deveria, aos artigos 927 e 1.035 do CPC, o que ensejou, como se verá, um esdrúxulo regime no qual a decisão terá efeito vinculante a depender da fase processual em que se encontrem os demais processos.

Explica-se.

A Lei nº 13.256/2016, ao alterar o artigo 1.030 do CPC, determinou, no inciso I, alínea ‘a’, que o tribunal ordinário poderá negar seguimento ao recurso extraordinário cujo acórdão que “esteja em conformidade com entendimento do Supremo Tribunal Federal exarado no regime de repercussão geral”. Ou seja, não mais apenas a decisão que deixar de reconhecer a repercussão geral de determinada questão constitucional (esta, sim, prevista constitucionalmente) será de observância obrigatória, mas, agora, a decisão que julgar o mérito do recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, de acordo com a redação da Lei nº 13.256/2016, também vinculará.

Observe-se, no entanto, que a vinculação se restringe à fase de admissibilidade recursal realizada pelo tribunal de origem. Isso porque o artigo 1.035 – que disciplina o processamento da repercussão geral – nada diz a respeito de eventual vinculação, a todos os juízos e tribunais, da decisão que julgar o mérito de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida. Tampouco o artigo 927 foi alterado para incluir, em seus incisos, mais uma hipótese de decisões de natureza vinculante. Por derradeiro, a nova redação do artigo 988, § 5º, II do CPC determina o cabimento de reclamação “para garantir a observância de acórdão de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida [...] esgotadas as instâncias ordinárias”, sendo certo, portanto, que as instâncias ordinárias não são obrigadas a observá-la.

O que se conclui, portanto, é que a Lei 13.256/2016 criou um regime de vinculação – no caso de tese jurídica firmada no julgamento de mérito de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida – restrito apenas à fase do juízo de admissibilidade recursal realizado pelo tribunal ordinário. E essa restrição releva que o objeto da alteração legislativa é a diminuição do acervo do Supremo Tribunal Federal, em prejuízo ao acesso do jurisdicionado ao STF.

Vale notar, ainda, que o regime dos recursos repetitivos possui disciplina que prevê a intervenção de amicus curiae e realização de audiência pública, com o objetivo de ampliar o debate para a construção da tese vinculante, o que não ocorre no julgamento de mérito do RE com repercussão geral reconhecida. Ademais, as mesmas dificuldades, acima destacadas, para realização de distinguishing e overruling também são aplicáveis nesta hipótese, já que contra a decisão que inadmitir o recurso extraordinário caberá, tão somente, agravo interno ao órgão especial do tribunal ordinário.

3. Nova disciplina do procedimento de admissibilidade recursal marcada por evidente equívoco técnico:

Dizer que a Lei nº 13.256/2016 retomou o procedimento de admissibilidade recursal dos recursos excepcionais previsto no CPC/73 revela-se manifestamente incorreto. Isso porque o artigo 1.030 estabeleceu novo procedimento faseado da seguinte maneira:

(i) o juízo que realizar a admissibilidade recursal deverá, antes de tudo, verificar se o acórdão recorrido é compatível com decisões de observância obrigatória, oportunidade em que deverá, de plano, inadmitir os recursos especial e extraordinário;

(ii) em seguida, verificará se a questão de direito controvertida se encontra afetada para apreciação pelos tribunais superiores, em regime cuja decisão final, nos termos do artigo 927, do CPC/15, terá efeito vinculante;

(iii) caso o acórdão esteja desalinhado com entendimento de observância obrigatória firmado pelo Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, deverá a Presidência ou Vice-Presidência do Tribunal ordinário determinar o retorno dos autos à Câmara que prolatou o acórdão recorrido para que seja exercido juízo de retratação, em atenção à decisão já proferida pelos tribunais superiores;

(iv) caso perceba que a questão de direito não possui entendimento pacificado pelos tribunais superiores, ou tampouco seja objeto de afetação, poderá selecionar o recurso e sugerir a afetação da questão controvertida ao tribunal superior, nos termos do artigo 1.036, § 6º, do CPC/15;

(v) somente após a verificação de todas essas providências, deverá a Presidência ou Vice-Presidência do Tribunal ordinário realizar juízo de admissibilidade do recurso especial ou extraordinário.

A redação dada pela Lei nº 13.256/2016 é clara ao dispor que a realização do juízo de admissibilidade recursal ocorrerá como quinta e última providência, ao mencionar, expressamente, que o recurso somente será remetido aos tribunais superiores caso “o recurso ainda não tenha sido submetido ao regime de repercussão geral ou de julgamento de recursos repetitivos”; ou não “tenha sido selecionado como representativo de controvérsia”; ou caso “o tribunal recorrido tenha refutado o juízo de retratação”.

Ou seja, resta evidente que a nova lei estabeleceu que é prioritário verificar questões relacionadas à existência de decisão ou afetação de questão de direito pelos tribunais superiores, aplicando as consequências jurídicas ali previstas, para, somente ao final, verificar a existência dos pressupostos de admissibilidade recursal.

Importa observar, no entanto, que postergar o juízo de admissibilidade recursal para momento ulterior a providências como o sobrestamento de um recurso ou a sua devolução para o órgão colegiado que proferiu o acórdão encerra manifesto erro técnico, já que a ausência de pressuposto intrínseco de admissibilidade recursal deverá conduzir, logicamente, à inadmissibilidade do recurso. O novo regime estabelecido pela Lei nº 13.256/2016 permitirá situações absurdas como o sobrestamento ou a seleção de um recurso a despeito do prequestionamento da norma apontada como violada, ou mesmo a devolução dos autos para exercício do juízo de retratação ainda que o recurso especial seja intempestivo[6].

Ao que parece, para o novo regime de admissibilidade dos recursos excepcionais, mais importa barrar o envio de novos recursos aos tribunais superiores – já que os pronunciamentos previstos nos incisos I a IV, do artigo 1.030, do CPC, ou são irrecorríveis ou recorríveis apenas por meio de agravo interno ao próprio tribunal ordinário –, do que proceder de forma técnica, através da imprescindível verificação dos pressupostos recursais, alguns deles, inclusive, impostos pela Constituição Federal, como o prequestionamento.

4. Prejuízo à unirrecorribilidade recursal:

O princípio da unirrecorribilidade recursal é, certamente, um dos norteadores do sistema recursal brasileiro. A previsão de cabimento de apenas um recurso contra uma decisão é imperativo lógico do devido processo legal e da segurança jurídica, afinal, a norma não pode colocar o jurisdicionado em dúvida quanto à espécie recursal cabível, sob pena de causar grave prejuízo à garantia da ampla defesa.

Não se desconhece a hipótese de, numa mesma decisão, haver capítulos independentes que demandam, em razão desta referida independência, recursos distintos. É o caso, portanto, da decisão que, de uma só vez, se pronuncia sobre antecipação de tutela e a respeito de questões sobre pressupostos processuais ou condições da ação. Por certo, de acordo com a nova sistemática de taxatividade da recorribilidade imediata das decisões interlocutórias proferidas em primeira instância, contra o primeiro capítulo desta decisão caberá agravo de instrumento, nos termos do artigo 1.015, I, do CPC/15, ao tempo em que, contra o segundo capítulo, caberá apelação, de acordo com o artigo 1.009, § 1º, do CPC/15.

O raciocínio, com efeito, aplica-se na hipótese em que houver inadmissibilidade de um recurso excepcional por meio de decisão com capítulos autônomos. Isso porque, a Presidência ou Vice-Presidência do Tribunal ordinário poderá inadmitir o recurso especial, por violação à norma “X”, em razão de o acórdão recorrido estar alinhado com entendimento firmado em recurso especial repetitivo; ao tempo em que poderá também inadmitir o recurso, por violação à norma “Y”, por entender que a questão tem natureza fática (súmula nº 7 do STJ ou 279 do STF). É induvidoso, portanto, que, quanto ao primeiro capítulo caberá a interposição de agravo interno, com fundamento no artigo 1.030, § 1º, do CPC/15, e quanto ao segundo capítulo caberá agravo aos tribunais superiores, com fundamento no artigo 1.030, § 2º, do CPC/15[7].

Questão mais complexa ocorre quando um dos capítulos do recurso especial ou extraordinário (violação à norma “X”) é rejeitado por mais de um fundamento, por exemplo, (i) reconhecimento de ausência de repercussão geral; e (ii) deficiência na fundamentação recursal (súmula 284-STF). Sendo certo que a admissibilidade desse recurso extraordinário, com relação à alegação de violação à norma constitucional “X”, deverá superar estes dois fundamentos, ambos devem ser impugnados, sob pena de que permaneça a decisão de inadmissibilidade ao menos por uma das razões.

Ocorre que, no exemplo em referência, caberão dois recursos contra o mesmo capítulo da decisão, um recurso para cada um dos fundamentos do mesmo capítulo. Contra o primeiro fundamento caberá agravo interno, ao tempo em que, contra o segundo, caberá o agravo do artigo 1.042, do CPC/15, situação até então inédita no ordenamento jurídico brasileiro, e em manifesto descompasso com o princípio da unirrecorribilildade.

5. Grave prejuízo ao dever de fundamentação das decisões judiciais:

Não obstante tenha sido louvável a inserção de uma norma que identifica, de maneira clara, objetiva e exemplificativa, hipóteses de decisões judiciais maculadas por ausência de fundamentação, a Lei nº 13. 256/2016 promoveu alterações que enfraquecem os louros da redação originária do Código, que primava por combater o grave déficit de qualidade na fundamentação das decisões proferidas pelo Poder Judiciário brasileiro.

Importa, aqui, destacar apenas duas delas. A primeira diz respeito à revogação do artigo 1.029, § 2º, do CPC/15, segundo o qual “quando o recurso estiver fundado em dissídio jurisprudencial, é vedado ao tribunal inadmiti-lo com base em fundamento genérico de que as circunstâncias fáticas são diferentes, sem demonstrar a existência da distinção”. Ou seja, a redação originária da norma previa a proibição de prática viciada, porém comum, da magistratura, que, ao negar seguimento a recurso, por entender que sua fundamentação seria genérica, emprega, para tanto, fundamentos igualmente genéricos.

Ademais, a Lei nº 13.256/2016 alterou a redação do artigo 1.038, § 3º, do CPC/15, que previa, em seu texto original, a obrigação do colegiado, ao julgar recurso especial ou extraordinário repetitivo, de analisar “todos os fundamentos da tese jurpidica discutida, favoráveis ou contrários”. A redação atual dispõe que “o conteúdo do acórdão abrangerá a análise dos fundamentos relevantes da tese jurídica discutida”. Em suma, de acordo com a redação atual, deixou de exigir-se a indispensável fundamentação analítica das decisões judiciais, sobretudo daquelas que terão, de acordo com o art. 927 do CPC, observância obrigatória, para tornar possível o emprego do jargão, muito comum na magistratura, inclusive dos tribunais superiores, segundo o qual o tribunal não está obrigado a analisar todos os argumentos da parte.

E, ainda que se diga que o artigo 489, § 1º, do CPC/15, permanece vigente e com abrangência sobre as decisões acima mencionadas – afirmativa com a qual se concorda plenamente –, não se pode perder de vista que as alterações destacadas revelam evidente desprestígio ao dever de fundamentação das decisões judiciais, em benefício do utilitarismo das metas de encerramento de casos, e em manifesto prejuízo direito do jurisdicionado ao contraditório substancial.

Afinal, a fundamentação das decisões judiciais é um dever do Estado. E esse dever é contraposto ao direito do jurisdicionado em pleitear tutela jurisdicional, cuja prestação não está restrita apenas ao dispositivo da decisão judicial. Afinal, o Estado não pode impor condutas aos jurisdicionados sem se pronunciar sobre os fundamentos apresentados pelas partes, sobretudo por aquela que sucumbiu. Do contrário, a tutela prestada será nula, porque não responderá às questões debatidas entre as partes, e o Estado não terá cumprido seu dever[8].

Esse dever, portanto, nem precisaria estar previsto no Código de Processo Civil, já que se encontra contemplado na Constituição Federal (art. 93, IX). A previsão do dever de fundamentação das decisões judiciais na legislação processual, em inúmeras normas, tais quais, por exemplo, os artigos 11 e 489, § 1º, do CPC, não surgiu para dizer o óbvio ou repetir o que a Constituição já consagrou. Ela decorre da necessidade de combater prática recorrente na jurisprudência brasileira atinente à prolação de decisões vazias de fundamentação. E as alterações promovidas pela Lei 13.256/2016, conquanto, em absoluto, eximam o magistrado do seu dever constitucional, enfraquecem uma das melhores iniciativas do CPC/15.

6. Revogação da limitação do prazo de suspensão dos processos em caso de afetação de questão de direito por tribunal superior:

Nesse “jogo dos 7 erros”, cabe destacar, ainda, outro equívoco cometido pela Lei nº 13.256/016, a saber: a revogação dos artigos 1.035, § 10º e 1.037, § 5º, do CPC/15, que dizem respeito, respectivamente, à limitação, em um ano, do prazo de suspensão nacional de processos em caso de (i) julgamento de mérito de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida; e (ii) afetação de questão de direito para julgamento de recurso especial ou extraordinário repetitivo.

É certo que esta autora defende a qualidade das decisões judiciais e segurança jurídica acima do utilitarismo das metas de encerramento de casos, ou seja, há que se valorizar, sempre, um julgamento qualificado, por meio do qual as partes tenham respondidos todos os seus argumentos. Ocorre que a possibilidade de suspensão de todos os processos, em âmbito nacional, por tempo indeterminado, mais prejudicará o jurisdicionado do que o ajudará, considerando, sobretudo, que não é incomum os tribunais superiores levarem inúmeros anos para julgar um recurso afetado[9].

A revogação das referidas normas, por certo, se presta muito mais a dar um conforto aos magistrados dos tribunais superiores, para que consigam desafogar as centenas de questões já afetadas para julgamento, bem como para prestigiar, ao máximo, o produto destes futuros julgamentos – as decisões de observância obrigatória. Às centenas, milhares ou milhões de jurisdicionados envolvidos em demandas que tenham sido suspensas por determinação dos tribunais superiores, resta, apenas, aguardar, por prazo indeterminado, a solução jurídica que será aplicada ao seu caso.

O prestígio à nova técnica de resolução de conflitos repetitivos poderá, ainda, ensejar situações de absoluto travamento nas engrenagens do Poder Judiciário, como nas hipóteses de afetação de questões abrangentes. Nesses casos, a possibilidade de suspensão das ações individuais e coletivas em todo o país, por tempo indeterminado, revela-se altamente prejudicial. Como exemplo, cite-se o Tema 897 do Supremo Tribunal Federal, em que se discute a “prescritibilidade da pretensão de ressarcimento ao erário em face de agentes públicos por ato de improbidade administrativa”[10]. Em 14.6.2016, foi determinada a suspensão nacional de todos os processos em que se debate a matéria. Em suma, qualquer ação de improbidade administrativa, na qual a defesa do réu alegue a prescrição da pretensão ressarcitória, deveria ter sido suspensa por prazo indeterminado, em manifesto prejuízo ao interesse público e aos cofres públicos.

Ocorre que a conclusão do julgamento ocorreu recentemente, mais de dois anos após a decisão de sobrestamento. Por certo, se fosse mantida a redação original da Lei nº 13.105/2015, o processamento das ações até então suspensas já teria sido retomado, muitos dos quais já poderiam ter sido julgados, e a aplicação da tese jurídica fixada pelo plenário do Supremo Tribunal Federal ficaria restrita aos casos futuros.

7. Restrição das hipóteses de cabimento dos embargos de divergência:

Por derradeiro, como se disse, sem prejuízo da identificação de outros equívocos trazidos pela norma em comento, o sétimo e último erro localizado por esta autora foi a redução do objeto dos embargos de divergência, por meio da revogação dos incisos II e IV, do artigo 1.043, do CPC/15.

A redação originária do artigo 1.043 do CPC/15 previa quatro hipóteses de oposição dos embargos de divergência, quais sejam: (i) divergência entre o acórdão embargado e acórdão de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, de mérito; (ii) divergência entre o acórdão embargado e acórdão de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo os acórdãos, embargado e paradigma, relativos ao juízo de admissibilidade; (iii) divergência entre o acórdão embargado e acórdão de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, sendo um acórdão de mérito e outro que não tenha conhecido do recurso, embora tenha apreciado a controvérsia; (iv) divergência entre o acórdão embargado e acórdão de qualquer outro órgão do mesmo tribunal, nos feitos de competência originária.

A alteração promovida pela Lei nº 13.256/2016, no entanto, retirou as hipóteses de cabimento do recurso, se a questão controvertida disser respeito à admissibilidade recursal (inciso II), bem como a possibilidade de interposição do recurso nos feitos de competência originária (inciso IV). É possível que os leitores se perguntem qual seria o prejuízo destas exclusões, considerando que a própria Lei nº 13.256/2016 inseriu o § 2º, no artigo 1.042, para prever o cabimento do regime de repercussão geral e recursos repetitivos no agravo em recurso especial/extraordinário, bem como considerando a possibilidade de o IAC consolidar teses jurídicas nos feitos de competência originária dos tribunais superiores.

Qual seria, então, o prejuízo? Por que esta alteração está incluída no jogo dos 7 erros? A resposta é simples: ao restringir as hipóteses de cabimento dos embargos de divergência e deixar o debate das questões para agravos em regime repetitivo e IAC, a Lei nº 13.256/2016 retirou do jurisdicionado a faculdade de requerer, perante o tribunal superior, a uniformização de tese jurídica, iniciativa que ficou restrita à atuação dos magistrados, nas hipóteses ora em destaque. Trata-se, evidentemente, de alteração que promove o empoderamento do magistrado em detrimento das garantias do jurisdicionado, tal como as demais alterações destacadas neste texto.

Conclusão

As conclusões desta breve análise são as seguintes: (i) é evidentemente equivocado afirmar que a Lei nº 13.256/2016 tão somente restabeleceu o duplo juízo de admissibilidade dos recursos excepcionais ou mesmo retomou o procedimento previsto pelo CPC/73; (ii) a Lei nº 13.256/2016 alterou a redação original do Código de Processo Civil, no que pertine ao regime dos recursos excepcionais, para restringir o acesso do jurisdicionado aos tribunais superiores, que não mais farão o controle da correta aplicação das decisões vinculantes por eles produzidas, impondo empecilhos à realização de distinguishing e overruling pelo STJ e STF; (iii) a Lei nº 13.256/2016 ampliou as hipóteses de decisões de observância obrigatória, incluindo a decisão de mérito de recurso extraordinário com repercussão geral reconhecida, ao tempo em que retirou do jurisdicionado – ao restringir as hipóteses de cabimento dos embargos de divergência – a faculdade de requerer, para o seu caso, a uniformização de tese jurídica, reforçando o poder do magistrado em prejuízo das garantias das partes; (iv) a Lei nº 13.256/2016 contém equívocos de natureza técnica, seja por relegar para o último momento a apreciação dos imprescindíveis requisitos de admissibilidade dos recursos de fundamentação vinculada, seja porque criou uma exceção ao princípio da unirrecorribilidade recursal; (v) a Lei nº 13.256/2016 é manifestamente contraditória, porquanto, em que pese tenha introduzido alterações que desprestigiem o dever de fundamentação das decisões judiciais, em atenção à efetividade processual, retirou a limitação do prazo de suspensão nacional, o que reforçará a tão comumente criticada morosidade do Poder Judiciário.

 

Notas e Referências

[1] http://www.camara.gov.br/proposicoesWeb/fichadetramitacao?idProposicao=1580174

[2] A lei em referência promoveu, ainda, alteração na disciplina de julgamento dos processos por ordem cronológica, para, mais que flexibilizar, fragilizar o instituto (artigos 12 e 153, do CPC); bem como alterou o artigo 537, § 3º, para determinar que o levantamento do valor pago a título de multa diária deverá ocorrer apenas após o trânsito em julgado.

[3] CPC/73, artigo 541; CPC/39, artigo 865.

[4] Nelson Nery Jr. e Georges Abboud defende em artigo publicado na REPRO que “[...] caso o órgão colegiado do tribunal a quo mantenha a decisão recorrida por agravo interno, quer porque não conheceu do agravo, quer porque lhe negou provimento, dessa decisão colegiada cabe o agravo ao Tribunal Superior, dado que a competência definitiva para a admissibilidade do RE/REsp é, sempre, do tribunal ad quem isto é, do STF e do STJ, conforme o caso, a fim de que se dê operatividade e cumprimento aos comandos emergentes da CF 102 III e 105 III” (In: Recursos para os Tribunais Superiores e a Lei 13.256/2016. REPRO, vol. 257/2016, p. 217-235, jul/2016. Por outro lado, Fredie Didier defende que “a reclamação é cabível, não apenas nos casos em que os precedentes e a súmula vinculante não sejam observados, mas também quando houver aplicação indevida da tese jurídica neles contida”. In: Curso de Direito Processual Civil – Meios de impugnação às decisões judiciais e processos nos tribunais. Salvador: Juspodivm, 2018, p. 652.

[5] Diversamente do que ocorre com os institutos do IAC e IRDR, já que o artigo 988, § 4º, do CPC prevê que “as hipóteses dos incisos III e IV compreendem a aplicação indevida da tese jurídica e sua não aplicação aos casos que a ela correspondam”. Ou seja, caso a tese jurídica firmada em IAC e IRDR seja mal aplicada pelas instâncias inferiores, caberá reclamação ao órgão prolator da decisão vinculante para realizar o distinguishing.

[6] Tanto é assim que o art. 1035, §§ 6º e 7º, bem como o art. 1.036, §§ 2º 3º admitem que o interessado requeira a inadmissibilidade de recurso sobrestado, se ele for intempestivo, evidenciando a inversão da técnica e da lógica.

[7] Nesse sentido, o enunciado nº 77 da I Jornada de Direito Processual Civil, realizada pelo Conselho da Justiça Federal, dispõe que “Para impugnar decisão que obsta trânsito a recurso excepcional e que contenha simultaneamente fundamento relacionado à sistemática dos recursos repetitivos ou da repercussão geral (art. 1.030, I, do CPC) e fundamento relacionado à análise dos pressupostos de admissibilidade recursais (art. 1.030, V, do CPC), a parte sucumbente deve interpor, simultaneamente, agravo interno (art. 1.021 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos recursos repetitivos ou repercussão geral e agravo em recurso es- I JORNADA DE DIREITO PROCESSUAL CIVIL – Enunciados aprovados 20 pecial/extraordinário (art. 1.042 do CPC) caso queira impugnar a parte relativa aos fundamentos de inadmissão por ausência dos pressupostos recursais”.

[8] Cf. Alfredo Rocco, a atividade jurisdicional é um dever do Estado, que adimplirá sua obrigação com a prolação de sentença. Esta sentença deverá estar adstrita ao pedido e deverá se pronunciar apenas sobre os fatos e questões colocadas pelas apertes. Confira-se: “Alla facoltà adunque, compersa nel diritto d’azione, di ottenere dallo Stato l’accertamento di ciò che è diritto nei casi concreti, corresponde lóbbigo, comperso nel dovere genérico dello Stato di prestar ela tutela giuridica processuale, di fare tale accertamento: la sentença è l’atto com cui lo Stato adempie a questo suo obbligo. Ma, come vi à corrispondenza perfetta tra quella facoltà e questo obbligo, così deve esservi corrispondenza tra gli atti, in cui quella facoltà se explica, e l’atto, com cui questo obbligo si adempie. È dunque principio generale che la sentenza deve corrispondere all’azione.Questo principio se explica in uma dúplice direzione. Esso importa: a) che uk guidice debba pronunciare su tutto ciò che viene domandato, e solo su ciò che viene domandato: ossia su tutte le questioni sottopostegli e solo su queste; b) che il guidice debba pronunciare in base a tutti gli elementi di fato portati in appoggio dele pretese fatte valere dalle parti nelle loro domande, e solo in base a questi elementi.”: In: ROCCO, Alfredo. La sentenza civile. Milano: Giuffrè, 1962, p. 98-99.

[9] De acordo com Dierle Nunes e Antônio Aurélio de Souza Viana, “Perceba-se que a discussão ganha enorme relevo quando se verifica não ser incomum um julgamento de caso repetitivo, no Superior Tribunal de Justiça e Supremo Tribunal Federal, gastar inúmeros anos para ser realizado. Em pesquisa da FGV se noticiou um julgamento de Recurso Extraordinário no STF que perdurou por mais de duas décadas.”. Nunes, Dierle e Viana, Antônio Aurélio de Souza. Suspensão integral de processos em recursos repetitivos preocupa. Disponível em https://www.conjur.com.br/2017-mai-31/opiniao-suspensao-integral-processos-repetitivos-preocupa. Acesso em 4ago2018.

[10] Tema oriundo da afetação do Recurso Extraordinário nº 852.475/SP, inicialmente de relatoria do Ministro Teori Zavascki, e, atualmente, de relatoria do Ministro Alexandre de Moraes, que lavrou o voto até então acompanhado por mais quatro ministros, no sentido de reconhecer a prescrição da pretensão ressarcitória. O recurso extraordinário foi interposto em 14.11.2014, e o acórdão que reconheceu a repercussão geral do tema foi proferido pelo plenário em 20.5.2016. A decisão que determinou a suspensão nacional dos processos que tratam do tema foi proferida em 14.6.2016 e a conclusão do julgamento se deu apenas em 8.8.2018, mais de dois anos após a decisão de sobrestamento.

 

 

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