A Violência Obstétrica no cenário atual brasileiro

11/10/2023

No cenário atual há grandes discussões acerca do sistema reprodutivo da mulher, com principal foco na tomada de decisão da não concepção, o aborto. Contudo, infelizmente é deixado de lado discussões sobre a saúde e bem-estar de mulheres que decidiram pela concepção.  

Ao passar das décadas e com aparecimento de discussões acerca dos direitos das mulheres, com pautas sobre saúde e bem-estar, a violência obstétrica começou a aparecer derradeiramente, trazendo alguns temas como os partos humanizados e mínimo de dignidade ao período tão importante da mulher.

No Brasil, contudo, ainda não existe Lei Federal que regulamente a Violência Obstétrica. Apenas alguns estados brasileiros têm regulamentações estaduais sobre o tema, o que torna um grande atraso ao avanço de repressão a violência institucional hospitalar contra a mulher.

Atualmente, existem um projeto de lei (PL 2.082 DE 2022), que tramita no Senado Federal que tenciona a promulgar uma lei federal que criminalize a violência obstétrica, estabelecendo mecanismos de prevenção e punição no sistema de saúde, tanto público como privada.

O principal problema para a promulgação desta lei, é a falta de apoio de principais movimentos de prevenção a violência contra o sexo feminino. Uma vez que, infelizmente alguns movimentos de mulheres acabam não acolhendo causas sobre maternidade, reprodução e saúde da mulher.

A violência obstétrica é uma expressão que apresenta vários tipos de violência praticadas contra a mulher no período em que passa por um serviço obstétrico, abrangendo todo o período gestacional e não apenas o período do parto propriamente dito (PEREIRA, SILVA, BORGES, 2016). De acordo com dossiê “Pariras sem dor”, a violência obstétrica são atos praticados contra a mulher, que englobe sua saúde reprodutiva e sexual, sendo cometidas por profissionais de saúde que trabalham em instituições tanto públicas como privadas (PARTO DO PRINCIPIO, 2012).

A Lei de combate a violência obstétrica sancionada em 2019, no Estado de Santa Catarina diz: “considera-se, violência obstétrica que ofenda, de forma verbal ou física as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período puerpério”.

Alguns exemplos dessas violências são maus tratos físicos, verbais, psicológicos, ou procedimentos desnecessários e invasivos, ausência ou restrição de acompanhante durante o parto, proibições de posições ou desejos da gestante sem fundamentos, dentre diversos outros (PEREIRA, SILVA, BORGES, 2016). Sendo essas violências praticadas por profissionais como enfermeiros, técnicos de enfermagem, obstetrizes, médicos ou qualquer outro profissional que dê assistência (SECRETARIA ESTADO DE SAÚDE, 2021).

No Brasil, em um estudo realizado pela Fundação Perseu Abramo em 2010, segundo Agência Fiocruz, estima-se que 1 a cada 4 mulheres sofreram algum tipo de violência durante o parto, sendo que 53,5% das mulheres entrevistadas tiveram corte períneo na realização do parto normal. Métodos estes que podem prejudicar tanto a saúde da mulher, bem como, do seu bebê. Infelizmente, ainda existe um grande número de relatos de mulheres que sofreram maus tratos durante o processo gestacional (SILVA, MACELINO, RODRIGUES, 2014).

O Ministério da Saúde relatou que está investido na implantação de programas para assistência ao parto normal no Brasil e a capacitação de profissionais para a humanização dos partos, para a redução dos partos cesarianos desnecessários.

Uma vez que, a Organização Mundial da Saúde (OMS), no ano de 2018, constatou que 55,7 % dos partos foram realizados por intervenção cirúrgicas – cesarianas, sendo que na rede privada um total de 88 % de partos cesarianos e 46% na rede pública. Mas isso, não afirma que o parto natural, vaginal ou normal seja humanizado, uma vez que são realizadas algumas manobras que causam danos físicos e psicológicos também a mulher (GIL, 2014).

Para melhor elucidação dos fatos, trouxa alguns exemplos de violência, definições e procedimentos:

  • Negação: é qualquer negação de método no parto, uso necessário de medicamentos necessários, xingamentos e humilhações
  • Discriminação: forma de discriminar devido a raça, cor, origens étnica ou econômica, etária, doenças, gênero.
  • Violência de gênero: violência pelo único fato de ser mulher, estarem passando pelo processo do parto.
  • Negligencia: negação de atendimento, descaso para garantir a saúde e bem estra da mãe e do bebê.

Quanto algumas manobras e procedimentos que podem ou são considerados violência:

  • Episiotomia: Procedimento cirúrgico, que realiza uma corte na vulva, na entrada da vagina, com tesouras ou bisturi, as vezes sem utilização de anestésico ou sem necessidade, podendo causar lesões e traumas, incontinência urinaria e fecal.
  • Ponto do Marido: é o procedimento realizado após a episiotomia, o fechamento da vagina, conhecido como “ponto do marido”, que nada mais é que a diminuição do diâmetro vaginal com o único objetivo de satisfação sexual do homem (BENTO, 2006).
  • Manobra de Kristeller: A manobra de Kristeller foi criada em 1867, pelo alemão e médico Samuel Kristeller (CONITEC, 2016), com objetivo de pressionar o fundo uterino, sendo uma manobra de pressão sobre o útero da gestante, com as mãos, braços ou antebraço, com objetivo de encurta o trabalho de parto, ou seja, agilizar o período do parto de forma mais rápido, contudo essa manobra pode trazer grandes riscos (BARREIRO at. Al 2021).
  • Exame de toque exagerado: Toques vaginais para que os profissionais da saúde obtenham a informação referente a dilatação e espessura do colo uterino, bem como a posição da cabeça do feto na bacia da gestante (Downe et al,  2013). Contudo, exercido de maneira exacerbada em um espaço curto de tempo, por diversos profissionais, podem causar constrangimento a gestante é considerando violência (SOUZA, 2020).
  • Ocitocina e outras substâncias: A ocitocina é um componente hormonal inicial que aumenta as contrações ao logo da gestação (OLIVEIRA ET AL, 2017), mas é modificado em laboratório para aceleração do parto (NUCCI, NAKARO, TEIXEIRA, 2018), o uso sem o consentimento da gestante ou podendo causar algum dano a gestante ou ao bebê é considerado uma inviolabilidade.
  • Amniotomia: é a ruptura da parte artificial das membranas ovolares, por meio de instrumentos (Pinça de Kocker ou amniotomo) inseridos na cérvice por meio do toque vaginal, para aceleração da segunda fase do parto, quando o feto está saindo (TORRES, 2015).
  • Tricotomia: é a retirada ou raspagem dos pelos pubianos, que tem o objetivo de manter a higiene e evitar infecções, contudo sem evidencia de tais benefícios (SILVA, 2012).
  • Enema: é uma lavagem intestinal, também não tem benefícios comprovados, mas também utilizados com a justificativa de evitar infecções (SILVA, 2012).
  • Negação de posição, dietas, líquidos, anestesia entre outros desejos da gestante: Negação de mudança de posição, alimentos que não tragam riscos, ingestão de líquidos, restrição de acompanhantes, horários de visitas, negação de analgésicos ou anestesias, bem como demais procedimentos ou situações que tragam humilhação, tratamentos desumanos são considerados violência obstétrica.

A discussão sobre esses procedimentos e que muito deles não tem comprovação científica de benefícios, sendo ainda, que alguns desses procedimentos trazem riscos à saúde dos pacientes ou quando não trazem risco mas são realizados sem o consentimento da gestante, são considerados violência obstétrica.

Ao logo dos anos, desde da virada da década, observa-se que a organização estatal vem implantando alguns programas com objetivo de humanização do parto, bem como, o bem-estar e a saúde da mulher como do bebê (ZANADO, URIBE, NADAL, 2016).

No ano de 2003, criou-se a Lei nº 10.778 que requisitava que as autoridades de saúde informassem os casos que houvesse violência obstétrica contra a mulher, bem como violações de direitos, sendo que a inobservância dessas garantias e obrigações caracterizaria responsabilização, bem como sacões penais (GIL, 2014).

O termo violência obstétrica foi utilizado pela primeira vez na Venezuela em 2007, com um Lei Orgânica sobre “Direitos das Mulheres a uma Vida Livre de Violência”, e em 2010 o termo “obstetric violence” foi utilizado no meio acadêmico, o presidente da Sociedade de Obstetrícia e Ginecologia da Venezuela, em um editorial online (SILVA, SERRA 2017).

Em 2005, mais precisamente em 07 de abril, promulgou-se a Lei Federal n º 11.108. Lei do Acompanhante, que concedia a presença de um acompanhante as gestantes, durante o parto e pós-parto (GIL, 2014). Em 2014, Organização Mundial da Saúde, publicou uma declaração sobre violência hospitalar contra a mulher em seis idiomas com foco no assistencialismo e difusão do parto humanizado ou respeitoso, além de outras medidas (SILVA, SERRA 2017).

No ano de 2006, promulgou-se a Lei nº 11.340 (Lei Maria da Penha), contra a violência doméstica e familiar contra a mulher, contudo se limitava ao tema violência no âmbito doméstico e familiar, diferente de outros países latinos, uma vez que possuem leis especificas (SILVA SERRA 2017).

No ano de 2014, um projeto de Lei nº 7.633, foi protocolado e assinado com objetivo da humanização da assistência à mulher parturiente, direito ao parto, além de responsabilidade civil e criminal dos profissionais de saúde responsáveis pela violência, publicidade de cartazes nas instituições de saúde sobre o parto humanizado (GIL, 2014).

Ao passar do tema com a persecução do tema e a falta de regulamentação federal, criou-se legislações municipais sobre o tema como a legislação de Diadema em São Paulo Lei nº 3.363/2013, que visa medidas de informação e atenção obstétrica e neonatal, a Lei Ordinária Curitiba no Paraná nº 14.598/2015, e a Lei Ordinária nº 482.9/2019 de Santa Catarina.

Depois de uma denúncia de uma cigana que foi obrigada a realização de um parto normal no ano de 2014, com iniciativas governamentais, a Comissão Consultiva de Direitos Humanos e Minorias, realizaram audiência pública para discutirem a violência de gênero contra a mulher entre ela a violência obstétrica (GIL,2014).

Também com denúncias de Mulheres em todo o Brasil, nos anos de 2012 e 2013, a Comissão de Inquéritos da Violência Contra as Mulheres foi notificada. Instituído nesta época o Dossiê da Violência Obstétrica “Parirás com Dor”, que foi escrito a finalidade de apresentar o panorama do pais sobre a violência obstétrica e promoção de direitos sexuais e reprodutivos da mulher (GIL, 2014).

Mas mesmo com toda essa promoção e casos de violência contra a mulher, violação de seus direitos, como o da dignidade da pessoa humana como os seus direitos sexuais e reprodutivos, só em 2022 o Brasil resolveu tipificar a violência obstétrica que ainda está em tramitação.

O projeto de Lei tramita no Senado Federal para tipificar e responsabilizar a violência obstétrica, PL 2.082 de 2022. O texto altera o Código Penal definindo a violência obstétrica como crime e estabelece procedimentos de prevenção, a pena do crime de violência obstétrica prevê pena de 3 meses a 1 ano de detenção (SENADO, 2022).

 

Notas e referências

BARREIRO E. S. R. VIII MESTRADO EM ENFERMAGEM DE SAÚDE MATERNA E OBSTÉTRICA. 2021. Disponível em: file:///C:/Users/HP%20STREAM/Downloads/D2020_10004023001_21820001_2.pdf.

BENTO P. A. S. S., SANTOS R. S. Realização da episiotomia nos dias atuais à luz da produção científica: uma revisão. Escola Anna Nery. Revista de Enfermagem. 2006. Disponível em: cielo.br/j/ean/a/367RRVsXmLFwhp6DbyZBwrJ/?lang=pt#:~:text=Uma%20pesquisa%20colombiana%20mostrou%2C%20a,e%204.º%20graus%206%20.

CONITEC. Diretriz Nacional de Assistência ao Parto Normal. Relatório de Recomendação. 2016.

GIL S. T.  BREVE ANÁLISE SOBRE A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL. 2015. Disponível em: https://d1wqtxts1xzle7.cloudfront.net/51783472/Breve_analise_sobre_a_VO_no_Brasil_Suelen_Gil-with-cover-page v2.pdf?Expires=1668049826&Signature=I45NNMdc~Wk6e3~vd0bhfzkJHLEIF5Rpi91CxkKqrBHPKQHeJxoSnlPWFEnLQ2a1HoISZ7MUUiCOv50tv2Sw7~Q8B0aw9a2JIhzyOzZNo8s9ItM2xbn1pijLsmr79WdJX3tJMStEHL~SDYmJyFkzRFblSIwB7g1RQTpj6s7ePZrty1augqA5ZfMwaQN~hInkr7mT8Iwn8IIjJIzKyuQB5tZfDadf8cVkQPWMWu0OsxqmhTePKCtOxErV8jRNbGkWuzeuzRPhVYjyBVdrSj58fe41ce1DCw~jIKsmw71UqtG7zqlmqz9bDCYIbw4ty-pi4R1831mqEKwd3kJV7g__&Key-Pair-Id=APKAJLOHF5GGSLRBV4ZA. Acesso nov 2022.

Ministério da Saúde. 2022. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/noticias/2018/marco/ministerio-da-saude-fara-monitoramento-online-de-partos-cesareos-no-pais.

OLIVEIRA L. B., MATOS D. V., MATÃO E. L., MARTINS C. A. LACERAÇÃO PERINEAL ASSOCIADA AO USO DE OCITOCINA EXÓGENA. 2017. Disponível em: file:///C:/Users/46959232899/Downloads/23387-45380-1-PB.pdf.

Organização Mundial de Saúde (OMS).Violência obstétrica: um tema atual. 2019. Disponível em:https://www.tjrj.jus.br/web/portal-conhecimento/noticias/noticia/-/visualizar-conteudo/5736540/6748322.

PARIRÁS COM DOR. Parto do Princípio. Dossiê da Violência Obstétrica. Parirás com dor. Dossiê elaborado pela Rede Parto do Princípio para a CPMI da Violência Contra as Mulheres. 2012. Disponível em: https://www.senado.gov.br/comissoes/documentos/sscepi/doc%20vcm%20367.pdf.

PEREIRA J. S., SILVA J. C. O., BORGES N. A., RIBEIRO M. M. G.,  AUAREK L. J, SOUZA J. H. K. VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA: OFENSA À DIGNIDADEHUMANA. 2016. Disponível em: http://www.mastereditora.com.br/periodico/20160604_094136.pdf.

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SOUZA F. A. Plano de parto: aliado no empoderamento e segurança diante das violências obstétricas, plano de parto: aliado no empoderamento e segurança diante das violências obstétricas. 2019. Disponível em: http://dspace.sti.ufcg.edu.br:8080/xmlui/handle/riufcg/19278.

TORRES V. O. D.  ARACTERIZAÇÃO DO PERÍODO EXPULSIVO DOS PARTOS ASSISTIDOS COM ÊNFASE NA PRESENÇA DO ACOMPANHANTE, NOS MÉTODOS. 2015. Disponível em: Violência Obstétrica é Violência contra a mulher: mulheres em luta pela abolição da Violência Obstétrica. 1ª ed. São Paulo. Fórum de Mulheres do Espírito Santo, 2014. Disponível em: http://docs.wixstatic.com/ugd/2a51ae_a3a1de1e478b4a8c8127273673074191.pdf.

 

 

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