Coluna ABDPro
O Novo Código de Processo Civil trouxe inúmeras alterações e inovações na ordem jurídica, dentre elas o novo regime de custas, que alarga as possibilidade de decisão do magistrado em termos de concessão de gratuidade da justiça para além do binômio deferimento/indeferimento, agora possibilitando o deferimento parcial revelado em redução percentual do valor (art. 98, §5º, primeira parte), gratuidade para atos específicos. (art. 98, §5º, segunda parte) ou pagamento parcelado do valor ou (art. 98, §6º).
Importa destacar que, para fazer jus à gratuidade da justiça, não é obrigatória a representação judicial da parte pela Defensoria Pública, entendimento este já há muito aceito, apesar de decisões pontuais em sentido diverso, mas que o Novo CPC deixou expresso no art. 99, §4º:
Art. 99 (…) § 4o A assistência do requerente por advogado particular não impede a concessão de gratuidade da justiça.
Assim, a parte que não detém condições de arcar com as custas processuais e honorários pode requer a gratuidade da justiça independentemente de estar assistida no processo por advogado particular ou defensor público, até porque infelizmente não há Defensoria Pública instalada em todas as comarcas ou junto a todos as unidades judiciárias.
A questão que o presente artigo trata se refere à inovação trazida no art. 99, §5º de que:
Art. 99 (…) § 5o Na hipótese do § 4o, o recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados em favor do advogado de beneficiário estará sujeito a preparo, salvo se o próprio advogado demonstrar que tem direito à gratuidade.
Antes do CPC 2015, o entendimento seria de que, não obstante fosse concorrente a legitimidade[2] recursal para discutir o quantum fixado nos honorários de sucumbência, o recolhimento dos valores correspondentes ao preparo do recurso dependeria de quem o interpusesse: se fosse a parte beneficiada pela gratuidade, estaria isento de preparo[3]; por outro lado, se fosse o causídico o autor do recurso, em nome próprio, este deveria recolher as custas.
O Novo CPC veio por fim à questão, pelo menos no ponto de vista da necessidade de recolhimento de preparo, em que, independentemente de quem seja o recorrente, se o autor da ação ou seu advogado, a verba deverá ser recolhida, salvo se o próprio advogado for beneficiário da gratuidade da justiça, hipótese em que deverá requerer o benefício direta e expressamente.
Para além disso, ficou firmada a legitimidade ordinária recursal do advogado, que migra de representante judicial para parte, defendendo em seu nome um direito próprio, já que os honorários incluídos na condenação a ele pertencem (art. 23, EOAB). É que:
“ A legitimidade e o interesse para o processo constituem, agora mais do que nunca, são posições processuais dinâmicas, devendo ser aferidos a cada momento processual, e em relação ao conteúdo da prestação jurisdicional buscada e a forma (procedimento) com que se busca”[4]
Entretanto, o que ocorre se a parte for assistida pela Defensoria Pública e houver necessidade de interpor recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados?
Logicamente persiste a legitimidade recorrente, se revelando a dinamicidade na posição processual assumida pelo Defensoria Pública – aliás, a instituição é rica em hipóteses de alteração de papel exercido no processo[5] - , que, de representante judicial da parte no processo, se transforma ela mesmo em parte recursal, atuando em legitimação ordinária, pois em nome próprio busca a promoção de seu próprio direito ao recebimento da verba sucumbencial decorrente de seus serviços.
A legitimidade ordinária da Defensoria Pública se dá em defesa de interesses institucionais secundários, i.e., interesses instrumentais e organizacionais da própria instituição que visam indiretamente a realização de sua missão, como nas hipóteses de executar e receber as verbas sucumbenciais decorrentes de sua atuação (art. 4º, XXI, Lei Complementar nº 80/94) ou de impetrar habeas corpus, mandado de injunção, habeas data e mandado de segurança[6] ou qualquer outra ação[7] em defesa das funções institucionais e prerrogativas de seus órgãos de execução (art. 4º, IX, Lei Complementar nº 80/94).
Um exemplo concreto de recurso que trata exclusivamente sobre verbas sucumbenciais é o caso tratado no RE 1.140.005 em que a parte recorrente, representada pela Defensoria Pública da União, recorreu em face do Acórdão do TRF da 2ª Região que determinou o afastamento da condenação da União ao pagamento de honorários advocatícios ao fundamento de que a DPU faz parte da União e por isso ocorreria o instituto civil da confusão.
Apesar de não ser objeto do presente artigo a questão de fundo do RE 1.140.005, algumas palavras são necessárias.
A jurisprudência nacional firmou entendimento, depois cristalizado na Súmula 421, de que os honorários advocatícios não são devidos à Defensoria Pública quando ela atua contra a pessoa jurídica de direito público à qual pertença, porque em sendo o orçamento da Defensoria Pública oriundo dos cofres do mesmo ente público, ocorreria a confusão. Tal entendimento foi posteriormente aplicado às outras entidades da Administração Indireta que integrem a mesma Fazenda Pública (STJ - REsp 1199715/RJ).
Apesar dos esforços das Defensorias Públicas em demonstrar que o padrão normativo em que fora construído o precedente já havia sido ultrapassado, esse entendimento vinha firme até a decisão do STF no AR 1937 AgR, Rel. Min. Gilmar Mendes, julgado em 30/06/2017. Neste julgamento ficou assentado que “após as ECs 45/2004, 74/2013 e 80/2014, passou a ser permitida a condenação do ente federativo em honorários advocatícios em demandas patrocinadas pela Defensoria Pública, diante de autonomia funcional, administrativa e orçamentária da Instituição.”
Nunca houve muito sentido na súmula 421, além dos muitos argumentos esgrimidos[8], há se ressaltar que as verbas do fundo são administrados exclusivamente pela Defensoria Pública, determinando a Constituição que seja repassado em duodécimos, sem interferência do Executivo, judiciário ou qualquer outro orgão na administração dos recursos e nos gastos, salvo as hipóteses legais do Tribunal de Contas.
As verbas sucumbenciais recebidas pela Defensoria Pública passam a integrar um fundo próprio e que não integra o orçamento do ente federativo, como não o integra o fundo de direitos difusos que, à semelhança do fundo da Defensoria, faz parte da mesma "pessoa jurídica", mas a esta não compete a gerência do fundo e a lei determina o recolhimento de eventuais condenações do ente federativo em ações civis públicas obrigatoriamente.
O certo é que, em 04/08/2018, o Supremo Tribunal Federal reconheceu a existência de repercussão geral no RE 1140005, inscrita no Tema 1002, em que se discute “à luz do art, 134, §§ 2º e 3º, da Constituição da República, se a proibição de recebimento de honorários advocatícios pela Defensoria Pública, quando represente litigante vencedor em demanda ajuizada contra o ente ao qual é vinculada, viola a sua autonomia funcional, administrativa e institucional”.
Em sendo o Estado um dos principais violadores de direitos, inúmeras são as ações em trâmite que tratam do pagamento das verbas sucumbenciais às Defensorias Públicas pelo ente público a qual pertencem, revelando-se questão que tem impacto desmensurado sobre seus já parcos orçamentos, que, buscando a implementação nacional e a interiorização determinada pela Emenda Constitucional 80/2014, sofreu duro golpe pela Emenda Constitucional 95/2016 e o estabelecimento de um teto de gastos para uma Instituição ainda em desenvolvimento e estruturação. Esta questão está sendo debatida na ADI 5988 que requer a interpretação conforme da EC 95/2016 para excluir da avaliação do teto de gastos os recursos necessários ao estabelecimento da Defensoria Pública em todas as unidades jurisdicionais, conforme a EC 80/2014-.
Neste contexto, deve-se destacar que a decisão tomada pelo plenário virtual do STF no RE 1.140.005 não se manifestou quanto ao sobrestamento dos processos que se referem a esta mesma temática, uma omissão que acarreta grave dano aos cofres da Defensoria Pública e pode ocasionar fechamento de órgãos e núcleos de atuação e, consequentemente, uma retração no acesso à Justiça dos indivíduos e grupos vulneráveis[9], defensorados da Instituição.
Na esteira do entendimento de que não há discricionariedade na decisão acerca do sobrestamento ou não dos demais feitos, a não apreciação desta questão pelo relator configura erro material, por se tratar de necessária medida para garantia da concretização do princípio constitucional da isonomia[10] e da segurança jurídica[11], a partir de uma leitura do artigo 1.035, parágrafo 5º, em consonância com as normas fundamentais do processo.
Esta omissão urge ser afastada, inclusive de ofício, ou por oposição de embargos de declaração.
Voltando à questão da legitimidade, a Defensoria Pública da União poderia, neste caso, ter recorrido em nome próprio, em razão de o recurso extraordinário versar unicamente sobre a questão das verbas sucumbenciais, e tanto o art. 4º, XXI, Lei Complementar nº 80/94 e o art. 99, §5º do Novo CPC lhe conferirem a legitimidade ordinária.
Além disso, com a nítida objetificação do processo proporcionada pela sistemática da repercussão geral, onde o quid de proteção da higidez da norma se equipara à tutela do direito subjetivo[12], é interessante notar que, ao lado do patrocínio da causa se dar pela Defensoria Pública da União, como a questão tratada no RE 1140005 teve reconhecida a repercussão geral, as Defensorias Públicas do Brasil, inclusive a União em nome próprio, podem requer sua admissão no feito como (i) amici curiae, (ii) assistentes simples ou (iii) intervenientes especiais.
Como amici curiae a participação das Defensorias Públicas se daria sob o fundamento de uma maior democratização do processo, com a ampliação salutar dos atores que podem contribuir com o debate, aportando informações para a obtenção de um resultado justo. Nesta hipótese, as Defensorias Públicas serão admitidas em despacho irrecorrível (138, caput, CPC), com poderes limitados definidos pelo relator (138, §2º, CPC), e só podem recorrer eventualmente com Embargos de Declaração (138, §1º, CPC).
Também as Defensorias podem intervir como assistente simples, pois sua situação jurídica pode ser atingida de forma prejudicial pela decisão tomada no julgamento, sendo-lhes legítimo intervir no processo para auxiliar uma das partes, e exercerá os mesmos poderes e sujeitar-se-á aos mesmos ônus processuais que o assistido (art. 121, CPC).
Mais conveniente, entretanto, e especialmente adequada, é a interveniente especial prevista no parágrafo único do art. 5º da Lei 9.469/97, haja vista que, apesar de não ser uma pessoa jurídica de direito público, a Defensoria Pública possui personalidade judiciária reconhecida e está em debate questão de natureza econômica que tem reflexo incontestável na esfera estrutural da Instituição. A intervenção nesta modalidade independe de demonstração de interesse jurídico, e se destina a esclarecer questões de fato e de direito. As Defensorias Públicas do Brasil serão, ainda que para fins de competência, consideradas partes, e poderão juntar documentos e memoriais e terão amplos poderes recursais.
Em síntese.
Nos casos em que a Defensoria Pública atuar como representante judicial da parte, sendo esta beneficiária da gratuidade da Justiça, eventual recurso que verse exclusivamente sobre valor de honorários de sucumbência fixados pode ser ajuizado pela Instituição em nome próprio, para defender seus próprios interesses, hipótese de legitimação ordinária que se extrai do teor do art. 99, §5º, CPC e art. 4º, XXI, Lei Complementar 80/94. Ou, se há recurso do ente público, as contrarrazões podem ser opostas pela Defensoria Pública, apenas.
Em razão da relevância da questão tratada no RE 1140005 e seus reflexos de natureza econômica incontestavelmente atingirem a esfera estrutural de todas as Defensorias Públicas, estas podem requer sua admissão como intervenientes especiais, a teor do art. 5º da Lei 9.469/97, não obstante caiba ainda sua intervenção como amici curiae ou assistentes simples.
Assim, além da parte representada no RE, tanto a Defensoria Pública da União, quanto as Defensorias Públicas dos Estados e do Distrito Federal poderiam opor Embargos de Declaração para fins de afastar a omissão acerca do sobrestamento dos feitos sobre a mesma questão, com fundamento inclusive na relevância da perda orcamentária causada.
Para finalizar, não caberia aqui a intervenção custos vulnerabilis, em razão de esta se dar para defender interesses institucionais primários, ou seja, visa a realização finalística de sua missão institucional de promoção dos direitos humanos e de acesso à ordem jurídica e social justa às pessoas e coletividades vulneráveis.
Notas e Referências
[1] AGRAVO REGIMENTAL. PROCESSUAL CIVIL. HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS. ARTS. 22 E 23 DA LEI N. 8.906/94. LEGITIMIDADE CONCORRENTE. PRECEDENTES. 1. O Superior Tribunal firmou entendimento no sentido de que a execução da sentença, na parte alusiva aos honorários resultantes da sucumbência, pode ser discutida tanto pela parte como pelo advogado, em razão da legitimidade concorrente. Precedentes. 2. Agravo regimental improvido. (AgRg no REsp n. 941.206/RS, Relator Ministra MARIA THEREZA DE ASSIS MOURA, SEXTA TURMA, julgado em 24/11/2009, DJe 14/12/2009.)
[2] PROCESSUAL CIVIL HONORÁRIOS ADVOCATÍCIOS RECURSO DE APELAÇÃO DESERÇÃO LEGITIMIDADE DA PARTE PARTE PARA RECORRER BENEFÍCIO DA JUSTIÇA GRATUITA. 1. A parte possui legitimidade para recorrer da decisão que fixou, de forma irrisória, os honorários advocatícios. 2. Se ela é beneficiária da justiça gratuita, seu recurso está isento de preparo. Recurso especial conhecido e provido. (REsp n. 870.288/PR, Relator Ministro Humberto Martins, SEGUNDA TURMA, julgado em 21/11/2006, DJ 29/11/2006, p. 195.) No mesmo sentido, as seguintes monocráticas: AREsp n. 551.932/PR do Ministro Pauto de Tarso Sanseverino, AREsp n. 740.353/PR do Ministro Ricardo Villas Bôas Cueva, AREsp n. 636.726/SP do Ministro João Otávio de Noronha, e REsp n. 1.468.434/SP do Ministro Marco Buzzi.
[3] https://www.conjur.com.br/2018-abr-10/re-593818-defensor-publico-natural-atuacao-custos-vulnerabilis
[4] Também entende neste sentido: Maia, Maurilio Casas. A Intervenção de Terceiro da Defensoria Pública nas Ações Possessórias Multitudinárias do NCPC: Colisão de interesses (Art. 4º-A, V, LC n. 80/1994) e Posições processuais dinâmicas. In: Didier Jr., Fredie; Macêdo, Lucas Buril de; Peixoto, Ravi; Freire, Alexandre. (Org.). Coleção Novo CPC - Doutrina Selecionada - V.1 - Parte Geral. 2ª ed. Salvador: Jus Podivm, 2016, v. I, p. 1253-1292.
[5] STF - MS 33193 MC / DF
[6] STF - STA 800/RS
[7] GONÇALVES FILHO, Edilson Santana; CABRAL, Hélio. https://www.conjur.com.br/2016-out-18/tribuna-defensoria-sumula-stj-honorarios-defensoria-revista, https://www.conjur.com.br/2016-set-20/tribuna-defensoria-autonomia-defensoria-inconsistencia-sumula-421-stj, PASSADORE, Bruno de Almeida https://www.conjur.com.br/2016-set-13/tribuna-defensoria-autonomia-defensoria-sumula-421-stj-breves-consideracoes
[8] https://www.conjur.com.br/2018-mai-20/entidade-defensores-teme-fechamento-unidades-pais
[9] WAMBIER, Teresa Arruda Alvim et ali. Primeiros Comentários ao Novo Código de Processo Civil: artigo por artigo. 2. Editora São Paulo: Revista dos Tribunais, 2016, p. 1672. Em sentido contrário: STF. Plenário. RE 966.177 RG/RS, Rel. Min. Luiz Fux, julgado em 7/6/2017.
[10] STRECK, Lenio Luiz Streck; RAATZ, Igor; ROSSI, Júlio . https://www.conjur.com.br/2017-out-10/opiniao-quem-sinos-dobram-suspensao-nacional-processos
[11] COSTA, Eduardo José da Fonseca. Jurisdição constitucional, jurisdição coletiva e tutela de instituições. Revista de Processo. n. 244. jun/2015, p. 247-284
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