Por Fernanda Sell - 20/09/2015
No dia 09 de setembro a Comissão de Direitos Humanos aprovou, através do Projeto de Lei do Senado 700/2007, uma mudança no Estatuto da Criança e do Adolescente, que impõe reparação de danos ao pai ou à mãe que deixar de prestar assistência afetiva a seus filhos, seja pela convivência, seja por visitação periódica.
A caracterização do abandono afetivo como uma conduta ilícita foi proposta pelo senador Marcelo Crivella, do PRB do Rio Janeiro, e na Comissão teve o parecer aprovado pelo senador Paulo Paim, do PT do Rio Grande do Sul. O projeto foi enviado para a Câmara dos Deputados.
O Projeto determina que o pai ou a mãe que não tiver a guarda da criança ou do adolescente também ficará obrigado pelo Código Civil não somente a realizar visitas e a tê-los em sua companhia, como também a fiscalizar a manutenção e educação desses menores. O texto define a assistência afetiva devida pelos pais aos filhos menores de 18 anos, como a orientação quanto às escolhas e oportunidades na área da educação e profissionais, a solidariedade e o apoio nos momentos de intenso sofrimento ou de dificuldades e a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou pelo adolescente, desde que possível de ser atendida.
Além de estabelecer os deveres de sustento, guarda e de educação dos filhos menores, a proposta altera o ECA para também atribuir aos pais os deveres de convivência e assistência material e moral. Esse aspecto passará a ser considerado nas decisões judiciais de destituição de tutela e de suspensão ou destituição do poder familiar.
O projeto de lei busca regulamentar uma situação que há anos vem sendo discutida nos Tribunais e que já foi tema de diversos trabalhos acadêmicos. A responsabilização pelo abandono afetivos dos filhos já foi aceito no Superior Tribunal de Justiça, tendo em seu voto a Ministra Nancy Andrighi, no REsp 1159242, sustentado:
“Aqui não se fala ou se discute o amar e, sim, a imposição biológica e legal de cuidar, que é dever jurídico, corolário da liberdade das pessoas de gerarem ou adotarem filhos.
O amor diz respeito à motivação, questão que refoge os lindes legais, situando-se, pela sua subjetividade e impossibilidade de precisa materialização, no universo meta-jurídico da filosofia, da psicologia ou da religião.
O cuidado, distintamente, é tisnado por elementos objetivos, distinguindo-se do amar pela possibilidade de verificação e comprovação de seu cumprimento, que exsurge da avaliação de ações concretas: presença; contatos, mesmo que não presenciais; ações voluntárias em favor da prole; comparações entre o tratamento dado aos demais filhos – quando existirem –, entre outras fórmulas possíveis que serão trazidas à apreciação do julgador, pelas partes. Em suma, amar é faculdade, cuidar é dever.”
Pelo projeto de lei, os §§ 2º e 3º, do art. 4º do ECA, passarão a ter a seguinte redação:
“§ 2º. Compete aos pais, além de zelar pelos direitos de que trata o art. 3º desta Lei, prestar aos filhos assistência moral, seja por convívio, seja por visitação periódica, que permitam o acompanhamento da formação psicológica, moral e social da pessoa em desenvolvimento.
3º. Para efeitos desta Lei, compreende-se por assistência moral devida aos filhos menores de dezoito anos:
I – a orientação quanto às principais escolhas e oportunidades profissionais, educacionais e culturais;
II – a solidariedade e apoio nos momentos de intenso sofrimento ou dificuldade;
III – a presença física espontaneamente solicitada pela criança ou adolescente e possível de ser atendida.”
A possibilidade de reparação pelo abandono afetivo vem expresso no parágrafo único do artigo 5º, nos seguintes termos:
“Parágrafo único. Considera-se conduta ilícita, sujeita a reparação de danos, sem prejuízo de outras sanções cabíveis, a ação ou a omissão que ofenda direito fundamental de criança ou adolescente previsto nesta Lei, incluindo os casos de abandono moral.”
Já o crime de abandono afetivo será disciplinado pelo artigo 232-A, do ECA:
“Art. 232-A. Deixar, sem justa causa, de prestar assistência moral ao filho menor de dezoito anos, nos termos dos §§ 2º e 3º do art. 4º desta Lei, prejudicando-lhe o desenvolvimento psicológico e social.
Pena – detenção, de um a seis meses”
Assim, o Projeto de Lei só vem a cristalizar aquilo que há tempo é pleiteado pelos estudiosos do Direito de Família. Não que seja tutelado o direito ao afeto como sentimento, pois sentir é algo que não pode ser exigido. Não se pode quantificar nem qualificar sentimentos. Longe disto, necessita-se da disciplina do afeto como CUIDADO.
O dever de cuidar dos filhos independe do “sentir”. Pais tem a obrigação de zelar e cuidar dos filhos mesmo nos momentos em que não querem ou não gostam de fazê-lo. Quem está na situação da paternidade ou maternidade sabe que muitas vezes o excesso de trabalho, os percalços da vida que são impostos aos adultos, aliados as peraltices dos filhos trazem aos pais real desejo de sumir. Contudo, o desejo do sumiço desaparece em instantes, pois os benefícios da relação paterno/materno-filial extrapolam infinitamente os momentos ruins.
Os cuidados aos filhos, então, não podem depender desta onda de sensações. Deve ser ato perene e contínuo que visa alcançar a proteção integral da criança e do adolescente.
“No meu coração, fiz um lar
O meu coração é o teu lar
E de que me adianta tanta mobília
Se você não está comigo
Só é possível te amar
Ouve os sinos, amor
Só é possível te amar
Escorre aos litros, o amor”
Cássia Eller
Fernanda Sell de Souto Goulart Fernandes é graduada em Direito pela Universidade do Vale do Itajaí (2002) e Mestre em Ciência Jurídica pela Universidade do Vale do Itajaí (2005). Doutoranda pela Universidade do Vale do Itajaí. Atualmente é professora do Instituto Catarinense de Pós Graduação, advogada pela Ordem dos Advogados do Brasil de Santa Catarina e professora da Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI.
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