Introdução
O Código de Processo Civil de 2015 (CPC/15) trouxe inovações em diversos campos, mais notadamente no que toca à participação das partes no processo e na dinâmica das relações entre as partes e o judiciário. Uma dessas inovações trata da chamada cláusula geral de negociação processual, disposta no art. 190 do código.
No presente trabalho trataremos da relação entre a autorização legal genérica de negociação e os poderes instrutórios do juiz. Vamos abordar, assim, em que medida o negócio processual realizado pelas partes nos termos do art. 190, CPC pode afetar os poderes instrutórios do juiz.
Para trabalhar o tema, dividiremos o trabalho em quatro partes: a primeira tratará da cláusula geral de negociação prevista no art. 190, CPC, as suas limitações e a atuação do juiz nos negócios celebrados pelas partes, bem como a possibilidade de sua vinculação a eles; em seguida vamos abordar os poderes instrutórios do juiz; dando sequência ao trabalho falaremos sobre as normas fundamentais no CPC/15; e por fim, abordaremos o tema efetivamente, a partir do quanto trabalhado nos tópicos anteriores.
1. A cláusula geral de negociação processual – art. 190, CPC
Conforme dito acima, uma das grandes inovações trazidas pelo CPC/15 foi o reconhecimento do protagonismo das partes no processo[1] e na dinâmica das relações entre as partes e o judiciário[2]. Uma dessas inovações trata da chamada cláusula geral de negociação processual[3], disposta no art. 190 do código[4].
O negócio jurídico processual[5], em si, não é novidade em nosso direito processual, haja vista a existência de diversos negócios processuais típicos no Código de processo Civil de 1973[6].
Os negócios jurídicos processuais (NJP), espécies de fatos jurídicos[7], são estipulações realizadas no sentido de alteração do procedimento previsto legalmente, a partir da vontade declarada pelas partes, vontade esta voltada à produção de efeitos jurídicos (CUNHA, 2014), pautada por interesses comuns e convergentes (CABRAL, 2016, p. 219). Didier Jr. (2015, p. 377) sintetiza, com fundamento em Marcos Bernardes de Mello, que “no negócio jurídico, há escolha do regramento jurídico para uma determinada situação.”
Embora tratem de alterações no processo, como todos os negócios jurídicos em nosso sistema jurídico, os NJP têm como fundamento a autonomia das partes e devem preencher os requisitos determinados pelo Código Civil para sua existência e validade. Assim, para a existência do negócio jurídico processual são necessários o agente, a vontade, o autorregramento da vontade, o objeto e a forma (Theodoro Jr. et al, 2015, p. 282).
Os requisitos de validade são encontrados no art. 104, CC (agente capaz, objeto lícito, possível, determinado ou determinável, e forma prescrita ou não defesa em lei). Além dos requisitos genéricos de qualquer negócio jurídico, os NJP devem também obedecer aos limites específicos estabelecidos pela legislação processual.
Para os negócios processuais atípicos, tais limitações estão expressamente destacadas no art. 190, CPC, que dispõe que as partes podem estipular mudanças no procedimento, de modo a adequá-lo às especificidades da causa, desde que o processo verse sobre direitos que admitam autocomposição[8], as partes sejam plenamente capazes e o objeto seja os ônus, poderes, faculdades e deveres processuais das partes.
Citando Humberto Theodoro Jr., Ricardo Villas Bôas Cueva (2017, p. 203) afirma que
três são as condições específicas de validade das convenções processuais atípicas previstas no art. 190: a) o processo deve versar sobre direitos que admitam autocomposição; b) as partes devem ser plenamente capazes; e c) a convenção deve limitar-se aos ônus, aos poderes, às faculdades e aos deveres processuais das partes, podendo ser celebrada antes ou depois do processo.”
É certo que direitos que admitem autocomposição constituem um universo maior do que o dos direitos disponíveis, de sorte que as possibilidades de realização de negócio jurídico processual possuem um espectro bastante amplo, maior do que o universo dos direitos disponíveis[9].
Quanto às limitações dos NJP atípicos no CPC/15, Gajardoni (2015, p. 616-617) destaca que não é possível que as partes incapazes, ainda que assistidas ou representadas, realizem NJP (“as partes devem ser capazes”). Pensamos de maneira diversa, de sorte que estando as partes devidamente assistidas ou representadas, terão as mesmas plena capacidade para a realização de negócios jurídicos processuais.
No que toca à sua forma, destaca Gajardoni (2015, p. 617) que embora não haja forma prescrita em lei, o parâmetro mínimo a ser considerado é que o NJP seja escrito, ainda que apresentado oralmente e posteriormente reduzido a termo, aplicando-se integrativamente o disposto no art. 63, §1º., CPC.[10]
Além das limitações já referidas, outro ponto que merece destaque com relação à validade do NJP realizado no curso do processo, é o fato de demandar poderes especiais do advogado para transigir, nos termos do art. 105, CPC[11].
Importante ressalva a respeito da eficácia dos NPJ é feita por Gajardoni (2015, p. 621), no sentido de que a “convenção é existente e válida, mas só se torna eficaz a partir do momento em que comunicada ao juízo da causa.”
Assim, percebe-se que o NJP consiste em exercício de autonomia das partes[12] para o fim de dispor, em processo que verse sobre direitos que admitam autocomposição, sobre o procedimento ou ainda sobre seus ônus, deveres, direitos ou faculdades.
O NJP realizado entre as partes, seja antes do processo (negócio pré-processual) ou depois de seu início, deverá passar pelo filtro judicial de validade, ou seja, o juiz avaliará se o negócio realizado entre as partes preenche todos os requisitos legais, podendo ser considerado “válido”[13].
Nesse sentido, afirma Cabral (2016, p. 228) que “o juiz não tem o poder de apreciar a conveniência da celebração do acordo, limitando-se a um exame de validade.”, o que decorre da expressa disposição do art. 190, CPC.
No que toca à vinculatividade do NJP, Cabral (2016, p. 220) afirma que a regra geral é de que a vinculatividade da convenção processual limita-se aos acordantes (relatividade dos contratos), mas reconhece que pode haver efeitos em relação a terceiros em razão da celebração de um acordo (2016, p. 221), e que tais acordos “impactam evidentemente a atuação do juiz” (2016, p. 222), embora o juiz não seja parte da convenção[14] (2016, p. 223).
No mesmo sentido afirma Beclaute Silva (2015, p. 404):
Pode-se assim afirmar que o negócio jurídico vincula as partes que participam do acordo. Se o magistrado não participou do acordo, estará vinculado? Não. Mas deverá analisar o aludido fato jurídico nos contornos do que fora estipulado pelas partes. Já é assim quando analisa qualquer negócio jurídico. Não será diferente.
Isso porque o juiz estará vinculado ao quanto estabelecido pelas partes, uma vez que a convenção válida estabelece normas de procedimento a serem seguidas no processo: “os acordos processuais são obrigatórios e vinculam o juiz” (CABRAL, 2016, p. 225), tratando-se de heterolimitação da atuação judicial incidente sobre os atos e formalidades do processo (CABRAL, 2016, P. 226).
É de se notar que alguns negócios processuais dependem de homologação judicial (como a desistência da ação[15], nos termos do art. 200, parágrafo único do CPC), mas que nem por isso perdem a sua característica de NJP[16], mas essa não é a regra para os negócios celebrados com base no art. 190, CPC.
A cláusula geral de negociação não prevê a necessidade de homologação judicial para que o NJP seja eficaz. “Não cabe ao juiz qualquer homologação desses acordos. Ele participa para realizar o controle de admissibilidade e de validade.”[17] (Theodoro Jr. et al, 2015, p. 267)
Em suma, o NJP válido, celebrado pelas partes nos termos do art. 190, CPC independe de homologação judicial, o que não impede, entretanto, de atingir a atividade judicial, haja vista ser uma decorrência natural do NJP produzir efeitos no processo.
Assim, o juiz acaba por se vincular ao processo não por ser parte na negociação (autovinculação), mas sim por consequência da negociação (heterovinculação)[18], de sorte que o NJP poderá afetá-lo apenas à medida que restringir sua atuação. Não poderá, entretanto, impor ao Juízo obrigação não prevista em lei[19] sem que haja a participação do Estado-juiz na negociação.
2. Dos poderes instrutórios do juiz
O No direito brasileiro ainda existe previsão expressa em lei conferindo ao juiz poderes instrutórios no processo, expressa no art. 370 do CPC[20], que reproduziu a norma insculpida no art. 130 do CPC/73.
A atividade probatória do juiz decorre de uma visão publicista do processo, em que o juiz é o protagonista e único responsável pela produção da solução judicial. Em verdade, representa instrumento típico de processo inquisitorial (DIDIER JR., 2017).
É certo, entretanto, que retirar do juiz o papel de protagonista do processo não significa “privatizar” o processo. Amparado em Érico Andrade, Didier Jr. (2015, p. 134) afirma que os parágrafos 2º. e 3º. do art. 3º., CPC tratam de “clara manifestação da ‘invasão da ideia de consensualidade’ no direito público, de que o direito processual é espécie.”
Ou seja, não se trata de retirar o caráter publicista do processo[21], mas sim de deixar de enxergar o processo como um instrumento puramente estatal e que possui no juiz sua figura central[22].
É certo, entretanto, que não há – e nem pode haver – hierarquia entre os sujeitos do processo, havendo, sim, diferentes interesses e competências. O papel do juiz é julgar o litígio, resolver a controvérsia instaurada pelas partes, mas isso não o torna hierarquicamente superior a elas. Tanto não o é, que não pode avocar suas competências[23].
Em outras palavras, não há protagonista no processo: há atores, e cada ator possui o seu papel, defendendo seus interesses, mas com um objetivo comum de solucionar o litígio.
Afirma Gajardoni (2015, p. 614) que é evidente o impacto do art. 190 no publicismo processual, mitigando-se o seu rigor, “inaugurando-se no direito processual brasileiro uma fase de neoliberalismo processual, que, embora incapaz de tornar o processo ‘coisa das partes’, como no período da litiscontestatio romana (ordo judiciorum privatorum), abala a estrutura de um sem-número de institutos processuais, doravante com regramento manipulável pelos litigantes.”
Tratando sobre o modelo de processo, se privatista ou publicista, Theodoro Jr., Nunes, Bahia e Pedron (2015, p. 20) afirmam que “precisamos sair desta dicotomia ao se pensar num sistema processual efetivamente democrático, uma vez que o Novo CPC implementa um sistema comparticipativo/cooperativo pautado nos direitos fundamentais dos cidadãos e no qual todos os sujeitos processuais assumem responsabilidades e possibilidade de interlocução ativa.”
A atribuição ao juiz de poderes instrutórios, entretanto, tem sofrido severas críticas de parte da doutrina, que enxerga nesta atividade inegável e inaceitável ofensa à imparcialidade do juiz.[24]
Eduardo Costa (2015) faz interessantíssima análise sobre a produção de provas de ofício, concluindo pela inevitabilidade de sua parcialidade. O poder instrutório do juiz, neste sentido, mostra-se como uma forma de atuação parcial, em especial quando se fala em produção de uma prova que deveria ser produzida por uma das partes, em face do ônus que lhe incumbe, e não o foi. O juiz estaria aí, suprindo a deficiência de uma das partes, o que não se pode admitir.
Bastante elucidativo é o ponto levantado por Diego Crevelin Souza (2016, p. 62), no sentido de que o
Juiz que ordena a produção de prova de ofício exerce o contraditório como se parte fosse, ou melhor, como superparte, pois traz ao feito elementos voltados a conformar o seu próprio convencimento, o que nenhuma parte tem o poder de fazer. É o juiz-contraditor, sujeito ao mesmo tempo parte e juiz, uma parte com poder de julgar.
Incisivo também é o posicionamento de Glauco Gumerato Ramos (2010), que afirma que
não tendo a parte interessada se desincumbido adequadamente da produção da prova voltada à demonstração do fato constitutivo, impeditivo, extintivo ou modificativo do direito alegado, poderá o juiz determinar a produção de certo meio de prova que lhe parecer conveniente para melhor demonstrar o fato do qual se deflui a pretensão do demandante ou a resistência do demandado. Ou seja, o juiz pratica um ato processual (=demonstração/confirmação de fatos) que o sistema de enjuizamento reserva à iniciativa da parte como verdadeiro ônus.
O tema é bastante polêmico e merece profunda reflexão. Neste trabalho, entretanto, não pretendemos negar a existência do poder probatório do juiz, mas alertar que não se trata de “poder absoluto” e que não admita limitações, em especial quando expressamente e validamente estabelecido pelas partes.
3. Das normas fundamentais como baliza hermenêutica dos negócios processuais
As normas fundamentais do processo, dadas as suas características e conteúdo, devem funcionar como balizadoras da interpretação do direito processual a partir da vigência do CPC/15. Didier Jr. (2015, p. 151) chega a falar do “postulado hermenêutico da unidade do código”.
Isto porque o ordenamento jurídico é um todo que não comporta fracionamento, de modo que toda a vez que se aplica uma norma a um determinado fato, o que ocorre em verdade, é a incidência de todo o ordenamento sobre aquela situação através da norma aplicada.
Bastante elucidativa é a simbologia utilizada de uma esfera para destacar a unicidade do sistema e da norma (PRESGRAVE, 2010). A esfera é um sólido composto por diversos elementos (cor, tamanho, densidade) e que pode ser observada por diversas óticas distintas sem que seja fracionada, pois se retirada qualquer uma de suas qualidades, deixa de ser uma esfera.
Alfredo Augusto Becker (1998, p. 115), por sua vez, desenvolveu o chamado Cânone Hermenêutico da Totalidade do Sistema Jurídico, determinando que a verdadeira regra jurídica é a resultante lógica da reação de uma lei sobre as demais normas do ordenamento.
Para Becker (1998, p. 116):
toda norma é, com efeito, parte integrante do sistema jurídico a que pertence. Desde o momento de sua criação, entre todas as normas de um mesmo sistema se exerce um complexo de ações e reações, que decorrem da necessária amalgamação das normas no ordenamento vigente. Já foi exatamente observado que a norma jurídica isolada não existe como tal na realidade da vida jurídica.
Assim, percebe-se que a leitura do art. 190, CPC ou do art. 370, CPC não poderá ser feita de maneira isolada, devendo-se considerar as demais normas do ordenamento para a correta acepção de seu sentido normativo, em especial aquelas destacadas como fundamentais pelo próprio Código.
Com relação às normas fundamentais que devem orientar os negócios processuais sobre provas, objeto deste estudo, destacamos duas[25]: a determinação de que o Estado buscará a solução consensual de conflitos (art. 3o., §2o., CPC) e a cooperação entre os sujeitos do processo para a solução do litígio (art. 6o., CPC).
O art. 3o. do CPC dispõe sobre as formas de solução de conflito privilegiadas pelo CPC, afirmando verdadeiro sistema multiportas de acesso à justiça[26], o que representa verdadeira mudança de paradigma no que toca à solução de conflitos: o julgamento da lide pelo juiz somente deve ocorrer quando esgotadas as possibilidades de autocomposição.
A análise do CPC/15 permite constatar “uma notória tendência de se estruturar um modelo multiportas que adota a solução jurisdicional tradicional agregada à absorção dos meios alternativos” (THEODORO JR. e outros, p. 241).
O art. 334, §4o., CPC[27] é um exemplo bastante eloquente da opção legislativa pela busca do consenso. E da mesma forma o é o art. 190, CPC, uma vez que permite às partes realizarem convenções acerca da melhor forma de solução do conflito instaurado e levado à apreciação judicial.
Ao tratar da função do juiz nos acordos processuais, afirma Cabral (2016, p. 227) que o magistrado tem a função de fomento e de controle (análise da validade). A função de fomento tem base justamente nas normas fundamentais do processo, em especial aquela destacada no art. 3º., §2º., CPC[28], de modo que a busca por soluções consensuais deve ser promovida pelo Estado-juiz.
De outro lado, é certo que o modelo cooperativo de processo tem profunda influência na compreensão da extensão dos negócios processuais, uma vez que determina que haja simetria entre os sujeitos do processo (juiz e partes), no sentido de que não há protagonistas no processo judicial, de modo que o processo deve se desenvolver como uma “comunidade de trabalho” (arbeitsgemeinschaft), com cada um dos sujeitos representando o seu papel, mas cooperando para o resultado final[29].
No mesmo sentido, Beclaute Silva destaca que “há uma nítida opção política de se colocar as partes com maior protagonismo na produção da solução judicial.” Pelo raciocínio do autor, com o qual estamos de acordo, essa participação confere maior legitimidade ao processo e coloca as partes em condição de efetivamente colaborar na produção da decisão judicial (2015, p. 404).
Didier Jr. (2015, p. 135) afirma que o art. 190 é a mais importante concretização do princípio do respeito ao autorregramento da vontade no processo civil, destacando ainda que a consagração do princípio da cooperação, previsto no art. 6º., CPC[30], é clara demonstração da valorização da vontade no processo, razão pela qual a doutrina o relaciona ao fenômeno da “contratualização” do processo.
A autorregulamentação, como decorrência da liberdade constitucionalmente assegurada, é verdadeiro princípio que orienta o processo civil contemporâneo com relação aos direitos que admitam autocomposição.
Didier Jr. (2015, p. 132) defende que o direito fundamental à liberdade, estabelecido no art. 5º., caput, CF, contém o direito ao autorregramento, consistente no direito que os sujeitos possuem de regularem juridicamente os seus interesses. Respaldado em Fernando Gajardoni, afirma que o Direito Processual Civil, embora ramo do direito público, também é regido por esse princípio, que se apresenta de maneira mais regulada e com objeto mais restrito, por envolver o exercício da jurisdição (2015, p. 132).
Percebe-se, assim, que as normas fundamentais orientam a formação e também a interpretação dos NJP, de modo que a atuação do órgão jurisdicional deverá ser cooperativa e respeitar a autorregulamentação válida das partes.
4. O Negócio Jurídico Processual sobre provas e os poderes instrutórios do juiz
Colocados os fundamentos em que se situa a discussão, adentraremos ao tormentoso tema do NJP sobre provas e a limitação dos poderes instrutórios do juiz. A polêmica está instaurada na doutrina, havendo autores que defendem a possibilidade do NJP, e outros que o repelem.
Michele Taruffo escreveu artigo intitulado “Verdade Negociada?” (2014), em que defende a impossibilidade de realização de negócio processual sobre provas, pois seria, em suma, um negócio que teria como objeto a disposição da verdade.
No texto, Taruffo estabelece as seguintes premissas:
P1 – O mundo externo existe na sua materialidade empírica.
P2 – Um enunciado no qual se diz que um evento do mundo externo verificou-se assim e assim, é verdadeiro se aquele evento se verificou assim e assim, e é falso em caso contrário.
P2-bis Um enunciado sobre um evento do mundo externo é considerado verdadeiro se existem razões suficientes a justificar aquilo que o enunciado diz acerca daquele evento.
P3 Existe a possibilidade de descobrir, com métodos adequados e confiáveis, a verdade sobre eventos do mundo externo.
P4 O processo é justo se é sistematicamente orientado para a produção de decisões justas.
P5 Uma decisão é justa se se funda sobre uma averiguação veraz dos fatos relevantes.
A relação entre as premissas e a tese é sintetizada pelo próprio autor assim:
As premissas que são agora sinteticamente formuladas sugerem um modelo ideal de decisões que parece indicado sobre dois fatores fundamentais. De um lado, as premissas P1, P2 (ou P2-bis) e P3 demonstram a possibilidade que se consiga um conhecimento verdadeiro de acontecimentos que se colocam no mundo externo em relação ao sujeito que os conhece. Em termos processuais, isso significa que existe a possibilidade de averiguar com métodos adequados que dizem respeito à admissão, à assunção e à valoração das provas, a verdade “real” (não uma verdade “processual” ou “formal”) dos fatos relevantes para a decisão. Deste modo, se fornecem razões para justificar a rejeição de todas as teses céticas, irracionais e subjetivas, que de várias formas tendem a excluir que no processo possa aceitar-se a verdade “real” dos fatos. Por outro lado, as premissas P4 e P5 mostram que, em linhas gerais, e, em particular no contexto determinado da cláusula do “justo processo”, ocorre reconhecer que a averiguação da verdade dos fatos não é só possível, mas também é necessária a fim de que o justo processo explique efetivamente a função que lhe é própria.”
Em resposta ao trabalho de Taruffo, Beclaute Silva (2015) publicou artigo intitulado “Verdade como objeto do negócio jurídico processual”, em que apresenta um contraponto analítico a cada uma das premissas estabelecidas por Taruffo.
Tratando especificamente sobre o NJP sobre provas, Beclaute Silva (2015, p. 404) afirma que “o negócio jurídico processual sobre a prova acaba por estipular o modo como irá ser produzida a norma de decisão. Veicula assim uma norma de estrutura, já que irá estabelecer como outras normas serão elaboradas, modificadas ou extintas.”
Acrescenta o autor que “em juízo as partes levam o caso para que ele apresente a solução. O caso pode ou não ter negócio jurídico sobre a prova. Se tiver, deverá seguir seus contornos, sob pena de negar eficácia a negócio jurídico válido.” (SILVA, p. 404)
E arremata a crítica a Taruffo afirmando categoricamente que “não se está a dispor sobre a verdade, mas dos meios para estabelecer o fato, enquanto antecedente da norma de decisão” (SILVA, 2015, p. 403).
Fernando Gajardoni (2015, p. 627), por sua vez, faz uma leitura restritiva do art. 190, destacando que o dispositivo, ao estipular que as partes deliberem sobre os seus ônus, direitos, faculdades ou deveres processuais determina um “limite semântico e lógico da disponibilidade das partes: só podem convencionar sobre suas situações jurídicas ativas e passivas. Impossível que avancem sobre os poderes, deveres, ônus e faculdades do Estado-juiz.”
O autor prossegue afirmando que “permitir que as partes controlem integralmente a relação jurídica processual é regressar ao tempo do privatismo processual; é renunciar às centenas de anos de desenvolvimento da ciência processual como ramo do direito público; é inaugurar uma fase de pamprocessualismo, de anarquia ou de libertinagem” (GAJARDIONI, 2015, p. 627).
Especificamente sobre o NJP que limite os poderes instrutórios do juiz, defende Gajardoni pela sua impossibilidade, haja vista o art. 370 e seu parágrafo único do CPC/15 constituírem norma de ordem pública que reconhece ao Estado-juiz o dever de buscar a verdade e tutelar o tempo do processo (2015, p. 628).
O que se defende neste trabalho está longe de transformar o processo em algo privado, tampouco de se inaugurar o pamprocessualismo. Trata-se, apenas, de uma leitura sistêmica dos dispositivos contidos nos artigos 190 e 370, CPC, de modo a possibilitar a sua correta interpretação.
Considerando os limites materiais impostos pelo art. 190, CPC (somente nos processos que tratem de direitos que admitem autocomposição), não seria estranho afirmar que as partes podem realizar acordo acerca do próprio direito discutido no processo.
Numa leitura sistêmica do dispositivo previsto no art. 190, CPC, e orientada pelos princípios fundamentais, deve-se ter em mente que o objeto do negócio processual é o direito, ônus ou dever das partes. Entretanto, o fato das partes negociarem sobre os seus ônus, direitos ou deveres não impede que esta negociação impacte na atividade judicial.
Assim, por ser a produção de provas um ônus das partes, havendo negócio jurídico processual entre elas a respeito da produção ou não produção de determinada prova, seja esse negócio pré ou pós-processual, o juízo competente para o julgamento do processo deverá obedecer ao quanto estipulado pelas partes, funcionando tal disposição como efetivo limitador da atuação do juiz na produção de provas de ofício. Essa é apenas a decorrência natural da validade do negócio, nada mais do que isso.
A partir do momento que as partes negociam sobre seus ônus (dentre eles o de produzir provas), tal negociação tem reflexo na atuação estatal, o que, por si só, não é algo problemático.
Perceba-se que existe no próprio CPC/15 hipótese expressa (negócio típico, portanto) de possibilidade de negociação sobre provas, limitando a atuação do juiz: a perícia consensual, prevista no art. 472[31], em que se permite que as partes escolham, de comum acordo, o perito.
Cabral (2016, p. 226), entretanto, ao abordar efetivamente a questão das provas, apenas afirma que “a depender da visão que se tenha sobre os poderes probatórios do juiz (se autônomos ou subsidiários em relação à iniciativa das partes), pode-se chegar a conclusões diversas.”
Concordamos com Beclaute Silva quando afirma que
Não se está a defender que o magistrado seja manipulado pelas partes, mas que, quando as partes assim o desejarem, elas possam usar sua liberdade para estabelecer como o fato pode ser fixado no processo judicial. Mas isso sempre levando em consideração a ordem jurídica. O sistema mesmo põe limites, como, por exemplo, questão que verse sobre direitos indisponíveis. (SILVA, 2016)
Outro ponto que deve ser levantado é o fato das partes poderem, validamente, transigir sobre o objeto da controvérsia. Ora, se as partes podem transigir sobre o próprio objeto litigioso, seria pouco razoável que não pudessem transigir sobre os meios de prova a serem utilizados no processo instaurado para resolver a lide.
O juiz, enquanto agente estatal jurisdicional responsável pela solução do litígio instaurado entre as partes e levado à apreciação judicial, não pode se sobrepor aos interesses manifestados pelas partes. Qual o interesse estatal na realização de uma prova que as próprias partes dispensaram? Não sendo hipótese de conluio para a prática de fins vedados pela lei (o que implicaria na invalidade do negócio realizado pelas partes, nos termos do art. 142, CPC[32]), não interesse estatal no feito.
Não se pode tirar de vista também que quem arca com os custos econômicos da produção da prova são as partes, independentemente de haver sido determinada de ofício a sua produção, o que tem impacto econômico unicamente sobre as partes[33], e não sobre o juiz.
O fato é que as partes podem puramente não ter interesse na produção de uma determinada prova (por força do alto de valor do custo de sua produção, ou pelo fato de que a produção de determinada prova causará embaraço às partes ou a terceiros, ou por qualquer outra razão que somente a elas interessa) de modo que não cabe ao juiz, enquanto agente estatal, impor às partes um custo processual – de tempo, desgaste pessoal ou econômico - que elas, consensualmente, não estão dispostas a pagar.
Interessante a colocação de Marcelo Barbi (2017, p. 173), ao tratar sobre os honorários recursais nos recursos pendentes, no sentido de que existiria uma vedação à despesa-surpresa no CPC/15, como decorrência da segurança jurídica e do princípio da não-surpresa.
Aplicando-se a mesma ideia ao problema da limitação probatória decorrente de NJP válido, pode-se utilizar o mesmo raciocínio: as partes não pretendem arcar com os custos de uma determinada prova, e por essa razão acordaram em não produzi-la no processo. Não pode o juiz supreendê-las com tal produção.
O caráter substitutivo da jurisdição implica a atuação do Estado na solução da controvérsia havida entre as partes. Nessa perspectiva, a função jurisdicional não pode querer se sobrepor aos interesses da partes, realizando atos dispensados pelos sujeitos que possuem efetivo interesse na solução da controvérsia.
Referindo-se a Cadiet e Caponi, afirmam Theodoro Jr., Nunes, Bahia e Pedron (2015, p. 260) que tanto na França quanto no Brasil, os acordos processuais devem ser analisados à luz da premissa da cooperação e do princípio do contraditório, sendo técnica de gestão processual que considera a autonomia das partes na conformação do processo[34].
Veja-se que quando é celebrado um NJP acerca da competência relativa, retira-se de um órgão jurisdicional o poder de julgar o processo, ou seja, a partir de um acordo privado, determina-se que um órgão público deixa de ter jurisdição sobre um determinado processo.
Não fugiria do tema afirmar que o autor pode desistir da ação (sem anuência da parte antes de realizada a citação - verdadeira renúncia ao direito de ação -, ou com a anuência da parte contrária - NJP bilateral), sendo tal desistência direito subjetivo das partes, não restando ao juiz a opção de julgar o mérito do processo quando validamente requerida a desistência. Conforme acima destacado, caberá ao juiz tão-somente homologar a desistência das partes.
Em poucas palavras, o impacto da atividade judicial pelos NJP é uma decorrência lógica da própria negociação, de modo que as eventuais limitações aos poderes instrutórios do órgão judicante decorrentes de um NJP válido decorrem da própria possibilidade que a lei conferiu, dentro dos limites estabelecidos, para a negociação processual.
Considerações Finais
Considerando o atual modelo processual, que valoriza a coparticipação e a solução da controvérsia de maneira consensual, não há como afirmar que o poder probatório do juiz possa se sobrepor a um acordo válido realizado pelas partes no sentido de limitar os meios probatórios no processo.
O NJP sobre provas não cria qualquer obstrução à atividade judicial, ele apenas delimita os meios de prova que devem ser utilizados no processo para que um fato seja demonstrado.
Conclui-se, assim, que o NJP sobre provas é possível à luz do art. 190, CPC e que, sendo ele válido, independe de homologação judicial e implicará na eventual limitação do poderes instrutórios do juiz, e tal limitação se dá por ser uma decorrência natural do NJP o impacto na atividade judicial.
Como argumento de reforço, consideramos que as partes podem livremente deliberar sobre os limites da lide ou até mesmo sobre a eliminação total do poder de julgar do Estado-juiz sobre o seu processo (haja vista, por exemplo, o princípio dispositivo e a possibilidade de desistência da ação – renúncia ao direito de ação).
Outro argumento de reforço é o fato de que, independentemente da determinação oficiosa da produção da prova, serão as partes que deverão arcar com os seus custos. Em tendo as partes convencionado que não fariam uso de determinado meio de prova, porque deveriam elas arcar com o custo de sua produção?
O NJP que delimita a produção de provas num determinado feito é um NJP plenamente válido (que cumpre todos os requisitos legais), cujo objeto é a limitação dos meios de prova a serem produzidos em um processo, o que não cria qualquer obrigação ao Estado-juiz, tampouco o coloca em posição de subserviência às partes, pelo que deve ser respeitado em todos os seus termos pelo órgão judicantes.
Notas e Referências:
[1] Como será melhor detalhado na sequência deste trabalho, o processo contemporâneo não coloca o juiz como protagonista do processo, tampouco o coloca como submisso à partes. A ideia é de protagonismo de todos os sujeitos do processo, cada qual exercendo sua função de maneira correta (boa-fé) e, com isso, colaborando para o adequado deslinde do feito.
[2] As normas fundamentais, previstas nos primeiros artigos do CPC/15 anunciam uma efetiva mudança de perspectiva em relação ao processo. Trataremos mais adiante do impacto das normas fundamentais para a aferição da abrangência dos negócios processuais sobre provas.
[3] “O CPC/15, de modo inovador e sem equivalente exato em direito comparado, rompe a dogmática até então reinol, e, mediante uma cláusula geral de negócio jurídico processual, passa a admitir que a vontade das partes, por meio de negócios jurídicos processuais bilaterais atípicos (não disciplinados casuisticamente em lei), tenha impacto no procedimento e na relação jurídica processual estabelecida em lei” (GAJARDONI, 2015, p. 614).
[4] Neste sentido, DIDIER JR., Fredie. Curso de Direito Processual Civil: introdução ao direito processual civil, parte geral e processo de conhecimento – 17ª. ed. Salvador: Jus Podivm, 2015, p. 380. GOUVEIA FILHO, Roberto Campos, in CÂMARA, Helder Moroni. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Almedina, 2016, p. 311.
[5] Também chamado de convenção processual por alguns autores que distinguem o “negócio jurídico processual” das “convenções processuais”, tendo apenas estas conteúdo processual (CABRAL, Antonio do passo. Convenções processuais, Salvador: Jus Podivm. 2016). Interessante síntese sobre o tema faz José Rogério Cruz e Tucci em artigo publicado no site JOTA, destacando que “Deve ter-se presente, nesse particular, que as convenções sobre os atos procedimentais têm natureza estritamente processual, não se confundindo com os negócios propriamente ditos, que ocorrem incidentalmente no âmbito do processo e que têm por objeto o próprio direito litigioso. Diante de tais premissas, sob o aspecto dogmático, o gênero negócio jurídico processual pode ser classificado nas seguintes espécies: a) negócio jurídico processual (stricto sensu), aquele que tem por objeto o direito substancial; e b) convenção processual, que concerne a acordos entre as partes sobre matéria estritamente processual. As convenções almejam, pois, alterar a sequência programada dos atos processuais prevista pela lei, mas desde que não interfiram em seus efeitos. Enquanto há disponibilidade no modo de aperfeiçoamento dos atos do procedimento, a sua eficácia descortina-se indisponível, ainda que o objeto do litígio admita autocomposição.” (Natureza e objeto das convenções processuais, publicado em 18 de março de 2016, disponível em https://jota.info/colunas/coluna-da-sao-francisco/coluna-da-sao-francisco-natureza-e-objeto-das-convencoes-processuais-18032016, consultado em 24 de abril de 2017).
[6] Um apanhado de negócios processuais típicos previstos no CPC/73 foi realizada por Leonardo Carneiro da Cunha no texto Negócios Processuais no Processo Civil Brasileiro, preparado para o I Congresso Peru-Brasil de Direito Processual e apresentado em Lima, no Peru, em novembro de 2014, com acréscimos e adaptações feitas após a sanção e promulgação (texto gentilmente cedido pelo autor).
[7] “Na classificação dos fatos jurídicos, diz-se ato jurídico “lato sensu” aquele em que a vontade consciente constitui o elemento cerne de seu suporte fático. Os atos jurídicos lato sensu se dividem, por sua vez, em ato jurídico stricto sensu e negócio jurídico, classificáveis, ainda, segundo o campo da Ciência Jurídica em que nascem, em atos e negócios jurídicos de direito privado ou público, de direito processual, constitucional, administrativo, civil, comercial e assim por diante.” (MELLO, Marcos Bernardes de. Teoria do fato jurídico – plano da validade. 4a. ed. Saraiva: São Paulo, 2000, p. 3)
[8] Vale ressaltar o entendimento de Renata Cortez Vieira Peixoto, que questiona a razão de ser a limitação dos NJP aos direitos que admitam autocomposição, já que condiciona o NJP à solução consensual do direito material. “As limitações que devem ser observadas são as que se relacionem à eventual impossibilidade de modificação das normas processuais, as quais constituirão o núcleo do negócio jurídico processual. Inúmeros negócios jurídicos processuais típicos são admitidos – e já o eram antes da vigência do CPC/2015 – sem que seja necessário fazer qualquer correlação com a viabilidade de solução consensual do litígio, a exemplo da possibilidade de desistência do recurso (art. 998) e da suspensão convencional do processo (art. 313, II). Qual a razão para vincular a negociação atípica sobre normas processuais à possibilidade de solução consensual a respeito do direito material, portanto?” (PEIXOTO, Renata Cortez Vieira. Negócios jurídicos processuais penais atípicos: uma análise da aplicabilidade do art. 190 Código de Processo Civil de 2015 aos processos criminais, texto gentilmente cedido pela autora)
[9] Neste sentido é o enunciado 135 do Fórum Permanente de Processualistas civis (FPPC), que destaca que “a indisponibilidade do direito material não impede, por si só, a celebração de negócio jurídico processual.”
[10] Art. 63. As partes podem modificar a competência em razão do valor e do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações. § 1o A eleição de foro só produz efeito quando constar de instrumento escrito e aludir expressamente a determinado negócio jurídico.
[11] Art. 105. A procuração geral para o foro, outorgada por instrumento público ou particular assinado pela parte, habilita o advogado a praticar todos os atos do processo, exceto receber citação, confessar, reconhecer a procedência do pedido, transigir, desistir, renunciar ao direito sobre o qual se funda a ação, receber, dar quitação, firmar compromisso e assinar declaração de hipossuficiência econômica, que devem constar de cláusula específica.
[12] A respeito da constitucionalidade da arbitragem, discussão havida de maneira similar sobre a necessidade de chancela do poder público para sua validade, ou mesmo da possibilidade de escolha pelo juízo arbitral realizada pelas partes, interessante julgado do STF (SE 5206) representou mudança no entendimento da corte, no sentido de que a arbitragem, mesmo sem qualquer chancela de poder público ou órgão judiciário, se tratar de direitos disponíveis, não incorre em qualquer inconstitucionalidade. Desde que voluntária, a arbitragem é constitucional (CUNHA, Leonardo José Carneiro da, in CÂMARA, Helder Moroni. Código de Processo Civil Comentado. São Paulo: Almedina, 2016, p. 33). Percebe-se, assim, o reconhecimento pelo STF de que a vontade das partes manifestada em contrato pode alterar os limites da jurisdição estatal.
[13] Nesse sentido afirma Roberto Campos Gouveia Filho que “em geral, a participação do Estado-juiz no âmbito dos negócios processuais se dá, na forma do parágrafo único do art. 190, CPC, como “senhor da validade”. Ou seja, a ele compete dizer se a negociação feita pelas partes (ou outros sujeitos do processo) é válida ou não e, com isso, se produz ou não efeitos. Como dito alhures, o juiz deve chancelar a validade e constatar a eficácia dos negócios processuais. Isso, frise-se, nada tem a ver com o problema da necessidade ou não de homologação, como já foi esclarecido noutra oportunidade.” (Negócios Processuais – parte 8. Texto originalmente publicado em página pessoal do facebook e gentilmente cedido pelo autor).
[14] Cabral (2016, p. 223) entende que o juiz não pode ser parte da convenção processual pois a capacidade negocial não é própria da atividade judicial. Didier Jr. (2015, p. 383), entende ser possível a negociação com a participação do juiz.
[15] É importante dizer que o fato de a desistência da ação depender de homologação judicial para ter eficácia não significa que o juiz possua, no caso, juízo de valor sobre a desistência. Estando cumpridos os requisitos de validade da desistência, não há alternativa ao juiz senão homologá-la, o que se faz necessário unicamente para fins de encerramento do processo.
[16] Nesse sentido, afirma Fredie Didier Jr. (2016, p. 295), com amparo em Barbosa Moreira, que “a autonomia privada pode ser mais ou menos regulada, mais ou menos submetida a controle, mas isso não desnatura o ato como negócio.
[17] No mesmo sentido, enunciado do FPPC n. 133: “Salvo nos casos expressamente previstos em lei, os negócios processuais do art. 190 não dependem de homologação judicial.”
[18] Antonio do Passo Cabral (2016, p. 221) fala que “é a constatação de que o acordo entre as partes, que vale apenas entre elas, passa a compor a base fática sobre a qual a relação jurídica do terceiro terá que ser apreciada.”
[19] Como exemplo citado por Roberto Campos Gouveia Filho, em discussão sobre o tema, não podem as partes estabelecer em NJP que o Tribunal fica obrigado a julgar duas vezes o mesmo recurso (como se fossem dois turnos de julgamento), pois que implicaria atribuir ao órgão jurisdicional (Estado-juiz) o dever de praticar um determinado ato não previsto expressamente em lei.
[20] Art. 370. Caberá ao juiz, de ofício ou a requerimento da parte, determinar as provas necessárias ao julgamento do mérito. Parágrafo único. O juiz indeferirá, em decisão fundamentada, as diligências inúteis ou meramente protelatórias.
[21] “a jurisdição, como parte do Estado, se insere no quadro geral de direito público, de modo que sua atuação é regida por esse mesmo direito público. Por conseguinte, a jurisdição, como integrante do organismo estatal como um todo, permeado pelo direito público, se impregna das novas possibilidades que gravitam na base desse conjunto, como a necessidade de maior abertura para a consensualidade e atuação pautada pela eficiência, permeada pela economicidade, a fim de que os recursos estatais possam ser mais bem aproveitados e geridos em prol da sociedade.” (ANDRADE, 2015)
[22] Uma imagem que representa bem essa ideia de ausência de protagonismo judicial é pensar no triângulo da relação jurídica processual: esse triângulo não está em pé; ele está deitado, colocando o juiz equidistante das partes, mas no mesmo plano, sem hierarquia ou posição superior.
[23] Um exemplo bastante simplista dessa ideia é a impossibilidade do juiz aumentar os limites objetivos da demanda, já que compete à parte delimitar a demanda, o que decorre do princípio dispositivo.
[24] Neste sentido importante alerta faz Glauco Gumerato Ramos (2010, p. 10 e 11), afirmando que “Se diante da realidade fática construída no processo o juiz não se convenceu do fato constitutivo do direito alegado, a única conclusão a que se pode chegar é que ele – juiz – tem a CERTEZA de que o direito postulado não pode ser concedido. E diante da vedação do non liquet deverá aplicar a regras de julgamento – e não da prova” – prevista, no caso brasileiro, no art. 333 do CPC. (...) Por outro lado, se a CERTEZA de que o direito não pode ser concedido decorre da insuficiência do procedimento probatório em demonstrar o fato constitutivo do respectivo direito, e, nesse caso, o juiz se vale de seus poderes instrutórios – determina interrogatório da parte, ou oitiva de testemunhas referidas, ou determina perícia -, então é porque sua CONVICÇÃO lhe sugere que a parte a quem cabia cumprir o ônus da demonstração do respectivo fato não o fez adequadamente, e isso denota uma irrecusável parcialidade na condução do procedimento probatório. Nem mesmo o useiro argumento de que “o juiz não sabe a quem a prova poderá aproveitar” (= princípio da aquisição) é capaz de reverter a lógica de que sua necessária e constitucionalmente imposta imparcialidade foi abalada.” (RAMOS, 2010, pp. 10 e 11)
[25] Não seria desarrazoado acrescentar que o art. 2o. se aplica ao caso também, uma vez que trata da necessidade de iniciativa das partes para o começo do processo, afirmando o prosseguimento do feito por impulso oficial, salvo as exceções previstas em lei. Pois bem, o art. 190 do CPC é exatamente uma dessas exceções, que permite às partes a livre disposição de seus direitos, ônus e deveres. Da mesma forma o art. 4o., que trata do direito das partes em obter, em prazo razoável, a solução integral do mérito. A produção de provas, muitas vezes, resulta num dispensável prolongamento do feito. O art. 7o., ao consagrar o contraditório efetivo, também representa importante fundamento para a correta interpretação dos negócios processuais, uma vez que representa a efetiva possibilidade das partes influenciarem na solução do litígio.
[26] Neste sentido merece destaque um dos “considerandos” da Resolução n. 118/2004 Conselho Nacional do Ministério Público (que dispõe sobre a Politica Nacional de Incentivo à Autocomposição no âmbito do Ministério Público e dá outras providências), que assim está redigido: “CONSIDERANDO que a negociação, a mediação, a conciliação, as convenções processuais e as práticas restaurativas são instrumentos efetivos de pacificação social, resolução e prevenção de litígios, controvérsias e problemas e que a sua apropriada utilização em programas já implementados no Ministério Público têm reduzido a excessiva judicialização e têm levado os envolvidos à satisfação, à pacificação, a não reincidência e ao empoderamento;”
[27] Art. 334. Se a petição inicial preencher os requisitos essenciais e não for o caso de improcedência liminar do pedido, o juiz designará audiência de conciliação ou de mediação com antecedência mínima de 30 (trinta) dias, devendo ser citado o réu com pelo menos 20 (vinte) dias de antecedência. (...) § 4o A audiência não será realizada: I - se ambas as partes manifestarem, expressamente, desinteresse na composição consensual; II - quando não se admitir a autocomposição.
[28] Art. 3o Não se excluirá da apreciação jurisdicional ameaça ou lesão a direito. (...) § 2o O Estado promoverá, sempre que possível, a solução consensual dos conflitos.
[29] Neste sentido, cf. THEODORO JR., Humberto; NUNES, Dierle; BAHIA, Alexandre Melo Franco; PEDRON, Flavio Quinaud. Novo CPC – Fundamentos e sistematização, 2a. Ed. Rio de Janeiro: Forense, 2015.
[30] Art. 6o Todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si para que se obtenha, em tempo razoável, decisão de mérito justa e efetiva.
[31] Art. 471. As partes podem, de comum acordo, escolher o perito, indicando-o mediante requerimento, desde que: I - sejam plenamente capazes; II - a causa possa ser resolvida por autocomposição. § 1o As partes, ao escolher o perito, já devem indicar os respectivos assistentes técnicos para acompanhar a realização da perícia, que se realizará em data e local previamente anunciados. § 2o O perito e os assistentes técnicos devem entregar, respectivamente, laudo e pareceres em prazo fixado pelo juiz.
[32] “Art. 142. Convencendo-se, pelas circunstâncias, de que autor e réu se serviram do processo para praticar ato simulado ou conseguir fim vedado por lei, o juiz proferirá decisão que impeça os objetivos das partes, aplicando, de ofício, as penalidades da litigância de má-fé.” No mesmo sentido é o enunciado 410 do FPPC, assim: “Aplica-se o Art. 142 do CPC ao controle de validade dos negócios jurídicos processuais.”
[33] Com relação à perícia, a questão está assim regulamentada pelo CPC: Art. 95. Cada parte adiantará a remuneração do assistente técnico que houver indicado, sendo a do perito adiantada pela parte que houver requerido a perícia ou rateada quando a perícia for determinada de ofício ou requerida por ambas as partes. § 1o O juiz poderá determinar que a parte responsável pelo pagamento dos honorários do perito deposite em juízo o valor correspondente.
[34] Nas palavras dos autores, “é de se pontuar que tanto em França quanto no recém-aprovado CPC/2015 tais acordos processuais devem ser analisados em harmonia com a premissa normativa cooperativa (comparticipativa) e com o princípio do contraditório (art. 5o., inc. LV, CRFB/1988 e arts. 6o. e 10, CPC/2015), servindo como técnica complementar de gestão do processo civil com uma equilibrada extensão da incidência da autonomia privada na conformação da atividade processual.”
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Imagem Ilustrativa do Post: Faith in Light and shadows // Foto de: Simon Felton // Sem alterações
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