ABDPRO #107 - Arbitrabilidade envolvendo desapropriações

16/10/2019

Coluna ABDPRO

A desapropriação é forma de intervenção do Estado na propriedade privada que objetiva transferir a propriedade de bem particular para o seu acervo. Conforme explica a doutrina "A desapropriação é o procedimento administrativo pelo qual o Poder Público ou seus delegados, mediante prévia declaração de necessidade pública, utilidade pública ou interesse social, impõe ao proprietário a perda de um bem, substituindo-o em seu patrimônio por justa indenização"[1].

A utilização da arbitragem nos procedimentos de desapropriação teve tímida análise doutrinária e esbarrava na inexistência de autorização legal. Aliás, é um problema do sistema brasileiro tentar resolver problemas sérios apenas com inovações legislativas sem se preocupar em oferecer garantias ou implementar políticas públicas de caráter prático. De qualquer forma, observando a lacuna legislativa foi promulgada a Lei n. 13.867/19 que alterou o Decreto n. 3.365/41 que dispõe sobre desapropriações por utilidade pública.

A Lei é fruto do Projeto de Lei do Senado n° 135, de 2017 de autoria do Senador Antônio Anastásia. Conforme ficou apontado na proposta legislativa "a Constituição considera a indenização justa e prévia como uma garantia fundamental do cidadão que vai ter sua propriedade desapropriada". Um dos subsídios utilizados para a proposta foi a Tese de Doutorado de Frederico Nunes de Matos intitulada "Novas Fronteiras das Arbitragem Aplica aos Litígios da Administração Pública: Incidência sobre conflitos extrajudiciais, especialmente na desapropriação". Além disso, destacou-se que uma das razões da proposta é a tentativa de superar a morosidade dos processos judiciais que tratam do tema.

Nos parece que a nova tendência é amadurecer o quadro normativo para com isso ampliar a utilização da arbitragem nas searas do direito público sem maiores percalços e atender o princípio da legalidade. A "lacuna legislativa" foi suprida por autorizações genéricas e, com o passar do tempo, a arbitrabilidade objetiva das matérias vem sendo a identificada através de leis exemplificativas, uma delas é a Lei n. 13.867/19.

Realmente, trata-se de um problema antigo que envolve questões jurídicas econômicas e sociais bastante sensíveis. O legislador entendeu que a arbitragem, assim como a mediação, pode ser ferramenta útil para de uma só vez atender o interesse público transferindo a propriedade de terceiro para si fundado em razões de utilidade ou necessidade públicas e interesse social como também ao particular com a justa e prévia indenização em dinheiro.

Prevê a lei acima mencionada incluía possibilidade da utilização de arbitragem após o exaurimento da fase declaratória, onde o Poder Público atribui a utilidade pública ou interesse social do bem por meio de decreto expropriatório (art. 6). Destaca-se que “embora a declaração de utilidade pública ou interesse social não seja suficiente para transferir o bem para o patrimônio público, ela incide compulsoriamente sobre o proprietário, sujeitando-o, a partir daí, às operações materiais e aos atos administrativos e judiciais necessários à efetivação da medida. Trata-se de decisão executória do Poder Público, no sentido de que não depende de título fornecido pelo Poder Judiciário para subjugar o bem”[2].

Observe-se que ficou reservada ao Estado a avaliação do interesse público primário, é dizer: a utilidade pública ou interesse social, são, nos termos da lei, inarbitráveis. A questão não é tão diferente se for levada a seara judicial onde é vedada a verificação de utilidade pública pelo magistrado (art. 9º).

A lei também estabelece que a desapropriação deverá efetivar-se mediante acordo ou intentar-se judicialmente, dentro de cinco anos, contados da data da expedição do respectivo decreto e findos os quais este caducará (art. 10).

A novidade está contida no art. 10-B que permite a opção pela mediação ou pela via arbitral para decidir a questão indenizatória. É esse o campo de arbitrabilidade (Lei 9.307/96, art. 1º) da disputa envolvendo desapropriação: o valor da indenização. Assim, o valor indenizatório que pode ser objeto de acordo (atendendo o requisito de disponibilidade) e que deverá ser em dinheiro (atendendo do requisito da patrimonialidade) poderá ser objeto de convenção de arbitragem e de decisão de árbitros.

A sentença arbitral decidirá o mérito da questão e fixará o valor da indenização a ser paga pelo Poder Público expropriante.  O conteúdo do art. 27 da Lei  de Desapropriação se aplica ao árbitro com as devidas adaptações e ordena ao órgão jurisdicional que indique na sentença os fatos que motivaram o seu convencimento e deverá atender, especialmente, à estimação dos bens para efeitos fiscais; ao preço de aquisição e interesse que deles aufere o proprietário; à sua situação, estado de conservação e segurança; ao valor venal dos da mesma espécie, nos últimos cinco anos, e à valorização ou depreciação de área remanescente, pertencente ao réu. Para atender os critérios de justiça, precedência e pecuniariedade o árbitro deverá levar em consideração não apenas o valor do bem expropriado mas também eventuais danos e lucros cessantes decorrentes da perda da propriedade, incluindo ainda os juros moratórios e compensatórios e demais custas (Lei 9.307/96, art. 27).

A sentença arbitral que trata da desapropriação terá, necessariamente, dois efeitos principais: permite a imissão definitiva na posse do bem em favor do expropriante e será título executivo judicial apto para a transcrição da propriedade do bem no registro imobiliário competente. 

Também não se descarta a possibilidade de o árbitro homologar acordo fruto de consenso das partes ou mesmo delas utilizarem-se de cláusulas escalonadas prevendo em um primeiro momento a mediação para acordos parciais e posteriormente levar o tema controvertido para a arbitragem.

Não é demais ressaltar que não se aplicam na demanda arbitral o recurso de apelação previstos no art. 28. A decisão do árbitro será irrecorrível (Lei 9.307/96, art. 18) e, eventual descumprimento, poderá ser objeto de cumprimento de sentença.

Outra questão foi objeto da reforma legislativa. Está prevista a possibilidade de uma câmara de mediação criada pelo poder público para administrar esses procedimentos (art. 10-B, §2º). Deixando clara a ideia que a arbitragem desenvolve-se somente na seara privada. A afirmação não é à toa: ainda existem expressões como “arbitragem extrajudicial” por aí, um pleonasmo bastante grosseiro. Enfim, podem haver conciliação e mediação judicial ou extrajudicial, mas a arbitragem será sempre privada.

A lei também reforça a ideia de que o procedimento arbitral será regido por normas institucionais (art. 10-B, §4º) isto é, os regulamentos das câmaras de arbitragem é que tratarão das questões procedimentais que têm por caraterística principal a flexibilidade.

Foram vetados os dispositivos que atribuíam ao poder público o ônus de custear as despesas com a arbitragem e mediação[3], o Ministério da Infraestrutura opinou pelo veto porque “os dispositivos estabelecem que os honorários dos mediadores e dos árbitros sejam obrigatoriamente adiantados pelo poder público, o que contraria o interesse público ao afastar a possibilidade de adesão a regulamentos eventualmente mais vantajosos ao Erário, que prevejam pagamentos parcelados ou ao final do procedimento”.

Pode-se concluir que a desapropriação é matéria arbitrável.

Enfim, o legislador atribuiu ao Poder Público e aos sujeitos privados nova possibilidade de resolver questões relativas à desapropriação, “a arbitragem neste cenário é um ganho institucional para o poder público, como para os particulares, não dependendo unicamente de solução judicial”[4]. De fato, há mais um estimulo o modelo multiportas e o uso de formas extrajudiciais de solução de disputas.

Cabe observar os impactos da lei no decorrer do tempo.

 

Notas e Referências

[1] DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27 Ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 166.

[2] DI PIETRO. Maria Sylvia Zanella. Direito Administrativo. 27 Ed. São Paulo: Atlas, 2014, p. 171.

[3] No projeto original estavam incluídos os §§ 3º e 5º com a seguinte redação:

“§ 3º  Os honorários dos mediadores, se houver, serão adiantados pelo poder público e, ao final do procedimento, serão pagos na forma estabelecida nos regulamentos do órgão ou instituição responsável.

“§ 5º  Os honorários dos árbitros serão adiantados pelo poder público e, ao final do procedimento, serão pagos pela parte perdedora ou proporcionalmente, na forma estabelecida nos regulamentos do órgão ou instituição responsável.”

[4] Disponível em < https://www.conjur.com.br/2019-ago-27/publicada-lei-permite-mediacao-arbitragem-desapropriacoes>

 

Imagem Ilustrativa do Post: computer // Foto de: Andrew Neel // Sem alterações

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