1. Introdução
Com o advento do Novo Código de Processo Civil, além da adequação dos profissionais do direito e da sociedade a novos ritos processuais, é também exigida uma mudança na postura de todos, tendo em vista as normas fundamentais que regem o Código.
Sendo assim, o presente artigo visa elucidar a visão moderna do destinatário da prova, abordando situações práticas em que esta alteração de entendimento terá direto impacto na atuação profissional dos advogados, juízes e todos aqueles que participarem do processo.
Devemos compreender que a prova tem como finalidade “permitir ao juízo formar seu convencimento acerca dos fatos da causa”, contudo, “tem ela, além e antes mesmo disso, a finalidade de permitir às próprias partes a formação do seu convencimento acerca dos fatos da causa”.[1]
Cumpre retomar que a Constituição Federal, no art. 5º, LIV e LV, garante a todos litigantes e acusados o direito ao contraditório e a ampla defesa. Sendo assim, o direito à prova necessária para a adequada solução do litígio configura-se um direito inafastável.
Isto posto, a importância de caracterizar as garantias fundamentais ao direito a prova, terá direta influência quando tratarmos do destinatário da prova, uma vez que o juiz deverá sempre observar essas garantias fundamentais, para viabilizar um processo justo e efetivo às partes.
2. O destinatário da prova na visão moderna do Processo Civil
Inicialmente vale destacar que, tanto na doutrina, quanto na jurisprudência o posicionamento majoritário é que o destinatário da prova é exclusivamente o juiz. Todavia, conforme se verificará a seguir, a visão contemporânea do Processo Civil reclama para uma nova concepção do destinatário da prova, qual seja, o processo.
Ao verificar o próprio Código de Processo Civil de 2015, podemos concluir que, de fato, as provas pertencem ao processo, uma vez que o art. 371 estabelece que: “o juiz apreciará a prova constante dos autos, independentemente do sujeito que a tiver promovido”, a função do juiz, portanto, não se configura como destinatário da prova, mas sim o sujeito que irá analisar as provas produzidas para o processo e, consequentemente, proferirá decisão fundamentada, indicando as razões da formação de seu convencimento.
Nelson Nery Jr. e Rosa Maria de Andrade Nery, ao comentarem o artigo supracitado, afirmam que a parte produz as provas para que elas sejam adquiridas pelo processo. Também defendem a impossibilidade do juiz dispensar a produção de uma prova requerida, sob o argumento de já estar convencido sobre os fatos, caso o referido fato ainda seja controvertido nos autos. Caso isso ocorra, estaria configurado o cerceamento de defesa.[2]
Todavia, na jurisprudência ainda são poucos os casos em que o Tribunal de Justiça de São Paulo entende que o destinatário da prova, ou ao menos o destinatário imediato, é o processo.[3]
Tendo em vista a relevância e atualidade da discussão, ela foi objeto de debates no Fórum Permanente de Processualistas Civis (FPPC), que acabou resultando no Enunciado nº 50: “(art. 369; art. 370, caput) Os destinatários da prova são aqueles que dela poderão fazer uso, sejam juízes, partes ou demais interessados, não sendo a única função influir eficazmente na convicção do juiz.”
Neste sentido, a ideia reforçada por este enunciado é que as provas produzidas pelas partes ou pelo juiz no processo visam não apenas o convencimento do julgador, mas também o convencimento de todos que integram a lide, pois, apenas dessa maneira será efetivado o modelo processual cooperativo adotado pelo Novo Código de Processo Civil.
Isto porque, em decorrência da cooperação entre partes e juiz, elas devem buscar a produção de provas que convençam a todos, incluindo terceiros interessados na lide, para que ao final, também façam suas decisões sobre viabilidade recursal ou utilizem a prova produzida como estratégia para buscar um meio consensual de solução daquele litígio, minimizando suas perdas.[4]
Devemos entender que a prova tem por finalidade possibilitar ao juízo a formação do seu convencimento acerca dos fatos da causa, porém esta não é a única finalidade da prova que, antes mesmo de servir ao convencimento do julgador, ela deve viabilizar às próprias partes a formação do seu convencimento em relação aos fatos.[5]
Além disto, não podemos nos olvidar que o juiz é também o destinatário da prova produzida no processo, mas não apenas o juiz de primeiro grau e sim os julgadores de segunda instância que, ao apreciarem os recursos interpostos, do mesmo modo realizarão a valoração das provas produzidas nas instâncias ordinárias.[6]
A importância de se ter isso em mente é que, o juiz de primeiro grau, ao indeferir uma prova requerida, alegando já estar convencido dos fatos ou, ainda, alegando ser a prova impertinente, estará inviabilizando a valoração daquela prova em fase recursal, oprimindo assim o contraditório e a ampla defesa.
3. Os poderes instrutórios do juiz
Podemos verificar que, no art. 370 do Código de Processo Civil, foi conferido ao juiz um dever-poder durante a instrução, porém, a própria lei não impôs ao julgador limitação ao exercício do seu poder instrutório.
Sendo assim, também não podemos falar em imparcialidade do juiz, quando ele determinar provas ex officio, pois, ao contrário disto, se o juiz exercer de forma adequada seu poder instrutório, sempre buscando a verdade dos fatos e assegurando o contraditório, estará também garantindo a igualdade de tratamento às partes.[7]
Outrossim, o art. 6º do diploma processual civil, traz a previsão do princípio da cooperação, em que todos os sujeitos do processo devem cooperar entre si, para que ocorra uma decisão de mérito justa e efetiva, sendo também dever do juiz respeitar tal princípio.
Como desdobramento deste novo modelo processual cooperativo, é reconhecido os poderes de iniciativa instrutória do juiz, uma vez que “a ele – tanto quanto às partes – incumbe atuar na direção da construção de um resultado justo, constitucionalmente legítimo, para o processo”.[8]
Todavia, não se pode olvidar que o juiz tem poderes na condução da fase probatória do processo, todavia, isso não quer dizer que ele pode indeferir os requerimentos de produção de prova, apenas porque entende que aquela prova não é pertinente ao caso ou, ainda, porque já está convencido sobre os fatos.
Sendo assim, se a parte requereu a produção daquela prova é porque ela entende que ainda é necessário esclarecer o fato ensejador do seu direito, não podendo o juiz indeferir tal pedido, sob pena de cerceamento de defesa, lembrando que aquela prova produzida servirá para instrução do processo em primeiro grau e também poderá ser analisada em outras instâncias ordinárias e extraordinárias, em caso de interposição de recursos.
Além disto, entender os poderes instrutórios do juiz é de importante relevância, uma vez que ao exercer esses poderes ele busca a produção da prova para o deslinde da causa, e não a seu favor. Logo, podemos dizer que o juiz deixou de ser o único destinatário da prova, sendo o melhor conceito que, de fato, a prova é destinada ao processo.
4. A produção antecipada da prova
O procedimento de produção antecipada da prova encontra-se previsto no art. 381 e seguintes do Código de Processo Civil, sendo que o próprio art. 381 estabelece as hipóteses de cabimento deste procedimento.
Sendo assim, podemos dizer que esta é “a ação que busca o reconhecimento do direito autônomo à prova, direito este que se realiza com a coleta da prova em típico procedimento de jurisdição voluntária.”[9]
Faz-se necessário destacar que, neste processo o juiz não irá proceder a valoração das provas produzidas, pois isto só ocorrerá se, eventualmente, a parte interessada vier a propor ação de conhecimento e se utilizar da prova produzida anteriormente.
A primeira hipótese, já prevista no Código de Processo Civil de 1973, trata de uma situação em que há risco da prova não poder ser mais produzida, buscando evitar a lesão ao direito à produção da prova.
No que tange aos incisos II e III, estes são as novidades trazidas pelo Código de Processo Civil de 2015, pois em nenhuma destas hipóteses exige-se a urgência ou que haja risco de não poder produzir a prova futuramente.
No inciso II, a intenção do legislador é de que, após a produção da prova requerida, as partes sejam estimuladas a buscarem a autocomposição daquele litígio, ou seja, foi uma forma encontrada pelo Código a fim de viabilizar a aplicação das normas fundamentais do Processo Civil.
Em contrapartida o inciso III disciplina a possibilidade da produção antecipada da prova, para viabilizar às partes o prévio conhecimento dos fatos e, assim, decidirem sobre a viabilidade ou não de ingresso no Poder Judiciário.
Após a análise destes dois últimos incisos do art. 381, podemos afirmar que “o destinatário da prova não é apenas o juiz. A prova também é dirigida às partes; a prova também serve para que as partes formem o seu convencimento sobre a causa e, a partir daí, tracem as suas estratégias”.[10]
Neste mesmo sentido, Eduardo Talamini afirma que, sob a ótica do direito moderno, resta evidente a “existência de um direito autônomo à prova”. Acrescenta ainda que, por consequência, deve ser superado o conceito de que o juiz é o único destinatário da prova, sendo necessário adotar o entendimento de que as provas são produzidas também às partes, bem como entender a função do instrumento probatório.[11]
À luz deste procedimento, resta claro, novamente, que o juiz deixou de ser o único destinatário da prova no processo civil. Portanto, devemos considerar que o processo é o destinatário da prova, pois apenas assim este procedimento atingirá a finalidade dele que é o convencimento das partes sobre a viabilidade de propositura daquela ação ou, ainda, a efetividade de solucionar o caso de forma consensual.
5. A prova testemunhal
Em relação a prova testemunhal, o art. 442 e seguintes do Código de Processo Civil, estabelecem a sua admissibilidade em todos os casos, salvo por disposição diversa na lei, sendo que os demais artigos tratam de como será realizada a produção desta prova.
Entretanto, o art. 451 do Código de Processo Civil estabelece as hipóteses em que o rol de testemunha apresentado pela parte poderá ser substituído. Sendo assim, podemos afirmar que, fora destas hipóteses as partes não poderão realizar a substituição das testemunhas já arroladas.
Isto porque, partindo do pressuposto que o processo é o destinatário da prova, a partir do momento que uma das partes traz o rol de testemunhas que deseja ouvir, esta prova passa a fazer parte do processo, se transformando em uma prova de interesse público, da qual não é mais possível desistir, salvo se todos os interessados, partes e juiz concordarem com a desistência.[12]
Neste sentido, William Santos Ferreira, afirma que, a prova que ingressa ao processo se desvincula com o seu produtor. Sendo assim, em que pese o silêncio da lei, se uma parte desistir de ouvir a testemunha arrolada, a outra parte poderá insistir no depoimento desta testemunha, pois esta prova passará a fazer parte do processo.[13]
Embora não seja este o entendimento adotado atualmente, faz-se necessário a mudança de entendimento, a fim de que se busque a concretização do processo colaborativo dentro do nosso ordenamento jurídico, tendo em vista ser essa a intenção do legislador que, ao dispor das hipóteses de desistência da testemunha o fez em rol taxativo.
Isto porque, se a testemunha foi arrolada por uma das partes, no momento oportuno, significa que aquela pessoa tem algum conhecimento sobre o fato litigioso, sendo assim, deverá ser inquirida a fim de viabilizar o convencimento de todos sobre a questão controvertida, ressalvada as hipóteses em que a questão não admitir a prova testemunhal.
6. Conclusão
Em que pese o posicionamento majoritário tanto na doutrina quanto na jurisprudência ainda ser de que o destinatário da prova é o juiz, verificamos que há uma visão contemporânea de alguns doutrinadores e julgadores que visam modificar tal posicionamento, a fim de buscar a garantia de um processo mais justo, cooperativo e que garante o pleno contraditório e a ampla defesa, trazendo o processo como destinatário da prova.
Admitindo esta hipótese, o juiz só poderia dispensar a produção de determinada prova caso o fato não seja contravertido. Caso contrário, se o juiz indeferir a produção de determinada prova requerida por uma das partes, estará violando frontalmente um direito fundamental daquele sujeito.
Destarte, restou demonstrado que a fase probatória poderá afetar na mudança de comportamento das partes, tanto antes de ingressar com ação, quanto durante o processo, o que significa dizer que durante a produção de provas, as partes não pretendem exclusivamente convencer o juiz que tem razão, mas também convencer a si mesmo e à parte contrária, não sendo o juiz, portanto o único destinatário dela.
Isto posto, se mostra fundamental a mudança de comportamento das partes, advogados e juízes, em face de quem deve ser, de fato, o destinatário da prova, pois só dessa forma será possível garantir a plena efetividade do processo cooperativo, com a garantia do contraditório, da ampla defesa e do direito à prova e, assim, estamos certos de que teremos decisões mais justas e que convençam à todas as partes litigantes.
[1] DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016. v.2. p. 57.
[2] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16. Ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 1070-1073.
[3] TJSP, Agravo de Instrumento 0276400-91.2011.8.26.0000, Relator: Edgard Rosa, 25ª Câmara de Direito Privado, julgado em 23/05/2012; Agravo de Instrumento 2218973-97.2014.8.26.0000, Relatora: Cristina Zucchi, 34ª Câmara de Direito Privado, julgado em 29/04/2015; TJSP, Agravo de Instrumento nº 0105532-90.2005.8.26.0000, Relator: Antonio Ribeiro, 27ª Câmara do D.QUARTO Grupo (Ext. 2° TAC), julgado em: 26/04/2005; TJSP, Apelação nº 9058585-48.2007.8.26.0000, Relator: Antonio Benedito Ribeiro Pinto, 25ª Câmara de Direito Privado, julgado em: 29/04/2010.
[4] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 227.
[5] DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016. v.2. p. 57.
[6] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 228.
[7] NERY JUNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de Processo Civil Comentado. 16. Ed. Rev., atual. e ampl. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2016. p. 1074-1075.
[8] CÂMARA, Alexandre Freitas. O novo processo civil brasileiro. 2. Ed. São Paulo: Atlas, 2016. p. 227.
[9] DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016. v.2. p. 141.
[10] DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016. v.2. p. 144.
[11] TALAMINI, Eduardo. Produção antecipada de prova no Código de Processo Civil de 2015. Revista de Processo. São Paulo: Revista dos Tribunais, v. 260, out. 2016.
[12] DIDIER JUNIOR, Fredie; BRAGA, Paula Sarno; OLIVEIRA, Rafael Alexandria de. Curso de direito processual civil: teoria da prova, direito probatório, ações probatórias, decisão, precedente, coisa julgada e antecipação dos efeitos da tutela. 11. Ed. Salvador: Ed. Jus Podivm, 2016. v.2. p. 257.
[13] FERREIRA, William Santos. Princípios fundamentais da prova cível. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2014. p. 129.
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