ABDPRO #114 - A compatibilidade entre a cláusula de eleição de foro e convenção de arbitragem no mesmo contrato

18/12/2019

Coluna ABDPRO

Os contratos celebrados entre particulares e também a Administração Pública podem estipular no mesmo instrumento clausula compromissória e também cláusula de eleição de foro. Isso não é um problema.

A cláusula de eleição de foro consubstancia-se em um compromisso prévio dos contratantes em indicar determinado órgão jurisdicional como competente para resolver possíveis conflitos decorrentes do contrato. O foro de eleição é, como se observa, uma estipulação acessória de natureza processual que compõe todo o restante do arranjo contratual.

Na perspectiva de contratos internacionais, é de se destacar também o disposto no art. 25 do CPC/15, segundo o qual não compete à autoridade judiciária brasileira o processamento e o julgamento da ação quando houver cláusula de eleição de foro exclusivo estrangeiro em contrato internacional. Realmente, há atualmente regra explícita acerca do afastamento da jurisdição estatal brasileira por vontade vontade das partes.

Ademais, conforme disposto na súmula 335 do Supremo Tribunal Federal é válida a cláusula de eleição do foro para os processos oriundos do contrato, isto é, é permitido tanto em contratos nacionais como em internacionais tal estipulação contratual. Tal questão também foi abarcada pelo CPC/15 no art. 63 o qual permite que as partes modifiquem a competência em razão do território, elegendo foro onde será proposta ação oriunda de direitos e obrigações.

O que se pretende demonstrar é que nos contratos (internacionais ou não) é possível que se estabeleça cláusula de eleição de foro e também cláusula compromissória.

Primeiramente ressalta-se que o raio de abrangência da convenção arbitral é limitado à questão admitidas pelo direito brasileiro como arbitráveis, isto é, decorrentes de direitos patrimoniais disponíveis, sendo certo que todas as demais matérias não arbitráveis estarão sujeitas à eventual apreciação pelo Poder Judiciário.

A estipulação de ambas as cláusulas não desnatura uma nem torna a outra nula. Já se ponderou que “é perfeitamente possível que um contrato contenha cláusula de eleição de foro e cláusula arbitral. Cada uma exercerá seu papel. A cláusula de eleição de foro se aplicará aos casos que não forem arbitráveis ou que tiverem sido expressamente excluídos pela cláusula arbitral”[1]. Mais ainda, “o foro eleito pelas partes, desde que respeitados os requisitos de validade e que não seja imposta em caráter abusivo, será o competente para julgar matérias alheias à cláusula arbitral e para medidas auxiliares ao procedimento arbitral, seja em fase preliminar, seja durante o procedimento o arbitral ou até mesmo depois de seu término”[2].

Na verdade, a autonomia da vontade permite que as ajustem seus interesses e tentem tornar seu contrato o mais completo possível, cobrindo as diversas possibilidades que um negócio pode estar sujeito. Fazer essa dupla estipulação não é apenas possível como também é recomendável.

O tema já foi objeto de algumas decisões no âmbito dos tribunais estaduais e também no Superior Tribunal de Justiça. Em determinado caso destacou-se que “no âmbito do Poder Público, há ainda a questão da impossibilidade de instituição do juízo arbitral para dirimir determinadas controvérsias que envolvem direitos indisponíveis, sendo necessária, portanto, a atuação da jurisdição estatal, cuja competência será fixada pela cláusula de foro prevista obrigatoriamente nos contratos administrativos”. Na espécie, a Corte decidiu: “a cláusula de eleição de foro não é incompatível com o juízo arbitral, pois o âmbito de abrangência pode ser distinto, havendo necessidade de atuação do Poder Judiciário, por exemplo, para a concessão de medidas de urgência; execução da sentença arbitral; instituição da arbitragem quando uma das partes não a aceita de forma amigável.”[3]

Demonstrada a possibilidade, parece válido demonstrar a utilidade dessa dupla estipulação.

A cláusula de eleição de foro é bastante útil para: atender a necessidade de demandar no Poder Judiciário a constituição da própria arbitragem; designar o foro competente para apreciar medidas de urgência pré-arbitrais ou arbitrais e; determinar o foro competente para, se necessário, dar cumprimento a sentença arbitral. Tal cláusula designará a sede jurídica onde serão propostas eventuais demandas relacionadas à arbitragem quando necessário o acesso à Justiça Estatal[4]. Conforme se explica “o chamado lugar da arbitragem é aquele em que, normalmente, o procedimento arbitral se desenvolve, onde as audiências são realizadas e, finalmente, onde a sentença arbitral é proferida. Trata-se de um espaço judiciário de operacionalidade da arbitragem, em que a sede se torna de suma importância, sobretudo para os efeitos práticos do procedimento arbitral”[5].

A sede designa o elemento de conexão em relação à lei processual do Estado da sede. Escolher a sede do procedimento arbitral possui consequências jurídicas práticas para as partes e pode materialmente alterar o curso e o próprio resultado da arbitragem[6].

A sede da arbitragem exerce notável importância, inclusive para prevenir a adequada e correta implementação pelo órgão judiciário local das decisões arbitrais. Um Poder Judiciário hostil à prática arbitral, um magistrado pouco informado da realidade negocial do conflito e pouco afeito com a sistema arbitral pode trazer desconfortos às partes; de outra parte, um ambiente judiciário cooperativo e sensível às demandas arbitrais ou com varas especializadas no tema pode garantir máxima diligência e boa efetividade das decisões arbitrais.

 

Notas e Referências

[1] WLADECK, Felipe Scripes. Da modificação da competência. In: CRUZ E TUCCI, José Rogério; FERREIRA FILHO, Manoel Caetano; APRIGLIANO, Ricardo de Carvalho et al. (Coord.). Código de Processo Civil anotado. São Paulo: Editora GZ, 2015. p. 113.

[2] QUEIROZ, Caique Bernardes Magalhães. TORTORELLA, Eduardo Machado. O negócio jurídico processual como instrumento de aproximação entre os procedimentos arbitrais e judiciais no Brasil. Revista de Arbitragem e Mediação n. 55. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2017.

[3] STJ - REsp: 904813 PR 2006/0038111-2, Relator: Ministra NANCY ANDRIGHI, Data de Julgamento: 20/10/2011, T3 - TERCEIRA TURMA, Data de Publicação: DJe 28/02/2012

[4] CARMONA, Carlos Alberto. Considerações sobre a cláusula compromissória e a eleição de foro; in Arbitragem – Estudos em homenagem ao Prof. Guido Fernandes da Silva Soares, São Paulo: Atlas, 2007, p. 37-38

[5] NUNES, Thiago Marinho. O Poder Judiciário da sede da arbitragem: o "juge d'appui". Migalhas. Disponível em <https://bit.ly/2XbGthM>  acesso 28/06/2019.

[6] WALD. Arnold.Transferência de sede em arbitragem internacional: novas necessidades e perspectivas. Revista de Arbitragem e Mediação n. 26. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2010

 

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