ABDPRO #129 - AS RECENTES MUDANÇAS NOS JULGAMENTOS VIRTUAIS PERANTE O STF NÃO PODEM RESTRINGIR DIREITOS

13/05/2020

Coluna ABDPRO

Em um momento no qual as instituições têm editado normas de caráter temporário para lidar com a situação excepcional atualmente vivida no país, o Supremo Tribunal Federal introduziu alterações no procedimento de julgamento de ações e recursos que vieram para ficar. Tais alterações foram realizadas por inúmeros expedientes, são eles: (i) Emenda Regimental nº 53, de 18.3.2020; (ii) Resolução nº 669, de 19.3.2020; (iii) Resolução n° 672, de 26.3.2020; (iv) Resolução nº 675, de 22.4.2020; (v) Resolução nº 676, de 22.4.2020.

Este breve ensaio tem por objetivo analisar se as alterações promovidas pelas normas acima destacadas estão em conformidade com as leis processuais e Constituição Federal. Afinal, é inafastável a premissa de que o regimento interno de um tribunal, assim como as resoluções por ele editadas são normas infralegais e, portanto, não podem suprimir garantias que foram conferidas aos jurisdicionados por normativos de hierarquia superior. Antes de adentrar nas considerações específicas a respeito das referidas alterações, é importante compendiar as espécies de julgamentos realizados pelo STF até então; quais sejam: o julgamento presencial, o julgamento virtual e o julgamento em lista.

O julgamento virtual foi introduzido pela Emenda Regimental nº 27, de 30.4.2007, para decisão, pelo plenário, sobre a existência de repercussão geral das questões constitucionais levadas pelo jurisdicionado nos recursos extraordinários. Posteriormente, por meio da Emenda Regimental nº 51, de 22.6.2016, também os julgamentos de agravos internos e embargos de declaração interpostos/opostos contra decisões ou acórdãos proferidos em quaisquer processos poderiam, a critério do relator, ser julgados em sessões virtuais.

A Resolução n° 587, de 29.7.2016, disciplinou o procedimento do julgamento destes recursos em ambiente eletrônico e estabeleceu que as sessões são realizadas semanalmente, obedecendo-se o quanto previsto no art. 935 do CPC. Dispõe, ainda, que, após a inclusão do relatório e do voto condutor no sistema, os Ministros podem adotar as opções de voto disponíveis no sistema[1] e, em caso de ausência de pronunciamento no prazo da sessão (sete dias), presume-se a adesão aos termos do voto do relator. A resolução prevê que os votos somente ficarão disponíveis ao público – incluindo os jurisdicionados envolvidos no caso – após o encerramento da votação. Por derradeiro, a resolução é categórica ao determinar que “não serão julgados por meio virtual os agravos em que houver pedido de sustentação oral, quando cabível” (art. 4º, p.u.).

Em que pese o referido ato infralegal tenha sido revogado pela Resolução nº 642, de 14.6.2019, o procedimento acima mencionado restou preservado pela norma atual, que introduziu, ainda, questionável alteração, ao ampliar as hipóteses de julgamento por meio eletrônico, incluindo (i) medidas cautelares em ações de controle concentrado; (ii) referendum de medidas cautelares e de tutelas provisórias; (iii) recursos extraordinários e agravos, inclusive com repercussão geral reconhecida, cuja matéria discutida tenha jurisprudência dominante no âmbito do STF; (iv) demais classes processuais cuja matéria discutida tenha jurisprudência dominante no âmbito do STF[2].

O julgamento em lista é prática recorrente no STF há cerca de 10 anos nas sessões de julgamento presencial. Tradicionalmente, o relator elaborava uma lista de agravos internos e a encaminhava para julgamento com divulgação tão somente no quadro de avisos na entrada da sala das sessões. O julgamento dos processos listados ocorria por meio do anúncio da súmula do seu resultado, a despeito de qualquer debate pelo órgão colegiado. A regulamentação dessa forma de julgamento, nas modalidades presencial e virtual, ocorreu por meio da Resolução nº 642. De acordo com a norma, o julgamento em lista não mais se restringe aos agravos internos, já que “o ministro relator poderá submeter a julgamento listas de processos em ambiente presencial ou eletrônico” (art. 1º, caput). Ademais, a resolução prevê que as listas de processos serão disponibilizadas no sítio eletrônico do tribunal e noticiado no andamento processual de cada caso.

Em que pese se tenha em vista que os julgamentos virtuais e em lista possuem formatos mais abreviados com o intuito de desafogar o grande acervo de processos que abarrota os gabinetes dos Ministros do STF, é certo que as providências tomadas pelo tribunal para otimizar o gerenciamento dos seus processos não podem suprimir garantias.

A legislação processual em vigor permite a realização de atos processuais em geral por meio eletrônico (art. 2º, da Lei nº 11.419/2006) mas, de acordo com o art. 194 do CPC, as sessões de julgamento eletrônico devem respeitar a publicidade dos atos, o acesso e a participação das partes e de seus procuradores, a corroborar com as garantias constitucionais da publicidade dos julgamentos (CF, art. 93, IX) e ampla defesa do jurisdicionado (CF, art. 5º, LV).

Os julgamentos virtuais padecem de graves vícios que ofendem as garantias ora destacadas, já que (i) não permitem a participação dos procuradores das partes durante a sua realização; (ii) somente se tornam públicos após a sua conclusão; (iii) o debate do caso é fragilizado, já que qualquer vogal pode apenas silenciar-se sobre o julgamento, o que é reputado como aquiescências com o voto do relator; (iv) a retirada do caso desta modalidade de julgamento não depende de simples manifestação da parte, ela deverá ser, necessariamente, decidida pelo relator, que poderá indeferir o pedido (exceto na hipótese de sustentação oral)[3].

Ao julgamento em lista presencial, conquanto exista a possibilidade de o procurador da parte se fazer presente na sessão, permanecerá alheio às razões que levaram o colegiado a decidir o caso, o que ocorrerá apenas após a publicação do acórdão, quando nada mais poderá fazer por seu cliente. Ademais, nesta hipótese existe o risco de que o patrono da parte não seja intimado sobre o julgamento, uma vez que a Resolução nº 642 dispõe que a inclusão de um caso em lista se torna pública por meio da veiculação desta informação no sítio eletrônico do tribunal, cuja consulta não é obrigatória pelos procuradores das partes.

Feitas todas essas considerações, passa-se, à análise das alterações recentemente promovidas pelo STF, para verificar se elas corroboram com as garantias conferidas ao jurisdicionado pela Constituição Federal e pela lei processual ou se, em nome da celeridade, da eficiência e da duração razoável do processo, suprimem tais garantias. E a premissa da qual se parte para esta verificação é muito simples: a virtualização dos julgamentos devem manter, de forma fidedigna, as mesmas garantias que podem ser exercidas em julgamentos presenciais.

A mais significativa alteração é a possibilidade de realização de sessões presenciais com o recurso da videoconferência. A Resolução nº 672 admite tanto a realização da sessão inteiramente por videoconferência, quanto a realização de sessão na qual apenas parte dos participantes usem o recurso tecnológico. A participação dos procuradores e representante do Ministério Público é garantida por videoconferência, para realização de sustentações orais e esclarecimentos de fato. A inscrição é realizada mediante o preenchimento de formulário disponível no sítio eletrônico do tribunal, e pode ser realizada até 24h antes do início da sessão, de acordo com alteração inserida pela Resolução nº 676.

A iniciativa do STF parece-nos, s.m.j., acenar em alguma medida em favor do jurisdicionado, afinal, de acordo com a premissa que se estabeleceu, todas as prerrogativas conferidas ao seu procurador em uma sessão na qual ele estaria fisicamente presente são mantidas na sua participação por videoconferência. Estão garantidas a sustentação oral, eventuais apartes e esclarecimentos de fato, o acompanhamento das discussões entre os julgadores, bem como a garantia de que todos os magistrados tomaram conhecimento do caso e votaram. E, ainda, o procurador da parte tem acesso aos votos dos magistrados no exato momento em que eles são proferidos. Em síntese, o emprego de videoconferência nas sessões presenciais de julgamento é exemplo de como a tecnologia pode aprimorar a concretização de garantias e o exercício da função jurisdicional.

Não se pode dizer o mesmo das demais alterações promovidas pela Emenda Regimental nº 53 e Resoluções 669 e 675. De acordo com o novo regramento, qualquer processo em trâmite perante o STF pode ser incluído em ambiente virtual para julgamento, inclusive aqueles nos quais é permitida a realização de sustentação oral. E mais do que isso: a decisão a respeito da inclusão de um caso em sessão presencial ou virtual depende exclusivamente, do critério do relator, que sequer tem o dever de indicar os parâmetros objetivamente cognoscíveis de escolha.

A fim de mitigar, ao menos em tese, as limitações do regime de julgamento virtual – já destacadas nestes texto – permite-se a possibilidade de realização de sustentação oral através do envio de arquivo por peticionamento eletrônico, bem como a possibilidade, no curso da sessão virtual, de o procurador peticionar esclarecendo questões de fato. Outra crítica feita ao julgamento virtual, atinente à disponibilização dos votos apenas após a conclusão do julgamento, também não mais se justificaria, uma vez que “o relatório e os votos inseridos no ambiente virtual serão disponibilizados no sítio eletrônico do STF durante a sessão de julgamento virtual” (art. 2º, § 2º, da Resolução 642).

Em que pese estas alterações tenham aproximado o julgamento virtual do julgamento presencial, relevantes diferenças ainda existem, sendo inequívoca a restrição de garantias previstas na legislação por atos infralegais. A primeira delas diz respeito à manutenção da possibilidade de o magistrado não se manifestar no julgamento, presumindo-se a sua inércia em favor do voto do relator. No limite, se nenhum dos vogais se manifestar expressamente a respeito do voto condutor, haverá uma decisão monocrática ilegitimamente consagrada como uma decisão colegiada. E justamente porque se admite a ausência de manifestação no julgamento virtual que não há qualquer garantia que a sustentação oral enviada por meio eletrônico será apreciada e seus fundamentos levados em conta na decisão. A simples garantia de envio da mídia não se equipara à certeza, pelo jurisdicionado, de que o arquivo foi ao menos acessado pelo magistrado.

Igualmente frágil se revela o peticionamento com esclarecimentos de fato sem a mínima confirmação, no sistema, de que a petição foi apreciada pelos magistrados. Fosse esse esclarecimento feito da tribuna, não haveria qualquer incerteza. Ademais, a disponibilização dos votos ou da simples indicação de acompanhamento do relator ou divergência não fomenta o debate ainda mais necessário no julgamento de ações de controle concentrado ou julgamento de recursos extraordinários repetitivos, IAC’s, ou quaisquer outros casos que tenham ampla repercussão nacional.

E ciente de todas essas deficiências, o jurisdicionado nada – ou muito pouco – pode fazer para que o seu caso seja deslocado para uma sessão presencial. Ou seja: se antes a manifestação de interesse da parte em realizar sustentação oral implicava necessária reinclusão do feito em sessão presencial, agora este pedido sequer possui previsão no regimento ou resoluções do STF. A Resolução nº 642 manteve a possibilidade de pedido de destaque pela parte, mas a retirada da pauta virtual depende do deferimento do pedido pelo relator, o que se mostra pouco provável, já que segundo o seu critério – não se sabe qual –, o caso foi definido como apto ao julgamento em ambiente eletrônico.

As maiores críticas, no entanto, devem ser tecidas às sessões virtuais extraordinárias previstas no art. 21-B do RISTF e disciplinadas no art. 5º-B da Resolução nº 642, incluído pela pelo ato nº 669. Isso porque ao determinar que “o disposto no art. 2º, caput e § 1º, não se aplica à sessão virtual extraordinária[4], outra não pode ser a conclusão senão que a assentada extraordinária prescindiria da observância ao art. 935 do CPC, consistindo em verdadeira “sessão surpresa” para o jurisdicionado, impedindo que seu procurador adote as providências de praxe como a entrega de memoriais e mesmo a gravação e envio da sustentação oral. Importa lembrar que a inclusão de informação no andamento processual não se equipara a regular intimação, sendo flagrante a sua inconstitucionalidade, por se tratar de grave mácula à ampla defesa e à publicidade dos julgamentos.

Em última análise, conquanto a realização de sessões presenciais por meio de videoconferências possa auxiliar a superar obstáculos das mais diversas ordens, máxime em tempos de crise, os julgamentos virtuais – em que pese todas as alterações realizadas para assemelhá-lo à forma presencial – ainda padecem de graves deficiências que culminam em restrições de direitos. A tecnologia é bem-vinda, mas as garantias processuais são imprescindíveis e inflexíveis às mitigações infralegais.

 

Notas e Referências

[1] Art. 6º Os Ministros poderão votar nas listas como um todo ou em cada processo separadamente. § 1º As opções de voto serão as seguintes: a - acompanho o Relator; b - acompanho o Relator com ressalva de entendimento; c - divirjo do Relator; ou d - acompanho a divergência. § 2º Eleitas as opções b ou c, o Ministro declarará o seu voto no próprio sistema.

[2] Já tivemos oportunidade de tecer algumas críticas à ampliação do rol de casos submetidos ao julgamentos virtuais. Consultar: ROSSI, Júlio César e MALAFAIA, Evie Nogueira e. Julgamentos virtuais: de como a excepcionalidade tornou-se regra e essa ganhou viés arbitrário. Empório do direito. São Paulo, 09 de set. 2019. Disponível em https://bit.ly/2Ynkjxj.

[3] Ao julgamento em lista virtual, acrescente-se as mesmas críticas já feitas ao julgamento virtual em geral.

[4] Art. 2º As sessões virtuais serão realizadas semanalmente e terão início às sextas-feiras, respeitado o prazo de 5 (cinco) dias úteis exigido no art. 935 do Código de Processo Civil entre a data da publicação da pauta no DJe, com a divulgação das listas no sítio eletrônico do Tribunal, e o início do julgamento. § 1º O relator inserirá ementa, relatório e voto no ambiente virtual; iniciado o julgamento, os demais ministros terão até 5 (cinco) dias úteis para se manifestar.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Brasil, Porto Alegre // Foto de: Rogerio Camboim S A // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/rcamboim/32768236472

Licença de uso: https://creativecommons.org/publicdomain/mark/2.0/

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura