A VIOLÊNCIA OBSTÉTRICA NO BRASIL

23/05/2019

Recentemente, o Ministério da Saúde se manifestou no sentido de abolir de políticas públicas e normas o uso do termo “violência obstétrica”, justificando que tem ele conotação inadequada, não agrega valor e prejudica a busca do cuidado humanizado “no continuum gestação-parto-puerpério”.

A abolição do termo em documentos oficiais e políticas públicas, entretanto, não tem o condão de resolver o problema e nem tampouco afastar a incidência dessa abominável prática que, infelizmente, se tornou muito comum em nosso país.

A violência obstétrica, é verdade, constitui um problema que assola diversos países, tendo ganhado maior repercussão no Brasil há alguns anos, a partir de diversos levantamentos feitos por órgãos públicos (Ministério Público, Defensoria Pública etc), secundados por estatísticas coligidas por institutos, fundações e organizações não governamentais, dando conta do número assustador de mulheres que são vitimizadas por esta prática abominável.

A Organização Mundial de Saúde, por meio da declaração sobre “Prevenção e Eliminação de Abusos, Desrespeito e Maus-tratos durante o Parto em Instituições de Saúde”, em 2004, já alertava para o fato de que “no mundo inteiro, muitas mulheres sofrem abusos, desrespeito e maus-tratos durante o parto nas instituições de saúde. Tal tratamento não apenas viola os direitos das mulheres ao cuidado respeitoso, mas também ameaça o direito à vida, à saúde, à integridade física e a não-discriminação.”

Em regra, como já deixamos acentuado em artigo anterior, neste mesmo portal, a violência obstétrica consiste em todo ato praticado pelo médico, pela equipe do hospital, por um familiar ou acompanhante que ofensa, de forma verbal ou física, as mulheres gestantes, em trabalho de parto ou, ainda, no período do puerpério.

A violência obstétrica pode se manifestar de diversas formas, tais como tratar a gestante ou parturiente de forma agressiva; fazer graça ou recriminar a parturiente por qualquer comportamento como gritar, chorar, ter medo, vergonha ou dúvidas; fazer graça ou recriminar a mulher por qualquer característica ou ato físico como, por exemplo, obesidade, pêlos, estrias, evacuação e outros; tratar a mulher de forma inferior, dando-lhe comandos e nomes infantilizados e diminutivos, tratando-a como incapaz; fazer a gestante ou parturiente acreditar que precisa de uma cesariana quando esta não se faz necessária, utilizando de riscos imaginários ou hipotéticos não comprovados e sem a devida explicação dos riscos que alcançam ela e o bebê; impedir que a mulher seja acompanhada por alguém de sua preferência durante todo o trabalho de parto; submeter a mulher a procedimentos dolorosos, desnecessários ou humilhantes, como lavagem intestinal, raspagem de pelos pubianos, posição ginecológica com portas abertas, exame de toque por mais de um profissional; proceder a episiotomia quando esta não é realmente imprescindível; submeter a mulher e/ou bebê a procedimentos feitos exclusivamente para treinar estudantes; dentre outras.

Percebe-se, portanto, que a violência obstétrica pode se manifestar de várias formas, podendo ser considerada como toda ação ou omissão realizada por profissionais da saúde que, de maneira direta ou indireta, tanto no âmbito público como no privado, afete o corpo e os processos reprodutivos das mulheres, expressa em um trato desumanizado, em abuso de medicação ou em patologização dos processos naturais, podendo abranger, ainda, o processo de apropriação do corpo da mulher e dos processos reprodutivos.

Entretanto, a discussão que se estabelece no meio acadêmico, hoje em dia, é justamente acerca da criminalização da violência obstétrica, como forma de punir e, por conseqüência, prevenir, essa prática nefasta no Brasil.

A discussão é a seguinte: seria necessário criminalizar a violência obstétrica no Brasil?

Já nos posicionamos anteriormente no sentido positivo, justificando a nossa posição pela gravidade das condutas praticadas e a nocividade para a gestante e/ou bebê dos procedimentos que caracterizam a violência obstétrica.

Nesse sentido, já há países, como Argentina e Venezuela que tratam a violência obstétrica como crime. Na Argentina, a Lei Nacional 25.929, de 2004, chamada de “Lei do Parto Humanizado”. Também a Lei 26.485, de 2009. Na Venezuela, a “Ley Orgánica sobre el Derecho de las Mujeresa uma Vida Libre de Violência de 19.03.2007.”

No Brasil, longe de ser considerada conduta criminosa, a violência obstétrica vem tratada somente no âmbito administrativo, e, ainda assim, de maneira muito acanhada.

Vale mencionar que o novo Código de Ética Médica (Resolução CFM nº 2.217/2018), que entrou em vigor no dia 30 de abril de 2019, nada dispõe acerca da violência obstétrica,estabelecendo, muito genericamente, no Capítulo IV (Direitos Humanos), art. 23, que é vedado ao médico “tratar o ser humano sem civilidade ou consideração, desrespeitar sua dignidade ou discriminá-lo de qualquer forma ou sob qualquer pretexto.” No art. 25 do referido código, ainda, vem disposta vedação ao médico de praticar e o seu dever de denunciar “procedimentos degradantes, desumanos ou cruéis” praticados em pacientes.

No âmbito legislativo, a Lei nº 11.108/05 garantiu às parturientes o direito à presença de acompanhante durante o trabalho de parto, parto e pós-parto imediato, no âmbito do Sistema Único de Saúde – SUS.

A criminalização da violência obstétrica, portanto, é uma opção bastante viável, se não de erradicação, ao menos de diminuição dessa perversa prática no Brasil, violadora dos direitos humanos,  mediante a severa punição dos profissionais que a praticarem e que com ela forem coniventes, por ação ou omissão.

 

 

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