Coluna ABDPRO
Este texto tem por objetivo tratar de uma questão bastante prática relacionada ao divórcio[1], mas que tem por fundamento um ponto teórico que tem sido desconsiderada por boa parte dos aplicadores do direito.
A ação de divórcio foi incluída no direito brasileiro a partir da edição da Lei 6.515/77. A chamada “lei do divórcio” estabelece as questões que devem ser abordadas na ação que põe fim ao casamento e à sociedade conjugal.
É certo, entretanto, que com relação às hipóteses ensejadoras do pedido de separação judicial e de divórcio, com a entrada em vigor do CC/02 e, posteriormente, com a Emenda Constitucional 66/2010 e a consequente evolução do entendimento jurisprudencial sobre o tema, houve sensível alteração nas situações de fato que podem dar razão ao pedido de divórcio, sendo pacífico o entendimento no sentido de que as partes não precisam motivar o pedido de divórcio, tampouco aguardar qualquer lapso temporal para por fim ao casamento.
Mas as mudanças ocorridas no âmbito do direito material não importaram em qualquer alteração no que toca ao conteúdo e às disposições específicas da Ação de Divórcio, que permanecem sendo regidas pela Lei 6.515/77 e, no aspecto procedimental, pelo Código de Processo Civil.
Dentre as especificidades da Ação de Divórcio está a possibilidade de se resolver no bojo da ação uma série de questões diretamente relacionadas ao fim do casamento sem que seja necessária a cumulação de ações. Em outras palavras, a ação de divórcio engloba, pela sua natureza, os pedidos de a) fim do vínculo matrimonial; b) alteração do nome do cônjuge; c) guarda e convivência dos filhos menores; d) alimentos para o ex-cônjuge e para os filhos menores; e e) partilha de bens.
Todos esses pedidos são resolvidos em uma única ação, que tramita no juízo de família, nos termos da lei de organização judiciária de cada Estado, por força da natureza especial que tal ação possui, tudo nos termos da Lei 6.515/77 e, mais recentemente, do Código de Processo Civil[2].
Essa “anexação de pedidos” estabelecida pela lei é similar ao que ocorre com outras ações como a Ação de Usucapião, em que se resolve a demarcação e a declaração de aquisição da propriedade. Não ocorre uma “cumulação de ações”, mas resolvem-se questões atinentes a diversas questões que poderia, cada uma delas, ser resolvida autonomamente caso não fossem ali resolvidas.
Por esta razão, o juízo de família resolverá a alteração do nome dos cônjuges e a partilha de bens, uma vez que tais pedidos fazem parte das questões a serem resolvidas no divórcio, conforme estabelecido pela lei 6515/77.
Outra questão interessante e que é específica da Ação de Divórcio é a substituição processual prevista no art. 34 da Lei 6515/77[3] e reproduzida no art. 731 do CPC/15. Ambos os dispositivos estabelecem que a ação deve ser subscrita pelos cônjuges.
A lei do Divórcio destaca, ainda que a legitimidade para a ação é exclusiva dos cônjuges[4], por se tratar de ação personalíssima, de sorte que ninguém poderá constar no polo ativo ou no polo passivo da ação, senão os cônjuges.
Percebe-se, assim, que os genitores se substituem aos filhos para resolver a questão dos alimentos na ação de divórcio por expressa autorização legal. Não se trata, repita-se, de cumulação de ações, mas de pedidos que devem ser resolvidos na própria ação de divórcio, por nela estarem contidos.
Os arts. 20[5] e 34 da Lei 6515/77 e o art. 731 do CPC/15 são absolutamente claros nesse sentido: os alimentos devidos aos filhos menores serão resolvidos na Ação de Divórcio, a qual será subscrita pelos cônjuges, estabelecendo-se, assim, a substituição processual dos filhos menores pelos genitores.
Desta forma, assim como não se fala em cumulação de ações, não há que se falar, como têm feito alguns juízes – cujas decisões têm sido reformadas pelos Tribunais[6] -, em litisconsórcio entre o genitor e os filhos menores na ação de divórcio que tenha em seu bojo a discussão sobre alimentos devidos a esses.
Para o divórcio consensual, o CPC esclarece que haverá a homologação do pedido assinado por ambos os cônjuges e que contenha a resolução das questões relativas à partilha dos bens, da pensão alimentícia aos cônjuges e filhos, da guarda e regime de visitas. A ausência de previsão neste dispositivo sobre a resolução da questão relacionada ao uso do nome do cônjuge não exclui a possibilidade de resolução também nesta ação consensual, já que há previsão expressa na Lei 6515/77, que deverá reger esse ponto.
Em havendo previsão para a substituição processual dos filhos pelos genitores na Ação de Divórcio Consensual, não faz qualquer sentido pretender que não haja substituição processual na ação litigiosa[7], especialmente porque o caput do art. 34 da Lei 6515/77 trata tanto da ação consensual quanto da ação litigiosa, referindo-se o §1o. à necessidade de assinatura dos cônjuges.
Além de não haver lógica em se estabelecer substituição processual apenas para o divórcio consensual e não para o litigioso, o rito previsto no CPC/15 para as Ações de Família tem por objetivo justamente a consensualidade[8], ou seja, a legitimação extraordinária prevista para uma hipótese – divórcio consensual - é aplicável para a outra – divórcio litigioso.
Com relação ao procedimento, o CPC/15 estabelece expressamente o rito a ser utilizado nas ações de família e aplica à ação de divórcio litigioso[9]. Para o divórcio consensual, o procedimento é o de homologação do acordo firmado pelos cônjuges e que trate de todos os pontos estabelecidos pela Lei 6515/77 – fim do casamento, partilha de bens, alimentos para os filhos e cônjuges, guarda dos filhos menores e nome do cônjuge.
É certo, ainda, que a utilização do procedimento especial das Ações de Família não impede que sejam utilizadas as técnicas específicas previstas na Ação de Alimentos, como a concessão de alimentos provisórios liminarmente, nos exatos termos do art. 327, §2o. do CPC[10].
Por todas essas razões, constata-se que a Ação de Divórcio possui especificidades no que toca: a) aos pedidos que abarca, o que impacta na atribuição de competência do juízo de família para o julgamento de todos esses pedidos, inclusive para a alteração do nome do cônjuge; b) à legitimidade exclusiva dos cônjuges, ainda que trate de alimentos para os filhos; e c) ao procedimento, que deverá seguir o rito especial das ações de família, sem prejuízo da aplicação das técnicas especiais da ação de alimentos.
Notas e Referências
[1] Tudo o que for tratado neste texto como divórcio é plenamente aplicável à separação judicial e à dissolução de união esátvel.
[2] Com relação à homologação do divórcio ou separação consensual, assim estabelece o CPC: Art. 731. A homologação do divórcio ou da separação consensuais, observados os requisitos legais, poderá ser requerida em petição assinada por ambos os cônjuges, da qual constarão: I - as disposições relativas à descrição e à partilha dos bens comuns; II - as disposições relativas à pensão alimentícia entre os cônjuges; III - o acordo relativo à guarda dos filhos incapazes e ao regime de visitas; e IV - o valor da contribuição para criar e educar os filhos. Parágrafo único. Se os cônjuges não acordarem sobre a partilha dos bens, far-se-á esta depois de homologado o divórcio, na forma estabelecida nos arts. 647 a 658 .
[3] Art 34 - A separação judicial consensual se fará pelo procedimento previsto nos arts. 1.120 e 1.124 do Código de Processo Civil, e as demais pelo procedimento ordinário. § 1º - A petição será também assinada pelos advogados das partes ou pelo advogado escolhido de comum acordo. § 2º - O juiz pode recusar a homologação e não decretar a separação judicial, se comprovar que a convenção não preserva suficientemente os interesses dos filhos ou de um dos cônjuges. § 3º - Se os cônjuges não puderem ou não souberem assinar, é lícito que outrem o faça a rogo deles. § 4º - Às assinaturas, quando não lançadas na presença do juiz, serão, obrigatoriamente, reconhecidas por tabelião.
[4] Art 3º - A separação judicial põe termo aos deveres de coabitação, fidelidade recíproca e ao regime matrimonial de bens, como se o casamento fosse dissolvido. § 1º - O procedimento judicial da separação caberá somente aos cônjuges, e, no caso de incapacidade, serão representados por curador, ascendente ou irmão.
[5] Art 20 - Para manutenção dos filhos, os cônjuges, separados judicialmente, contribuirão na proporção de seus recursos.
[6] Exemplo de decisão de primeiro grau: “Vistos. 1. Chamo o feito a ordem. 2. Emende a autora a inicial, incluindo no polo ativo o menor J., titular do pedido de alimentos, com a respectiva procuração, que pode ser particular, sem maiores formalidades. 3. Prazo: 10 dias. 4. Intimar.” (Processo: 1.14.0001991-9 Órgão Julgador: 1ª Vara Judicial – Juíza Patricia Stelmar Netto).
Exemplos de decisões de Tribunais reformando decisões de primeiro grau: AGRAVO DE INSTRUMENTO – Ação de Divórcio c/c Alimentos – determinação para emenda da petição inicial com exclusão desse pedido – Mãe que possui legitimidade para pedir alimentos em nome dos filhos menores – Inexistência de incompatibilidades intransponíveis entre os pedidos – Prevalência dos princípios da economia processual e celeridade – Processamento da ação, com apreciação de todos os pedidos formulados na petição inicial, determinado – Decisão Reformada. Recurso Provido. (TJSP - AgIn 0242840-61.2011.8.26.0000 - 3ª Câmara de Direito Privado - j. 31/1/2012 - julgado por Egidio Giacoia - DJe 2/2/2012);
AGRAVO DE INSTRUMENTO - DIREITO DE FAMÍLIA - AÇÃO DE DIVÓRCIO - DIREITO À PENSÃO ALIMENTÍCIA - LITIGIOSIDADE DA QUESTÃO - LEGITIMAÇÃO EXTRAORDINÁRIA DA GENITORA DOS MENORES - POSTULAR ALIMENTOS EM FAVOR DOS FILHOS COMUNS - POSSIBILIDADE - BINÔMIO NECESSIDADE/POSSIBILIDADE - DESEMPREGO - REDUÇÃO DO VALOR PRETENDIDO - RECURSO PROVIDO -DECISÃO REFORMADA. (TJMG - Processo 1.0172.13.001146-0/001 - 4.ª Câmara Cível - j. 23/4/2015 - julgado por Ana Paula Caixeta - WEB 30/4/2015)
[7] Nesse sentido: CIVIL E PROCESSO CIVIL. ACORDO CELEBRADO EM PROCESSO DE SEPARAÇÃO JUDICIAL. FIXAÇÃO DE ALIMENTOS EM FAVOR DO FILHO. LEGITIMIDADE EXTRAORDINÁRIA DA GENITORA PARA PROPOR A AÇÃO DE EXECUÇÃO. ARTS. ANALISADOS: 6º, 1.121, III, CPC. 1. Ação de execução de alimentos, distribuída em 11/04/2011, da qual foi extraído o presente recurso especial, concluso ao Gabinete em 06/12/2013. 2. Discute-se a legitimidade ad causam da genitora para a execução de alimentos fixados, em favor do filho, no acordo realizado com o genitor, em processo de separação judicial. 3. O inciso III do art. 1.121 do CPC autoriza os requerentes de separação consensual - leia-se, divorcio - a indicar, na petição inicial, o valor que entendem devido para criar e educar os filhos, prevendo verdadeira hipótese de legitimação extraordinária dos pais quanto à fixação de alimentos aos seus descendentes, como exige o art. 6º do CPC. 4. Se a lei, ainda que excepcionalmente, admite que os pais transijam sobre os alimentos devidos aos filhos, em processo do qual sequer os alimentandos são parte, com maior razão deve ser-lhes permitido exercer a pretensão de fazer cumprir o que foi acordado, satisfazendo, como corolário do permissivo legal, o crédito alimentar estabelecido em beneficio dos descendentes. 5. No particular, a genitora, autora da ação de separação litigiosa, atuou como legitimada extraordinária, no que tange ao direito do descendente à verba alimentar para o custeio de sua educação. Nesse contexto, o simples fato de ela ser parte na relação jurídica controvertida, que deu origem ao direito então pleiteado, é circunstância capaz de autorizar a sua participação também neste processo de execução; aqui, como lá, agindo em nome próprio para defender interesse alheio. 6. Recurso especial conhecido e provido. (REsp 1424513/PE, Rel. Ministra NANCY ANDRIGHI, TERCEIRA TURMA, julgado em 08/05/2014, DJe 16/05/2014)
AGRAVO INTERNO. AGRAVO EM RECURSO ESPECIAL. AÇÃO DE DIVÓRCIO. ALIMENTOS FIXADOS EM FAVOR DA PROLE. PEDIDO EXPRESSO. DECISÃO DENTRO DOS LIMITES DO PEDIDO. 1. Não é ultra petita a decisão que dispõe sobre alimentos em ação de divórcio se tal pedido foi expressamente formulado pelo cônjuge interessado. 2. Agravo interno a que se nega provimento. (STJ - AgInt no Agravo no REsp 1.116.995 - 4ª Turma - j. 26/6/2018 - julgado por Maria Isabel Diniz Gallotti Rodrigues - WEB 1/8/2018)
[8] 694. Nas ações de família, todos os esforços serão empreendidos para a solução consensual da controvérsia, devendo o juiz dispor do auxílio de profissionais de outras áreas de conhecimento para a mediação e conciliação.
[9] Art. 693. As normas deste Capítulo aplicam-se aos processos contenciosos de divórcio, separação, reconhecimento e extinção de união estável, guarda, visitação e filiação. Parágrafo único. A ação de alimentos e a que versar sobre interesse de criança ou de adolescente observarão o procedimento previsto em legislação específica, aplicando-se, no que couber, as disposições deste Capítulo.
[10] Art. 327. (...) § 2º Quando, para cada pedido, corresponder tipo diverso de procedimento, será admitida a cumulação se o autor empregar o procedimento comum, sem prejuízo do emprego das técnicas processuais diferenciadas previstas nos procedimentos especiais a que se sujeitam um ou mais pedidos cumulados, que não forem incompatíveis com as disposições sobre o procedimento comum. (g/n)
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