ABDPro #17 - Repensando o efeito suspensivo dos embargos à execução fiscal - Por Antonio Carlos F. de Souza Júnior

24/01/2018

Introdução 

A edição do CPC-2015 reascendeu o debate sobre a necessidade de promover uma reforma na Lei de Execuções Fiscais (Lei nº 6.830/1980). Inclusive, recentemente, a Procuradoria-Geral da Fazenda Nacional elaborou um Anteprojeto de Lei de Execução Fiscal, o qual seria apresentado como um substitutivo ao Projeto de Lei nº 2.412/2007 e seus respectivos apensos.

Paralelamente, a comunidade acadêmica também tem debatido sobre o conteúdo de uma possível reforma da atual Lei de Execuções Fiscais ou até mesmo a edição de uma nova lei integralmente remodelada.

Neste contexto, o presente trabalho possui o escopo de apresentar resumidamente a nossa proposta de reformulação normativa dos embargos à execução fiscal[1].  

A proposta terá como pilar teórico a ideia de que o processo (tributário – administrativo ou judicial) é uma instituição de garantia, delineada na Constituição Federal, e não apenas um elemento instrumental do poder estatal[2].

Por outro lado, não estamos alheios às dificuldades encontradas pelos órgãos da administração tributária para satisfação dos seus créditos, especialmente na seara da execução judicial conforme atesta o estudo empírico “Justiça em Números” do Conselho Nacional de Justiça[3].

É justamente por isso que a proposta a seguir apresentada tenta prestigiar a necessidade de concretizar os postulados constitucionais inerentes ao processo (devido processo legal e prestígio ao contraditório) e, ao mesmo tempo, laborar a favor da eficiência da cobrança do crédito fiscal.

1. Efeito suspensivo dos embargos à execução

A alteração promovida pela Lei nº 11.382/2006 impactou o regime de concessão do efeito suspensivo dos embargos à execução fiscal. Ao passo que a legislação permitiu a oposição de embargos à execução sem penhora prévia, o efeito suspensivo automático deixou de existir com a revogação do art. 739 do CPC/1973.

Destarte, houve a inclusão do art. 739-A do CPC/1973 que delegou a atribuição de efeito suspensivo ao julgador quando presente os seguintes requisitos: i) relevantes fundamentos; ii) o prosseguimento da execução possa causar ao executado grave dano de difícil ou incerta reparação e iii) garantia da execução por penhora, depósito ou caução.

O modelo também foi mantido no CPC/2015, consoante pode ser observado no art. 919, o qual possui redação semelhante ao art. 739-A do CPC/1973. Não obstante, entendemos que as particularidades da execução fiscal e alguns avanços trazidos no CPC/2015 exige que o regime de efeito suspensivo dos embargos à execução fiscal seja aperfeiçoado.

Uma alternativa viável é a criação de um rol de hipóteses (taxativas), com modalidades de efeito suspensivo automático e modalidades que dependem de deferimento judicial, mediante o preenchimento de requisitos legais.

As mencionadas modalidades de efeito suspensivo serão detalhadas e justificadas separadamente nos tópicos seguintes.  

2. Efeito suspensivo automático no depósito em dinheiro, fiança bancária e no seguro garantia

A primeira modalidade de efeito suspensivo aos embargos à execução fiscal será automática e aplicável aos casos em que o embargante efetua o depósito em dinheiro do montante executado, apresenta fiança bancária ou o seguro garantia.

Importante observar que, para o caso do depósito em dinheiro, o efeito suspensivo automático já possui respaldo normativo na legislação vigente. O art. 151, inciso II, do Código Tributário Nacional estabelece como hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário o depósito do montante integral. Com isso, havendo depósito integral, o juízo apenas certificará a sua existência e os efeitos previstos na legislação tributária.

E mais, interpretando sistematicamente o art. 7º, inciso II, e o art. 32, §2º, da Lei nº 6.830/1980, podemos concluir que, em caso do depósito do montante em dinheiro, a satisfação do crédito (ato executório final) somente poderá ocorrer após o trânsito em julgado, o que claramente denota a sustação dos atos executórios.

Sendo assim, é salutar a existência de um dispositivo que contemple expressamente a suspensão automática no caso de depósito em montante integral do crédito tributário executado.

Por outro lado, no caso da fiança bancária e do seguro-garantia, a suspensão automática também é salutar, haja vista o alto grau de liquidez da garantia. O art. 835, §2º, do CPC/2015 equiparou a dinheiro, para fins de substituição de penhora, as modalidades citadas. No mesmo sentido é a redação do inciso II, do art. 7º da Lei nº 6.830/1980, dada pela Lei nº 13.043/2014.

Finalmente, é de bom alvitre salientar que a equiparação do depósito em dinheiro ao seguro-garantia e a fiança bancária é somente sob a óptica processual, não alcançando a hipótese de suspensão da exigibilidade do crédito tributário, prevista no inciso II do art. 151 do Código Tributário Nacional.

3. Efeito suspensivo quando presentes os requisitos para concessão da tutela de evidência

A segunda hipótese de efeito suspensivo consiste em uma modalidade de concessão por meio de decisão judicial. O fundamento para o deferimento da medida seria a presença dos requisitos da tutela de evidência previsto no art. 311, inciso II, interpretado sistematicamente com o art. 927 e o parágrafo 4º do art. 496, todos do CPC/2015[4].

Nos embargos à execução fiscal, a técnica de tutela de evidência funcionaria para suspender a execução fiscal, evitando a realização de atos expropriatórios que serão desconstituídos dada a probabilidade de procedência dos embargos à execução, bem como impedindo que o patrimônio do contribuinte seja afetado por um título executivo evidentemente improcedente.

4. Efeito suspensivo fundado na tutela de urgência e a garantia da execução

A terceira hipótese de concessão de efeito suspensivo aos embargos à execução seria semelhante ao modelo previsto no art. 919 do CPC/2015, o qual impõe a necessidade de garantia da execução, mediante penhora suficiente e a configuração dos elementos para concessão da tutela provisória de urgência.

Com relação à garantia da execução, a penhora deve recair sobre os bens previstos nos incisos II a XIII do art. 835 do CPC/2015, excetuando o depósito em dinheiro, a fiança bancária e o seguro-garantia, modalidades sujeitas ao efeito suspensivo automático. Os requisitos para concessão de tutela de urgência devem ser extraídos do caput do art. 300 do CPC/2015.

Portanto, verificada a existência de garantia da execução, a existência de probabilidade do direito alegado nos embargos à execução e perigo de dano ou resultado útil do processo, o juiz deve conceder efeito suspensivo aos embargos à execução, suspendendo a execução fiscal.

5. Efeito suspensivo automático para o responsável tributário não incluído na CDA ou que não figurou como parte no processo administrativo tributário

A existência de um processo administrativo tributário ou pelo menos a possibilidade da sua instauração, garante ao responsabilizado o contraditório e a ampla defesa, reforçando a legitimidade da atividade administrativa em caso de manutenção da responsabilização. 

Por outro lado, quando houver necessidade de ser apontada a responsabilidade de terceiro após o lançamento tributário, somente será possível constituir o vínculo de responsabilidade por meio da atividade jurisdicional[5].

Assim, após a constituição definitiva do crédito tributário, não há abertura procedimental para que se promova a constituição do vínculo de responsabilidade tributária. Neste contexto, entendemos que não há respaldo legal para criação de procedimentos como o Procedimento Administrativo de Reconhecimento de Responsabilidade (PARR), instituído pela Portaria PGFN nº 948/2017. Inclusive, no PAAR, o julgamento da responsabilização é feito pela própria Procuradoria da Fazenda Nacional, afetando o devido processo legal.

Além disso, caso seja possível a imputação de responsabilidade de forma unilateral pelas Procuradorias, haverá um claro cerceamento do direito de defesa do responsabilizado, bem assim a completa ausência de contraditório, o que, sem dúvida, não se coaduna com o nosso sistema jurídico e, sobretudo, o art. 5º, inciso LV, da Constituição Federal que preceitua: “aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes”.

No modelo proposto, o redirecionado, não incluído na Certidão de Dívida Ativa (CDA) ou que, apesar de incluído na CDA, não figurar como responsável no processo administrativo tributário decorrente da constituição do crédito tributário, será citado para opor embargos à execução com efeito suspensivo automático.

Assim, os embargos à execução servirão para que o redirecionado apresente sua insurgência contra os fundamentos utilizados para sua responsabilização e, ao mesmo tempo, também poderá questionar a higidez do crédito tributário cobrado na execução fiscal.

Saliente-se que a atribuição de efeito suspensivo automático aos embargos à execução do redirecionado não prejudica a efetividade de eventuais medidas de urgência em desfavor do terceiro. Sendo necessário, a Fazenda Pública poderá utilizar a Medida Cautelar Fiscal, prevista na Lei nº 8.397/1992, ou até mesmo pedir a indisponibilidade de bens com fundamento no art. 185-A do Código Tributário Nacional.

6. Sugestão de redação do dispositivo legal

Art. xx.  Os embargos à execução não terão efeito suspensivo, salvo quando:

I - houver depósito em dinheiro do montante integral do débito, fiança bancária ou seguro garantia;

II – o Juiz, a requerimento do embargante, verificar, independentemente da demonstração de perigo de dano ou de risco ao resultado útil do processo, que as alegações de fato podem ser comprovadas apenas documentalmente e houver tese firmada em julgamento vinculante previsto no art. 927 da Lei nº 13.105/2015;

III - o Juiz, a requerimento do embargante, verificar a existência elementos que evidenciem a probabilidade do direito, o perigo de dano ou o risco ao resultado útil do processo e desde que a execução já esteja garantida por penhora;

IV -  forem opostos por responsável tributário não incluído na Certidão de Dívida Ativa ou que, apesar de incluído, não figurou como parte no processo administrativo de constituição do crédito tributário;

§ 1º O disposto no inciso II também se aplica quando a tese estiver fundada em entendimento coincidente com orientação vinculante firmada no âmbito administrativo do próprio ente público, consolidada em manifestação, parecer ou súmula administrativa.

§ 2º Cessando as circunstâncias que a motivaram, a decisão relativa aos efeitos dos embargos poderá, a requerimento da parte, ser modificada ou revogada a qualquer tempo, em decisão fundamentada.

§ 3º Quando o efeito suspensivo atribuído aos embargos disser respeito apenas a parte do objeto da execução, esta prosseguirá quanto à parte restante.

§ 4º A concessão de efeito suspensivo aos embargos oferecidos por um dos executados não suspenderá a execução contra os que não embargaram quando o respectivo fundamento disser respeito exclusivamente ao embargante.

Conclusão

Entendemos que as particularidades da execução fiscal e alguns avanços trazidos no CPC/2015 demandam um aperfeiçoamento legislativo do efeito suspensivo dos embargos à execução.

Com isso, propomos a criação de um rol de hipóteses (taxativas), com modalidades de efeito suspensivo automático e modalidades que dependem de deferimento judicial, mediante o preenchimento de requisitos legais.

As hipóteses de efeito suspensivo automático seriam: i) a garantia integral do débito executado mediante depósito de dinheiro, fiança bancária e seguro garantia; b) nos embargos opostos pelo responsável tributário (qualquer modalidade prevista no CTN) quando não figurar como responsável no processo administrativo tributário.

Já as hipóteses de efeito suspensivo que dependem de deferimento judicial, ficariam subdivididas em: i) quando presentes os requisitos para tutela de urgência e, cumulativamente, houver garantia da execução por penhora ou caução; ii) quando presentes os requisitos para concessão da tutela de evidência. 

 

Notas e Referências:

[1] Em outro trabalho, já desenvolvemos em conjunto com a Professora Mary Elbe Queiroz uma proposta aprofundada e geral sobre os embargos à execução fiscal. Cf. SOUZA JÚNIOR, Antonio Carlos F. de. QUEIROZ, Mary Elbe. Embargos à Execução Fiscal: um contributo para um novo modelo. In: Medidas de redução do contencioso tributário e o CPC/2015: contributos práticos para ressignificar o processo administrativo e judicial tributário. Gisele Barra Bossa et al (Coordenadores). São Paulo: Almedina, 2017.    

[2] COSTA, Eduardo José da Fonseca. O processo como instituição de garantia. Revista Consultor Jurídico de 16/11/2016. Disponível em: http://www.conjur.com.br/2016-nov-16/eduardo-jose-costa-processo-instituicao-garantia

[3] CONSELHO NACIONAL DE JUSTIÇA. Justiça em números 2016: ano-base 2015. Brasília: CNJ, 2016. p. 63. “(...) os processos de execução fiscal representam, aproximadamente, 39% do total de casos pendentes e 75% das execuções pendentes no Poder Judiciário. Os processos desta classe apresentam alta taxa de congestionamento, 91,9%, ou seja, de cada 100 processos de execução fiscal que tramitaram no ano de 2015, apenas 8 foram baixados. Desconsiderando estes processos, a taxa de congestionamento do Poder Judiciário cairia de 72,2% para 63,4% no ano de 2015 (redução de 9 pontos percentuais). A maior taxa de congestionamento de execução fiscal está na Justiça Federal (93,9%), e a menor, na Justiça do Trabalho (75,8%)”.

[4] Para maiores aprofundamentos: Cf. SOUZA JÚNIOR, Antonio Carlos F. de. QUEIROZ, Mary Elbe. A tutela de evidência na execução fiscal. In: Racionalização do sistema tributário. Paulo de Barros Carvalho (Coordenador). São Paulo: Noeses/IBET, 2017.

[5] Cf. QUEIROZ, Mary Elbe; SOUZA JÚNIOR, Antonio Carlos F. de. O incidente de desconsideração da personalidade jurídica no CPC-2015 e a responsabilidade tributária: primeiras impressões. In: Novo CPC e o processo tributário. Antonio Carlos F. de Souza Júnior e Leonardo Carneiro da Cunha (coordenadores). São Paulo: FocoFiscal, 2015.

 

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