ABDPRO #123 - A VERDADE NO PROCESSO. COMO FICAM AS FONTES E OS MEIOS DE PROVA.UMA PEQUENA REFLEXÃO

01/04/2020

Coluna ABDPRO

A verdade, no nível epistemológico, é considerada a correspondência entre as afirmações ou declarações de fatos do mundo empírico. Essa noção de correspondência, no nível prático e dentro da dialética processual, leva à afirmação de que a busca da verdade no processo civil deve tender a determinar a verdade sobre as alegações de fato das partes. Assim, é fácil perceber que não existe um contexto processual que abandone ou renuncie para classificar a verdade como a determinação e a subsequente verificação do que as partes afirmam. Tal declaração ganha importância dentro de uma estrutura processual na qual a regra probatória do ônus da prova é incluída, entendida como o imperativo para o benefício de cada parte para provar o que diz. Sem ir muito longe, esta é uma tese que sofreu o impacto de outros, como a transformação do ônus da prova em um dever de provar, em um panorama de cooperação e de esclarecimento dos fatos ( o que questionamos seriamente). Aqui a advertência de Susan Haack, que aponta que o conceito de verdade está internamente relacionado ao conceito de crença, evidência e pesquisa, e que a verdade seria apenas o plausível.

Agora, se o plausível, é a coisa mais próxima da representação de uma realidade percebida, e como, ensina Comanducci, de que o juiz não é um historiador para procurar o que realmente aconteceu - encarregado de nunca encontrar tal verdade - o escopo, a evidência, recairá sobre o que provavelmente ocorreu de acordo com o que foi comprovado efetivamente nos autos.

É evidente que, entre os sujeitos do processo, o juiz é quem tem a tarefa epistêmica fundamental de determinar a probabilidade de ocorrência dos fatos. Isso sugere que o juiz, para atingir os propósitos da jurisdição que possui, exige que trabalhe com fatos, admita evidências, aja, a avalie e decida se concede ou não a proteção do direito.

Se o processo for considerado uma coisa das partes em que são meros assuntos particulares, os direitos disponíveis são transmitidos, o juiz não pode ser o encarregado de investigar a correspondência entre o que é alegado e comprovado pelas partes1.

Embora essa ideologia tenha sido descartada por grande parte das leis processuais, a tendência de reconhecer a presença do juiz na suposição de evidências de que as partes não forneceram a prova por sua própria iniciativa, se fortaleceu pelo mundo, aqui vide a redação do art. 370 e 373.

De outra sorte, a norma do art. 489, incisos e parágrafos também do CPC falam, em decisão efetivamente motivada, ou que a decisão seja legalmente justificada, nunca podemos ter certeza absoluta de que ela conseguiu encontrar a verdade (em uma busca que parece impossível).

Também por esse motivo, mantemos a opção de contestar a prova de ofício e a sua dinamização.
Para mostrar o perigo da prova de ofício, na busca da chamada verdade material, temos que as fontes e meios de prova não permitem a alteração dos fatos da causa pelo juiz.

Correto, as partes no processo, fazem as suas alegações dos fatos ligados à sua pretensão ou defesa. Esses fatos devem ser estritamente relacionados ao que é discutido no processo. Porém, todas as informações para a verificação, contrastação, comprovação desses fatos (verdade dos fatos declarados e contrapostos), se localizarão fora do processo, existe antes dele, e é por isso que requer mecanismos adequados, úteis, legais e pertinentes para transportar as informações fora do processo, para dentro do mesmo.

As informações relevantes para o processo são encontradas nas – “fontes da prova ” , e os mecanismos pelos quais se valem partes e juizes – em um dado momento adequado para incorporar essas informações para dentro do processo chamamos de – “meios de prova ”.

A fonte da prova contém informações sobre fatos relacionados ao processo e que são relevantes para o propósito das partes, na tarefa de convencer o juiz da veracidade de suas reivindicações. No entanto, essas informações estão fora do processo, portanto, é dito que é a fonte é pré-processual, porque existe antes do processo e também é extra-processual, porque está fora do processo. Ainda que, grande parte da doutrina se oponha à afirmação de que a fonte é anterior ao processo, e que está localizado fora dele, usando para isto, o exemplo da perícia judicial, a qual não é possível realizá-la antes do processo.

É Sentis Melendo 2 quem expressa com maestria a idéia da fonte da prova: “ Todas las fuentes son anteriores al proceso y seincorporan a él haciendo uso de los medios de prueba, la fuente es el documento, el medio es su aportación a los autos, la fuentes es el conocimiento que tiene el testigo, el medio es la declaración que preste, la fuente es la cosa u objeto que se somete al perito, el medio de este examen juntamente con el dictamen pericial” .

Efraín Quevedo3 especifica que o debate sobre as fontes e meios de prova tem sido perturbado mais de uma vez, por diferenças terminológicas, dificultando, assim, a troca de idéias; fazendo-se necessário fazer um esforço para descrever, primeiro, a realidade do processo, submeté-la a uma cuidadosa interpretação científica e, finalmente, propor rótulos para sua designação. Esta última tarefa deve ser ajustada, de todas as formas possíveis, aos usos judiciais e à tradição legislativa, para que a construção final seja inteligível para os práticos e não ofereça resistências na sua utilização.

Nesse ponto, talvez, tenhamos que repensar as idéias Carneluttianas para adaptá-los ao nosso tempo e realidade.
Quando os práticas e as leis usam o termo "meios" de prova (não é habitual a palavra fonte) não entendemos que se referem à atividade perceptiva e dedutiva do juiz (elemento subjetivo), à realidade externa que com aquela pretendemos conhecer os fatos ou todo o caso, o procedimento regulado por lei para que essa realidade fique a disposição do juiz.

É possível que as informações que contenham as fontes da prova nunca cheguem ao processo (ou talvez sim). Essas fontes contêm dados fáticos, do que em algum momento e lugar aconteceu na realidade, fatos reais, acontecimentos.
Agora bem, se as partes querem trazer ao conhecimento do juiz a existência desses fatos da realidade, porque são relevantes para apoiar sua reivindicação ou sua defesa, eles devem fazer uso daqueles instrumentos processuais que permitem o ingresso de toda aquela informação contida nas fontes da prova, para dentro do processo, e usarão para isto os meios de prova.

Então, podemos dizer que a fonte e o meio de prova são dois conceitos intimamente ligados, o primeiro é necessariamente pré-processual, tanto é assim que o segundo ocorre apenas no processo.
Os meios de prova servem para que o juiz possa tomar conhecimento dos fatos extrprocessuais vinculados ao processo.

A fonte tem existência, mesmo sem que o processo tenha sido proposto, pré-existe ao processo, o conhecimento que ele tem de certos fatos serão introduzidos no processo através dos meios de prova. Portanto, os meios de prova apenas possuem utilidade e se desenvolvem com o processo, é seu habitat natural, fora dele eles não têm nenhum tipo de relevância 4.

Meios de prova são os instrumentos que permitem ao juiz a apreciação sensível do objeto da prova; ou podemos dizer que são os instrumentos pelos quais se valem as partes para tornar possível a apreciação judicial de dito objeto.

Assim, o sujeito que testemunhou um acidente de trânsito, no qual uma pessoa com seu veículo, tenha atropela outro e a tenha deixado gravemente ferida, constitui evidentemente fonte de prova, pois a partir deste acontecimento, tem em seu poder informações relevantes sobre o ocorrido, em primeira mão, pelo que se torna uma fonte primária.

É possível, que o sujeito que sofreu acidente, nunca descubra que havia alguém que observou o evento, portanto essa prova nunca levará a informação ao processo, porém se vem a descobrir, poderá fazer uso desta prova testemunhal (meio de prova), para que todas as informações que esta fonte tenha com sua declaração testemunhal, chegue ao processo e seja do conhecimento do juiz.

Neste caso, como vemos, a qualidade da fonte recai sobre um sujeito, que tem conhecimento de certos acontecimentos do passado. O mesmo ocorrerá se a fonte da prova for uma uma ou mais partes no processo, e se elas solicitam o depoimento pessoal da outra.

As certidões de nascimento, casamento ou óbito são documentos públicos que contêm informações sobre um evento que ocorreu e em determinada data, dando conta dos fatos sucedidos no passado com respeito a pessoas, nascimento, casamento e morte, respectivamente.

No entanto, essas informações são extraprocessuais, e farão parte do processo, se as partes as incorporarem através dos meios de prova, neste caso concreto, através da prova documental. Os fatos ali escritos, apenas assim, o juiz poderá oportunamente tomar conhecimento desses fatos que ocorreram antes do processo. Aqui, a fonte da prova não corresponderá a um sujeito, mas um documento que contenha informações sobre os fatos do passado, relevantes para o processo.

Também terão o status de fonte da prova os contratos privados, atas, escrituras públicas, os títulos ou qualquer outro documento privado, em que tenham sido inseridos fatos ou acontecimentos, que sejam produtos de uma declaração de vontade válida ou inválida.

Determinado local em que um evento ocorreu (que não é um documento nem pessoa) pode ser uma fonte de prova em um processo judicial, por exemplo, assim o local onde ocorreu o acidente de trânsito ao qual nos referimentos acima, se as partes pretenderem que o juiz tome conhecimento da sinalização, de que é uma via rápida, que existe uma ponte ou outra referência importante, etc. Assim, a utilização da inspeção judicial.
Aqui a fonte da prova não é um sujeito ou documento, a informação ou conhecimento de certos fatos não está contido nesta fonte, aqui é bem diferente, se trata do que o juiz através deste meio de prova, venha tomar conhecimento de fatos que são relacionados ao processo, para sustentar a pretensão ou a defesa. Durante o trabalho de observação (inspeção) feita pelo juiz, ele pode verificar fatos vinculados ao que as partes afirmaram no processo, processará essas informações (usando o método indutivo e dedutivo) para chegar a conclusão sobre se o(s) fato(s) afirmado(s) pelo(s) sujeito(s) do processo corresponde(m) a realidade ou não. Essa mesma operação é realizada pelo juiz quando em uma inspeção judicial nos processos judiciais em que se destina determinar a área ocupada, quando houver discrepância sobre ela, etc.
Devemos salientar ainda, que a fonte da prova nem sempre fornece informações ao juiz para ajudá-lo a decidir, porque é importante especificar que de todas as informações recebidas através desse mecanismos, o juiz deverá processar previamente todos os dados recebidos em relação aos eventos que ocorreram na realidade e aceitar como verídicos ou plausíveis. Assim, apenas as premissas que segundo seu entender se encontram comprovados com os fatos que aportam as fontes da prova. Típico exemplo das testemunhas (evidência muito baixa e com pouca ascendência sobre o juiz), pois nem tudo o que a testemunha diz sobre o que consta dos fatos do processo convencerão o juiz, pois esses depoimentos devem sempre aparecem corroborados com outros meios de prova ou com um indício sério. Por si só, muitas vezes eles não servem para estabelecer a veracidade dos fatos perante o juiz, sobre o fato de um evento ter ocorrido dessa ou daquela maneira na realidade. Será de responsabilidade exclusiva do juiz realizar uma processamento adequado das informações fornecidas por esta fonte. Isso geralmente é chamado de interpretação da prova, ou fundamentação da prova.
É importante a distinção feita pela maioria da doutrina, que busca a utilidade desta diferença, reservando ao termo meio de prova a atividade do juiz, das partes ou de terceiros, desenvolvidos dentro do processo, para trazer fontes de prova; essa atividade é realizada da maneira indicada em cada sistema processual.
Quanto às fontes da prova, são as pessoas ou coisas cujas existências são anteriores ou independentes dele, que tem conhecimento ou representam o fato a provar. Quando o conhecimento ou representação não se refere diretamente ao fato de provar, mas a outros que podem ser deduzidos daqueles, as pessoas ou as coisas são fontes de presunções ou indicios.
Portanto, temos que existe uma clara relação entre fonte de prova (uma pessoa, um documento, uma circunstância verificável etc.), entendido como aquela pessoa ou objeto que contém informações que podem ser relevantes para um processo específico e o meio de prova (testemunhal, depoimento pessoal, inspeção judicial, etc), o que podemos definir como instrumento que permite levar ao processo, a informação que se encontra contida na fonte de prova.
Uma reflexão final.
O juiz é um sujeito ao qual a sociadade organizada lhe atribui o poder de decidir ou resolver os conflitos, não de buscar provas, inverter ou alterar fatos, estes de responsabilidade das partes, por isto os códigos possuem o chamado ônus da prova e distribui legalmente o mesmo, sob pena de se gerar parcialidade e de criar falsos viéses cognitivos.
No escudo de Aquiles 5, na grécia antiga, existia o desenho de um juiz empunhando o “bastão de heraldos” signo da autoridade e sobretudo de poder- a auctoritas e as potestas segundo diziam os romanos, conferidos pela comunidade. Este poder de decidir sobre a pessoa e os bens dos cidadãos, segundo manda a lei, se chama jurisdição. Não é pequeno este poder. Portanto, seu exercício deve ser contido. Assim, que o julgador e toda a comunidade jurídica contenham-se diante do artigo 370 e 373, ambos do CPC/2015, e repense, a prova de ofício ou a dinamização da prova, sob pena de dinamitar todo o sistema processual e criar falsas premissas de “decisões justas”.

 

Notas e Referências

1.Piero Calamandrei acostumava explicar sobre o princípio oficioso do juiz dizendo o seguinte: “Nadie obliga al particular a subir sobre la nave de la justicia, y si el mismo decide embarcarse en ella, a él solo le corresponde fijar el inicio y la meta del viaje; pero una vez emprendida la navegación, el timón debe confiarse exclusivamente al juez, que tiene durante el viaje la responsabilidad de la derrota”. (“La definición del hecho notório” em Estudios sobre el processo civil. Editorial Bibliografica Argentina, Buenos Aires, 1945).

2. in “ La prueba: los grandes temas del derecho probatório”, Buenos Aires, Ed. Juridicas Europa-America, 1978;

3. QUEVEDO MENDOZA, Efraín I. (2006). Medios y fuentes de prueba. em: ―La Prueba. Libro em memória do Professor Santiago Sentís Melendo, p. 127;

4. Juan Montero Aroca afirma sobre a discussão do numerus clausus dos meios de prova: “ que si la fuente es algo extrajurídico que existe independientemente del proceso, no es conveniente que la leyes pretendan realizar enumeraciones taxativas de ellas, porque el paso del tiempo las convertirá en obsoletas, al irse inventado o descubriendo nuevas fuentes. Estas, por tanto, deben quedar indeterminadas. Lo que las leyes deben regular son los medios de prueba, entendidos como actividad que es preciso realizar para incorporar la fuente al proceso, y estos medios, después de la regulación legal, serán siempre numerus clausus porque las únicas actividades procesales posibles son las legales, sobre todo si se tiene en cuenta que la actividad jurisdiccional está sujeta al principio de legalidade” MONTERO AROCA, Juan, GÓMEZ COLOMER, Alberto MONTÓN y Silvia BARONA (2000). El nuevo proceso civil. Editorial Tirant le Blach;

5. Numa passagem célebre da Ilíada, de Homero (Livro XVIII, versos 478-608).

 

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