ABDPRO #21 - 1. COMMON LAW DO SISTEMA INGLES E A COMMON LAW DO SISTEMA NORTE AMERICANO COM BASE EM WALKER E HOLMES. 2. A CONSTRUÇÃO NORTE-AMERICANA. 3. REFLEXÕES SEMÂNTICAS. 4. CONCLUSÕES

21/02/2018

1. O direito anglo-saxão ou common law, como sabemos, é o sistema jurídico derivado da Inglaterra medieval, e que hoje em dia se utiliza em grande parte nos países que tem ou tiveram influência britânica. Se caracterizou por cimentar sua estrutura jurídica, mais na jurisprudência do que nas leis[1].

Os sistemas jurídicos baseados no direito anglo-saxão ou proveniente deste, orientam a Inglaterra, Gales, Irlanda e grande parte das antigas colônias do Reino Unido, incluindo Austrália, Nova Zelândia, Canadá (com exceção de Quebec que usa a civil law), os Estados Unidos (com exceção do Estado da Luisiana a qual, por sua herança francesa, utiliza a civil law). Na Ásia, Hong Kong (antiga posse britânica), Índia, Malásia, Singapura e Sul da África.[2]

Na Inglaterra, nos últimos cem anos se tem simplificado o procedimento. O direito tem sido sistematizado. Os procedimentos conduzem a uma audiência pública chamada Day in Court com procedimentos orais, audiência de testemunhas. Aqui não existe um expediente sobre o assunto, porque isto permitiria ao jurado seguir com o assunto. Neste sistema, as decisões devem ser dadas e conhecidas imediatamente, e o julgamento quando existe, deve dissolver-se o quanto antes possível.

Uma característica deste direito é o excesso de direito probatório pela importância do procedimento e para salvaguardar garantias.

Correto, no espírito atual dos juristas ingleses, o procedimento segue sendo um assunto de muita importância, nem tanto para um jurista francês, que se importa muito mais com os princípios ligados a liberdade.

O controle dos tribunais superiores pode afetar a forma de aplicar e interpretar o direito, assim como o modo pelo qual se produz o procedimento. A decisão de um julgador apenas será corrigida se seu comportamento for reprovável, visto uma conduta errada (mistaken conduct)[3]. Não se trata de verificar se a decisão adotada se justifica ou não, o essencial é que tenha sido adotado um tipo de procedimento leal, bem assim, se este procedeu de forma a permitir que todos os interessados pudessem ser ouvidos, para que assim pudessem  pronunciar-se com conhecimento da causa.

O jurisdicionado inglês por tudo que se lê, confia plenamente na decisão da justiça, razão pela qual, lá não existe um procedimento pelo excesso de poder. Na Inglaterra, por outro lado, o jurisdicionado tem como obrigar a justiça a motivar as suas decisões de forma plena.

Existem dois princípios básicos no direito inglês.

  1. O Fair Trial (o tratamento justo dentro do processo) e
  2. The due processo of law (devido processo legal)[4]

O direito inglês é concebido desde uma perspectiva contenciosa e parece mais preocupado com a administração da justiça que com a própria justiça, porque entende que desta forma se chegará a uma solução mais justa, a diferença do direito francês por exemplo, no qual o sistema diz ao juiz qual é a decisão mais justa.

A eficácia das decisões no sistema inglês é muito importante, quase que sagrada. Para eles é inconcebível que alguém possa burlar a justiça, igualmente resulta surpreendente para eles que em alguns países possa ser necessário outro processo para fazer executar uma decisão judicial. Lá nem o particular e nem o Estado podem tentar burlar a justiça, isto não é nem cogitado, pelas leituras feitas.

Tão verdade é, que não existe a figura do Ministério Público ou fiscal, nem o Ministério da Justiça.

O sistema, e o direito inglês, são feitos pela norma jurisprudencial (diferente do nosso que é legislativo). Para os ingleses, o fundamental no Case Law (lei do caso) deriva das decisões dos tribunais superiores[5] .

O sistema normativo jurídico da Inglaterra, somente pode ser entendido em todo o seu alcance, quando se conhece todos os elementos do litígio, diferente do brasileiro e francês, por exemplo, onde o sistema é formulado pela doutrina e pela legislação, e que dirige e aponta a conduta dos cidadãos pela generalidade dos casos, sem relação substancial com um litigio em particular. Em consequência, ambas as normas não possuem o mesmo grau de generalidade.

Neste sistema, a justiça leva muito em conta as razões para distinguir, assim a situação atual de alguma outra situação passada. Outrossim, uma situação nova pressupõe uma norma nova.  O juiz é responsável por fazer justiça, ao contrário de formular termos gerais que vão além do escopo do litígio. Na Common Law, a sentença judicial está vinculada a técnica das distinções e não da interpretação.

Na Inglaterra, a norma legislativa tem um caráter excepcional e a sua disposição apenas será aceita no sistema, quando haja sido confirmada ou modificada nos tribunais. Em consequência, se deduz uma impossibilidade de codificação do direito inglês e uma relativa perda jurídica. O juiz inglês não tem que considerar os tipos de casos, apenas precisa se pronunciar sobre o caso concreto tomando em conta os precedentes.

Vale frisar, que o direito inglês mostra pontos de contato com o direito romano, ainda que de pouca monta. Por exemplo, o trabalho jurídico do Canciller inglês é parecido com o do pretor romano, e a convivência entre a Common Law e a Equity [6], se parece quanto as origens, objetivos, evoluções, e realizações finais, que resultaram da fusão final de dois ramos, como a coexistência que se deu em Roma, entre o Ius Civile e o Ius Honorium.

Vale frisar, que a Common Law tem sua base nos costumes dos antigos reinos anglo-saxões, costume que ultrapassaram inclusive a conquista normanda, enquanto que a Equity surge como um recurso de correção da Common Law, até a fusão de ambos no século XIX.

Tanto a Common Law como a Equity tiveram suas origens na atividade judicial, o primeiro nos tribunais reais e o segundo na Chancelaria. 

2. Os Estados Unidos[7], não obstante terem a sua Constituição, e se diferenciar da Inglesa (cujos habitantes tiveram a sua Carta Magna de 1215), adotaram, em relação ao direito privado, o sistema da common law, ou seja, eles também possuem um direito escrito, leis ordinárias originadas no Congresso e um direito comum, chamado common law, surgido da atividade judicial, nas causas que constituem os conflitos privados, o que chamam de case law.

James M. Walker[8], afirma que, no Norte “O direito é uma coleção de princípios e a ciência do direito não lida com eles como princípios abstratos, mas na medida em que se referem a coisas concretas ". Isso, é claro, implica numa atitude, que podemos entender como atitude inglesa ".

O autor citado enfatiza, que o aspecto empirista do espírito anglo-saxão inglês, que seus primos americanos adotaram, garante que os pesquisadores e juristas nunca desçam do geral ao particular; nem ascendam do particular para o geral, que é o método adequado para descobrir a verdade científica. Diríamos que, no caso particular da common law, eles vão do singular para o singular, característica típica de sua particular ciência jurídica. Ninguém pode negar, em verdade, que as ciências jurídicas não participam das características das ciências exatas.

O método geométrico ou demonstrativo, tem sido aplicado com grande sucesso para as ciências particulares, no entanto, não podemos considerar que o alcance da ciência jurídica seja o mesmo da geometria, como lamenta Walker[9]. Os termos da geometria não albergam ambiguidades, os temas de que trata são independentes das coisas e seu vocabulário é cuidadosamente definido. Pode-se dizer que suas propriedades e suas relações são imutáveis.

Com a ciência jurídica, o mesmo não acontece. Mas, todavia, em uma verdadeira concepção empírica, em que os juízes sempre começam do singular e concreto e se esforçam para encontrar um precedente que se encaixe no caso, também singular e concreto, o método não pode ser o mesmo que da geometria. A realidade histórica, cuja matéria alimenta a ciência jurídica e as ciências sociais em geral, é mutável, variável, cambaleante, segundo os lugares e os tempos.

A propósito, uma constituição, de certa forma, cristaliza uma concepção política e jurídica.

Assim, os Estados Unidos receberam uma Constituição definitiva em 1787, com o que se logrou uma união mais perfeita entre os Estados que formaram a Nação norte-americana.

De forma simpática, James M. Walker, garante que, nesse regime, a Constituição é a lei suprema, porém não a fundamental. Desse modo, a common law foi reconhecida como a lei da terra. Eles adotaram velhos princípios ingleses, costumes tradicionais, que foram adaptados em um novo ambiente natural e social e de acordo com as circunstâncias vividas pelo povo das colônias americanas.

Além disso, muitos dos advogados coloniais estudaram na Inglaterra e tiveram um conhecimento perfeito do sistema da common law inglesa. As causas judiciais, com a Constituição, receberam - afirma Walker - uma nova energia e ímpeto. É por isso que a common law norte-americana contribuiu para preservar a unidade da Nação, fortalecer a solidariedade, controlar e reforçar a tarefa do Estado e manter a integridade familiar. De igual maneira, esse mesmo sistema, ao fortalecer os princípios fundamentais, consolidou-se como um sistema jurídico nacional, de forma coerente, pacífico e ordenado.

Não se deve entender, como certeza absoluta, que era uma confusão de elementos dispersos, sem ordem ou concerto A unidade jurídica da Nação, nos seus princípios e suas formalidades, tornou-se assim sólido, como a unidade política.

Nesta tarefa, juristas distintos e juízes de prestígio desempenharam um papel fundamental. É provável que esse foi o elemento criador, que gravitou profundamente. Homens inteligentes e prudentes, altamente empíricos e pragmáticos, tiveram o cuidado de alertar que o direito está sempre "adotando novos princípios de vida, por um lado, e mantendo os antigos da história, por outro ", segundo expressões de Holmes[10] (tido por muitos como um dos maiores juristas americano), tal como ele as desliza em seu livro, o mérito, então, era tornar ambos os aspectos e isso mesmo que fizeram. O direito consuetudinário recebido foi reformado e eles fizeram seu próprio modelo nacional, que os americanos apreciam e respeitam.

Se lermos cuidadosamente Holmes, notaremos que ele se alegrava por não ter que lidar com fórmulas silogísticas próprias da civil law (direito continental) e se apegou ao sistema inglês, cuja flexibilidade inspirava um direito de avanço em seus conteúdos realistas e sociais, que a experiência vívida lhes mostrava. Daí a sua famosa frase: a vida do direito está na experiência; não na lógica.  Nos parece, que ele escreveu essa frase depois de ler Walker, para expressar seu desacordo com citações que anseiam por fórmulas geométricas – cercadas de silogismo - para dotar à aplicação do direito de uma segurança largamente desejada.

Porém, acerca da adoção do sistema de common law, não existe dúvida alguma.  Da leitura, acreditamos que foi entusiasticamente reconhecido e aceito como um sistema completo, pelas colônias, a tal ponto que a constituição de nova York declarou como parte do direito do seu território. Ademais, a equidade foi também parte essencial do direito norte americano, graças a influência pelo que lemos até aqui, do juiz James Kent [11], que lutou por isso em sua obra conhecida Commentaries on American Law. Igualmente, Joseth Story[12] compartilhou com Kent a tarefa de introduzir a equidade no sistema jurídico norte- americano, ao afirmar de forma sintética como conclusão que “a característica da equidade consiste em suprir as deficiências do direito ". Podemos concluir, brevitatis causa, que foram Kent e Story quem deram a equidade um viés especial e típico na sua forma norte-americana.

Os juristas dos Estados Unidos, de fato, reformularam a common law segundo a sua própria perspectiva e contribuíram ao defini-la como campo de princípios derivados originariamente dos costumes que estavam contidos nos julgamentos dos tribunais supremos, e também, em leis ad hoc promulgadas para corrigir ou ampliar as decisões dos juízes. Não obstante, em geral, os norte-americanos não foram nunca partidários de uma codificação geral das normas jurídicas. Isto equivale tanto quanto a não compartilhar a predileção pelo direito civil codificado (civil law).

O elemento-chave da durabilidade da common law é a existência, no sistema, da doutrina do precedente obrigatório, que eles fizeram. Tudo levou, pela própria gravitação, a admitir que as decisões dos tribunais superiores com hierarquia judicial eram obrigatórios, de tal forma, que a corte suprema do país estava vinculada pelas suas próprias sentenças.

Por fim, temos na common law americana, os conceitos e pensamentos esboçados por Holmes e outros, no qual o direito deve definir-se como:

1. Relação de futuro e não como relação de passado;

2. O direito não se encontra, se cria;

3. O direito não é preexistente, mas sim, previsível;

4. O direito se distingue da moral, de outro lado, a lógica por si só não é suficiente para explicar o direito;

5. O juiz deve ser prudente, pois não tem licença para resolver o que ocorre;

6. O juiz não deve se esquecer de usar o método apropriado, para o propósito de seu estudo; e

7. Acima de tudo, não deve esquecer que a lei emana dos tribunais.

Imbuído com o evolucionismo de Darwin e Spencer, Holmes argumenta que a lei evoluí duplamente, seja através da sua substância (no seu sentido provisório e na consecução dos seus objetivos); ou na sua forma (isto é, em seus conceitos, nas instituições que o corrigem e no raciocínio que o justifiquem).

Mudanças na sua substância o harmonizam com a evolução social; e mudam de forma, o que ocorre mais lentamente, e surgem com as regras emanadas de um certo número de precedentes, que, pouco a pouco, assumem um significado diferente do seu ponto de partida.

Na teoria de Holmes, o objetivo é demonstrar que os precedentes sobre os quais a regra fundamenta, ao longo do tempo, não estão presentes mais, isto é, são perdidos de vista, e o enunciado se transforma, sob a pressão de novos caminhos sociais, em outro precedente, que assume um novo sentido, às vezes estranho ao da época originária.

Insistentemente, Holmes afirma que o crescimento e evolução do direito não depende de simples questões lógicas, mas das vicissitudes que a experiência assegura. Como dissemos, sem dúvida que isso é assim porque a lógica tem apenas um objetivo instrumental, embora importante -, mas o estímulo para as mudanças substanciais é dado pela experiência, como afirma.

Não se deve acreditar - no entanto - que Holmes, como tentamos interpretar e traduzir, tenha desprezado totalmente o papel da lógica no direito, mas sim que, possivelmente, no seu compromisso de atribuir uma grande preponderância para a experiência, não tenha dado a devida dimensão.  

De tudo isso, duas correntes fundamentais na reflexão legal cresceram no direito americano:

a) a escola da jurisprudência sociológica (em que a lei está vinculada com a sociedade); e

b) o movimento realista americano (que aprofunda a teoria da previsão).

Por hora ficamos nestes juristas pioneiros apenas, mas existem outros grandes que influenciaram e influenciam o direito norte-americano, assim Benjamin Cardozo[13], Willard Bartlett[14], Roscoe Pound[15], dentre tantos outros.

Assim, podemos constatar que, ainda que o direito americano descenda do inglês, existem marcantes diferenças entre ambos os sistemas, que obedecem principalmente a razões históricas e políticas 

Dito tudo isto sobre o sistema americano e inglês, temos que a Common Law atual, existe principalmente, por uma combinação de direito judicial e direito legislado, já que o juiz para transmitir a decisão deve tomar como base de seu exercício, os princípios fundamentais da razão e do direito natural, aplicando-os por meio dos precedentes aos casos particulares e concretos. Assim, um direito criado pelos juízes em grande medida, que gozam de poderes normativos, infinitamente maiores que os que reconhecem os sistemas continentais ligados a Civil Law, é a lei do caso em questão. 

3. Com os pequenos apontamentos acima, conseguimos efetuar algumas reflexões, porém antes, devemos primeiro esclarecer que ao longo do século XX se tem produzido, como fenômeno mundial, um significado mais refinado e assíduo do direito sobre a pessoa, e na vida em sociedade. A tendência é cada vez maior, de invocar direitos genuinamente humanos e apresentar aos tribunais as petições que correspondam a isto. Esse fenômeno de mudanças impactou demais no povo americano.

O empirismo inglês não foi abandonado pelos habitantes do território dos Estados Unidos e a este empirismo, foram adicionados bastante pragmatismo e flexibilidade legal para atender às mudanças cada vez mais rápidas e profundas da vida social. O método, principalmente indutivo, no sistema da common law, permitiu que os juízes de dito sistema estivessem mais atentos aos casos específicos bem assim as mutações sociais.

Desnecessário enfatizar, que no sistema da common law, cujos julgamentos foram tomados em conta pelos próprios ingleses, foi adaptado de forma flexível a mudanças sociais permanentes dos casos em que, a indução permitiu receber as inovações. Pra eles,  a inovação é uma propriedade cognitiva do sistema, que, de tal forma, acompanha em paralelo os vários modos de existência social.

Como exemplo desse processo, podemos citar o caso dos contratos, onde o sistema está livre de reparos legais, que às vezes, operam como obstáculos, e isto tem feito, com que se movam livremente. Dessa maneira, como afirma B. Audit [16],  se tem acolhido tipos de contratos na ordem jurídica, nos quais foram projetados para atender o recebimento de novos produtos manufaturados ou novos serviços com fins sociais. Estes são os chamados contratos em "ing": leasing, franchaizing, merchandising, factoring, etc. Além disso, no sistema da common law, os contratos são interpretados à luz de princípios e não regido por leis, o que os torna mais flexíveis.

Por outro lado, o estilo das decisões judiciais do sistema, permite aos juízes expandirem até chegarem em casos futuristas.  Logo, criada as dificuldades para resolver um caso, você vai a um precedente; mas se ele não se encaixa, o julgador formula uma outra solução a mais próxima possível, explicando detalhadamente os motivos que levaram a ela, tentando justificar a novidade da decisão. Nascerá uma nova regra, sempre estreita e concreta, fugindo de fórmulas gerais e abstratas, que já haviam sido questionadas desde a época de Holmes.

No estilo das decisões judiciais, tudo parece mais frouxo. As decisões são chamadas "Opiniões" e, são muito extensas. Se analisa todas as situações que estão envolvidas em toda a jurisprudência que possa estar relacionada com o caso. A aplicação do direito não é de nenhuma maneira mecânica, pelo contrário, cada pergunta se abre em um gama de possibilidades, a partir dos objetivos perseguidos pelo direito e a razão de cada decisão. Além disso, a sentença geralmente é consequencial, ou seja, antecipada, para os fins práticos, com as conseqüências que esta jurisprudência poderá ter no futuro.

No mesmo volume citado acima, o professor da Universidade de Paris II, Bernard Audit[17]  salienta que, na common law, quando não se encontra um precedente que se  encaixe de forma clara no caso que é julgado, se tentará "outra solução explicando amplamente o que justifica esta distinção e dessa forma nascerá outra regra, também muito estreita", tudo de  maneira que, aplicando as instruções, seguindo uma fórmula famosa do já citado juiz americano Holmes[18], que reafirma um preceito implícito: "as proposições gerais não decidem casos concretos". Este mesmo autor enfatiza - que o  sistema da common law se adapta muito melhor a "um contexto de mudanças sociais permanentes ", isso se deve à "abordagem indutiva evocada a cada momento".  Acrescenta ainda, que "a inovação é de certa maneira natural para a common law e a adaptação permanente é o seu modo de existência". Acreditamos que nenhuma outra palavra possa ser tão expressiva que estas já citadas acima, e que caracterizam bem o sistema de uma forma geral. 

Também observamos, que existe uma questão de linguagem. Sabemos disso, pelos problemas filosóficos, a língua inglesa não possuí uma linguagem metafísica, mas uma linguagem empirista. O mesmo ocorre com o direito, fruto dessa atitude tradicional dos povos de língua inglesa. Não existe em inglês, senão o termo lei; nós, como os franceses, temos dois: "direito" e "lei". Quando falamos de lei em inglês, entende-se que se refere a uma mistura entre lei e jurisprudência. Por isto, que Jolowicvz[19],  conclui que "a lei inglesa reconhece a existência de duas fontes formais de direito - lei e jurisprudência - duas fontes que eles operam juntas e em combinação, nunca separadas ".

Podemos concluir - reforçando o que já foi dito - que, na common law, a lei é encontrada mais nas decisões dos tribunais do que nos órgãos legislativos. 

4. Feito este pequeno balizamento da Common Law (inglesa e americana), alguns poderiam indagar, seria este o melhor sistema jurídico atual. Para alguém que passou mais de 30 (trinta) anos estudando a codificação e as leis, e o direito comparado, não é fácil aceitar ou entender como crivo esta premissa, mesmo diante de um quadro caótica de fazer justiça como vivemos no Brasil, pois que é impossível uma teoria universal do direito.

Também não é possível estudar ou tentar copiar sistemas, sem que se estude antes o direito internacional privado[20] que abrange todas as relações entre indivíduos (indivíduos e entidades jurídicas), econômicas ou pessoais, que se formam através das fronteiras. Tradicionalmente reconhecida pela reflexão teórica que decorre do seu principal objeto, conflitos de leis no espaço, a disciplina também adquiriu, nos tempos contemporâneos, uma importância prática compatível com o desenvolvimento de trocas internacionais de todos os tipos, como bem fala Maristela Basso.

O que nós chamamos de direito, na cultura da common law eles percebem como uma forma de economia. Na visão americana, há que se fazer negócios, há que se integrar ao mundo, que é antes de tudo uma grande economia, basta ver a corrente da law and economics, de 1980 para cá.

Também encontramos nos autores clássicos da teoria do direito em língua inglesa um pouco disto, assim Dworkin, Rawls, Hart, Hayek, etc. Vale frisar, que por aqui se conhece menos Berman[21], um teórico do direito estadounidense que escreveu uma história do direito muito curiosa, Law e Revolution. Berman era um especialista do direito dos países socialistas que, tardiamente, se voltou a história do direito da idade média, para buscar ali a chave do nascimento das culturas jurídicas ocidentais, apesar de não ser medievalista, fez boas observações, uma delas no sentido de que diante do método indutivo criado por Francis Bacon[22] que criticava o método aristotélico, era difícil outras observações. Ademais, o empirismo de bacon é o que se vê forte na common law

Pois bem, não se faz uma teoria do direito sobre o nada, necessariamente temos que alimentar o raciocínio com exemplos, com referências as leis, a sentenças, a casos, etc. Melhor dizendo, estes materiais são importantíssimos e estão localizados desde o ponto de vista cultural. 

Assim, culturalmente nós brasileiros não possuímos a cultura da common law, nem a tradição de lá.  Falo isto, inclusive usando como parâmetro o direito francês e brasileiro. Quando um jurista francês ou brasileiro emprega o adjetivo “legal”, isto quer dizer, que é o que está conforme com a lei, entendendo a lei como norma estabelecida em abstrato, independentemente do caso concreto em que vai ser aplicado. Quando um inglês ou americano emprega o adjetivo legal, não entende em absoluto a mesma coisa que nós, nem sequer, vê necessariamente, uma norma jurídica pré-determinada em relação aos processos julgados e por julgar.

A miúdo, temos que traduzir “legal” (no sentido inglês ou americano), não como “legal” e nem sequer como judiciaire ou judicial.  “legal” para eles, é o que está conforme o que decideu o tribunal, não apenas o que tenha decidido no passado, senão também o que decide no presente e o que decidirá no futuro, já que para eles “law” é um campo em movimento perpétuo.

Assim, os materiais utilizados e as referências implícitas constituem o que chamamos de bagagem cultural da teoria do direito, que não pode ser universal pois não conhecemos tudo, não se é jurista ou acadêmico, de uma ordem jurídica indeterminada.

Parece ainda contraditório, o estatuto epistemológico da teoria do direito por lá, pois que  autores como Dworkin[23], Hart[24], Hayek[25], etc pretendem fazer teoria do direito, apenas com o que são precisamente suas bagagens culturais. Aqui um ponto, pois que a teoria do direito nasceu antes que eles, e independentemente deles. É uma disciplina que se formou não nos estados unidos, mas na Europa continental, e que tem uma tradição bastante larga, posto que continua com a tradição da filosofia do direito. Isto remonta a antiguidade ou idade média, muito provavelmente ao jusnaturalismo, até os teóricos do direito natural dos séculos XVII, XVIII, e existe uma continuidade: a escola histórica alemã de Savigny, as obras de Ihering sobre o espirito das leis do direito romano, aí chegamos até Kelsen ou até Radbruch no século XX, na Itália, até as correntes de Norberto Bobbio, de Santi Romano, etc.

Todos estes intelectuais sem exceção, há mais de 4(quatro) séculos têm feito a teoria de um sistema de normas que concebiam abstratas e constituídas com anterioridade a todo ato de aplicação, Eles pensaram a partir de ordenamentos jurídicos, como o direito romano, canônico, etc.

Agora bem, quando Dworkin ou Hart se põe a trabalhar, sua bagagem cultural não vai no mesmo sentido. Quase sempre concebem o direito como um mundo de procedimentos.

Existem duas maneiras de abordar o direito, uma maneira a partir de normas e outra partir de modos de resoluções de conflitos, sendo que o modo dominante é através das normas, assim o direito é concebido como um corpo de normas materiais.

Aqui precisamos fazer justiça com Hart[26], que nas primeiras páginas de seu livro o conceito de direito, encara, como todos os teóricos do direito, um trabalho de alcance geral e universal, do conceito de direito, não do conceito do direito estadunidense, o que levou a receber críticas severas de Austin e Holmes, principalmente, que questionaram o fato do mesmo falar em uma teoria do direito como sistemas de normas.

Também poderíamos abordar autores alemães que são simpáticos ao direito anglo-americano, mas isto levaria o nosso artigo muito além do razoável, e teriamos que remeter ainda à outros.

Enfim, o estudo comparativo de instituições jurídicas particulares, mostra a importância do direito comparado e é de especial utilidade quando se trata de analisar e confrontar figuras típicas de sistemas jurídicos como os da civil law e da common law.

Retomando, para os grandes da common law, o conhecimento do direito está na famosa fórmula de Holmes, que remete em efeito a previsão de como vão decidir as autoridades, leia-se autoridades judiciais. O saber jurídico é uma espécie de adivinhação, de antecipação probalística sobre decisões ainda desconhecidas (como falar aqui em teoria da decisão). Isto não é trabalho de reflexão sobre um conjunto finito de normas conhecidas, o problema não consiste em saber quais são jurídicas e quais não são, mas sim em uma suposição sobre o movimento das decisões judiciais

Não se muda uma constituição por vontade de alguns, nem se pode adotar institutos que não falam, ou se relacionam com o direito pátrio  (aqui um pouco da minha miopia).

Como falar ou usar a teoria da common law, se a mesma common law, pretende ser absolutamente não sistêmica. Com todo respeito e perdoando a minha ignorância, vejo no chamado caráter consuetudinário da common law, a teoria do juiz oráculo, que nem bola de cristal possui.

Não podemos adotar como nossa (assim o exemplo do que chamam de precedentes jabuticaba),  uma cultura e tradição[27] tão distintas do que nos foi passada por Rui Barbosa, Pontes de Miranda, Miguel Reale, Vicente de Paulo Barretto, Goffredo da Silva Telles Jr. Tércio Sampaio Ferraz Jr,  Torquato Castro, João Maurício Leitão Adeodato, Lourival VilaNova, Marcelo Neves, Francisco Bermudez de Paula Guedes, Nelson Saldana, Luiz Fernando Coelho, Antônio Luís Machado Neto, e porquê não de Lênio Streck,  Georges Abboud, bem assim daqueles que com eles dialogam, não esquecendo ainda dos portugueses da estirpe de José de Oliveira Ascenção, Manuel Dominguez,  Luís Cabral de Moncada, João António Castanheira Neves , para ficarmos apenas nestes. Friso que este pequeno artigo é apenas uma observação mais acurada, de algo que demanda muito mais do que isto.

 

[1] DAVID, René. Los Grandes Sistemas Jurídicos Contemporáneos, trad. De P. Bravo Gala, Madrid, Edit. Aguilar, 1973. Ainda: Association Henri Capitant des Amis de la Culture Juridique Française, 2006: Les droits de tradition civiliste en question. A propos des rapports Doing Business de la Banque mondiale. Paris, Ed. Société de législation comparée; CASTAÑAN TOBEÑAS, José. Los sistemas jurídicos contemporâneos del mundo occidental, 2ª., Madrid, Réus, 1957; FLORIS MARGADANT, Guillermo. Los sistemas jurídicos contemporâneos, Antecedentes y panorama actual, México, UNAM, Faculdad de de Derecho, 1996; LOSANO GIUSEPPE LOSANO, Mário, Os grandes sistemas jurídicos.  Introdução aos sistemas jurídicos europeus e extra-europeus, trad. Marcela Varejão, ed. Martins Fontes, 2007;  HERNÁNDEZ GIL, Antônio. El derecho como elemento de integración cultural, Obras completas, Vol. I; Conceptos jurídicos fundamentales, Madrid, Espasa-Calpe, 1987,  JAMES, Philip.Introduction al derecho inglês, México, Temis, 1996 e MOSCO, visto em http://biccari.altervista.org/c/fisica/giurisprudenza/sistemi_giuridici_comparati.pdf.

[2] VIEIRA, Andréia Costa. Civil Law e Common Law: os dois grandes sistemas legais comparados. Porto Alegre: S. A. Fabris, 2007

[3] FRADE, Celina. Introdução ao inglês jurídico a linguagem da common law, Lumen juris, 2013, 1ª.ed.

[4] DENNING, Alfred. Due process of law, Oxford University Press, 1980.

[5] Vale aqui mencionar, que o Reino Unido carece de um documento constitucional único como temos no Brasil, e o controle constitucional é distinto do nosso em vários aspectos. Este tema merece outro artigo mais completo.  

[6] Direito por equidade, também derivado da jurisprudência, desenvolvido pelo tribunal da chancelaria, uma espécie de 1º.grau da jurisdição, e caracterizado por soluções mais justas que as da common law courts ou por dar uma solução aos litígios para os quais a common law não previa solução devido à máxima 'remedies precede rights'

[7] SILVA SOARES, Guido Fernando. Common Law - Introdução ao Direito dos Eua, RT, 2000.

[8] MURDOCK WALKER, James. The theory of common law, The Lawbook Exchange, Ltda., Union, New Jersey, edição de 1998, pp. 80/115.

[9] Idem p. 120.

[10] HOLMES JÚNIOR, Oliver Wendell. The common law, American Bar Association, 2009, pp. 12/20

[11] KENT, James. Commentaries on american law, vol. II, pp. 118/130, New York 1832.

[12] STORY, Joseyh. Commentaries on equity jurisprudence, Vol, II, 1877, pp. 769/820.

[13] NATHAN CARDOZO, Benjamin. The nature of the judicial process, Quid pro Books, Lousiana, 2010

[14] WILLARD, Bartlett. Opinions of Judge Willard Bartlett, 1906, Publisher: Williams Press

[15] POUND, Roscoe. The Spirit of the Common Law, University of Nebraska, 1921. Visto em https://digitalcommons.unl.edu/cgi/viewcontent.cgi?article=1000&context=lawfacpub

[16] AUDIT, Bernard e D’AVOUT, Louis. Droit Internacional Privé, Ed. Econômica, 7ª., ed, pp. 850/1000

[17] Ibidem pp. 7/11.

[18] HOLMES JÚNIOR, Oliver Wendell. Op. cit. pp. 30/33.

[19] John Anthony Jolowicz, trabalho publicado  nos Archives de Philosophie du droit (t. 30, ps. 105-115, 1985).

[20] BASSO, Maristela. Direito Internacional Privado, Gen Forense, 5ª., ed., 2016, pp. 4/30.

[21] Berman, Harold, 1983: Law and Revolution. The Formation of the Western Legal Tradition. Cambridge, Mass., Harvard University Press.

[22] BACON, Francis.  The Elements of the Common Laws of England, Reprinted 2003 by The Lawbook Exchange, Ltda.

[23] RONALD, Dorkin. O império do direito, Martins Fontes, 3ª., ed, 2014.

[24] ADOLPHUS HART, Herbert Lionel.  O conceito de direito. Lisboa: Gulbenkian, 1994

[25]  HAYEK, Friedrich. A, von.  Rules and Order. Vol. 1 of Law, Legislation and Liberty. London: Routledge & Kegan PaulLaw, 1923.

[26] Ob. Cit. pp. 4/30. Escreve Hart: “O juiz segundo o qual uma regra é uma regra de direito válida difere da previsão do comportamento das autoridades”. Este pensamento foi depois apurado por Scott Shapiro em em sua obra Legality . Também Frederich Schauer, na sua obra The force of law, eesafia os métodos da teoria do direito contemporâneo, quando sustenta que a coerção é um traço distintivo do direito, até para garantir a aplicação da norma.

[27] Aqui vale ler a obra La tradizione di civil law de John Henry Merryman, Editora: DOTT. A. GIUFFRÈ, 1973.

 

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