A valoração dos bens ambientais na compensação ambiental – Por Mauricio Mota

10/05/2017

Os bens ambientais são originariamente destinados pela Constituição a todos em comum. Assim, concorrem a estes o empreendedor e todos os demais, que são utilizadores do mesmo direito difuso. Sobre a propriedade é reconhecida, como qualidade intrínseca, uma função social, fundada precisamente pelo princípio da destinação universal dos bens. O homem realiza-se através da sua inteligência e da sua liberdade e, ao fazê-lo, assume como objeto as coisas do mundo e delas se apropria. Neste seu agir, está o fundamento do direito à iniciativa e à propriedade individual. Mediante o seu trabalho, o homem empenha-se não só para proveito próprio, mas também para dos outros. O homem trabalha para acorrer às necessidades da sua família, da comunidade de que faz parte, e, em última instância, da humanidade inteira, colaborando, além disso, para o trabalho dos outros, numa cadeia de solidariedade que se alarga progressivamente.

A posse dos meios de produção, tanto no campo industrial como agrícola, é justa e legítima, se serve para um trabalho útil; pelo contrário, torna-se ilegítima, quando não é valorizada ou serve para impedir o trabalho dos outros, para obter um ganho que não provém da expansão global da riqueza social, mas antes da sua repressão, da ilícita exploração, da especulação, e da ruptura da solidariedade no mundo do trabalho. Semelhante propriedade não tem qualquer justificação, e não pode receber tutela jurídica. Portanto o direito de propriedade não é um absoluto formal, mas só se justifica se a ele é dado um uso social e na medida dessa justificação, mormente naquela classe de bens que não se destinam primordialmente ao mercado, como é o caso dos bens ambientais.

Nesse sentido, os bens ambientais são necessários ou úteis ao homem e não se oferecem, na natureza, em condições de uso e em quantidade bastante. A insuficiência gera a necessidade de se encontrar formas de apropriação e uso. A escassez dos bens lhes conferiu sentido econômico e exigiu técnicas jurídicas que ordenassem e disciplinassem a posição do homem, em face da coisa, e as relações entre os homens, a respeito dela. Assim, o direito de propriedade é um produto cultural, uma criação da inteligência, considerada adequada à organização da vida em sociedade, isto é, da vida social.

É na esteira deste raciocínio que se baseia a decisão do Supremo Tribunal Federal, que no percuciente voto do Ministro Relator Carlos Ayres Britto na ADI n.º 3.378, estabeleceu que o art. 36 da Lei n.º 9.985/00 – que instituiu a compensação ambiental para os empreendimentos que causem significativo impacto ambiental – densifica o princípio do usuário-pagador, este a significar um mecanismo de assunção da responsabilidade social partilhada pelos custos ambientais derivados da atividade econômica. Conforme se observou oportunamente, o STF entendeu que a compensação-compartilhamento não seria fixada discricionariamente pelos órgãos públicos ambientais, mas estaria quantificada objetivamente, de acordo com a compostura do impacto ambiental que vier a ser dimensionado estritamente nos dados técnicos do EPIA/RIMA.

O que significa essa partição de custos ambientais dentro do direito difuso de todos à higidez do meio ambiente e como interpretar essa decisão? A compensação-compartilhamento decorrente do princípio do usuário-pagador ocorre em função da existência, na espécie, de uma externalidade ambiental negativa. As externalidades negativas têm lugar quando a utilização do meio ambiente por um agente econômico tem resultados danosos para a atividade de um outro agente (no caso, os demais titulares do direito à higidez do meio ambiente), sem que haja um mecanismo de mercado de compensação financeira que obrigue o primeiro a indenizar os demais pelos danos sofridos. Como consequência, o primeiro agente tira proveito do meio ambiente, por exemplo, afetando um manguezal com o seu empreendimento, sem arcar com os custos engendrados por essa utilização. Nesse caso, os custos que correspondem aos danos que não podem ser evitados devem ser compensados à coletividade. Essa é a compreensão da compensação ambiental na dicção do Supremo Tribunal Federal.

Até a decisão do Supremo, os danos ambientais que não pudessem ser evitados através de medidas mitigadoras no processo de licenciamento ambiental restavam irresarcidos ou insuficientemente compensados através da precificação em 0,5% do valor do empreendimento, percentual arbitrário que não tinha conexão com o impacto causado. Isso ocorria devido à particular interpretação que se dava até então a esse bem de uso comum do povo. O caráter de bem público coletivo do meio ambiente advém do fato de que seu acesso é livre em razão da inexistência de direitos claros de propriedade e do fato de que seu "consumo" por um indivíduo não impede que ele também seja utilizado por outros. Aliás, os bens e serviços ambientais são frequentemente gratuitos. Não tendo um preço, esses bens e serviços não podem ser objeto de uma alocação ótima e acabam por ser superexplorados e degradados. No caso dos bens públicos coletivos, com essa compreensão, a ausência de um "sinal-preço" impede a internalização dos custos de utilização do meio ambiente nos cálculos dos agentes. Atribuir preços aos bens e serviços ambientais é, portanto, necessário para que os agentes possam internalizar seus custos em seus cálculos privados. Essa atribuição é também tarefa tomada pelos economistas, através da chamada "valoração econômica do meio ambiente".

Por isso a importância da decisão tomada, que inclui o custo na estrutura do direito difuso à higidez do meio ambiente. O problema, então, do princípio do usuário pagador, no que se refere não aos bens ambientais diretamente utilizados (como é o caso da compensação financeira pelo uso da água), mas sim àqueles indiretamente atingidos (pelo impacto ambiental), é a quantificação do seu valor, que é o valor do não uso.

Em abril de 2008, ocorre um fato que altera todo o cenário da compensação ambiental no Brasil: o STF julga o mérito da ação movida pela CNI. O Supremo afirma a constitucionalidade da cobrança da compensação ambiental, mas diz que o valor da compensação ambiental deve ser proporcional ao dano causado pela obra e que, portanto, o valor mínimo de 0,5% do custo do empreendimento é inconstitucional.

As equipes técnicas do ICMBio e do MMA chegaram a propor uma metodologia capaz de gerar um valor de compensação proporcional ao dano causado pelo empreendimento, com base no custo por hectare de implantação e gestão de uma unidade de conservação. A proposta, entretanto, não foi aceita pela direção do MMA. A discussão, contrariando a decisão do STF, continuou girando em torno do teto da compensação.

Em maio de 2009, o MMA capitula: o Presidente assina o Decreto nº 6.848, que estabelece a metodologia de cálculo da compensação. O valor máximo de cobrança é fixado em 0,5% do custo do empreendimento. O que era mínimo virou máximo.

Do custo total do empreendimento, além das exclusões da Resolução CONAMA 371, de 2006, que o Decreto reproduz, são excluídos também “os encargos e custos incidentes sobre o financiamento do empreendimento, inclusive os relativos às garantias, e os custos com apólices e prêmios de seguros pessoais e reais.” Acentua-se a vitória dos empreendimentos causadores de significativo impacto ao meio ambiente.

A drástica redução dos recursos advindos da compensação ambiental foi a maior perda do SNUC, desde sua promulgação em 2000. De 2000 a março de 2009, o IBAMA/ICMBio aplicou nas unidades de conservação federais 58 milhões de reais gerados pela compensação.

Estavam à disposição do ICMBio (embora não nas mãos do Instituto, porque o recurso, na verdade, continua de posse das empresas), mais 102 milhões. Aos estados e municípios haviam já sido destinados outros 33 milhões. Além disso, considerando os processos de licenciamento em andamento, cujo valor da compensação já havia sido acordado; os processos cuja definição do valor estava na dependência da decisão do Supremo sobre a ADI 3378; e processos parados pendentes de decisão judicial, havia a expectativa de um aporte de mais 388 milhões. Como se pode ver, um volume de recursos expressivo para a consolidação e manutenção do sistema de unidades de conservação.

A Procuradoria Geral da República entrou no Supremo Tribunal Federal com a Reclamação (RCL) 17364, ajuizada pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o artigo 2º do Decreto 6.848/2009, da Presidência da República, que regulamenta a compensação ambiental prevista no artigo 36 da Lei 9.985/2000.

Na reclamação, o procurador-geral afirmou que a União estabeleceu, no decreto, uma fórmula abstrata para o cálculo da compensação ambiental contida no artigo 36 da Lei 9.985/2000, prevendo um percentual máximo de impacto ambiental a ser considerado, o que ofenderia a decisão do STF no julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade (ADI) 3378. Nessa ADI, a Corte determinou que o montante a ser pago a título de compensação ambiental deveria ser fixado de forma proporcional ao impacto do empreendimento. Com isso, foi declarada inconstitucional expressão do parágrafo primeiro do artigo 36 da Lei 9.985/2000, que determinava que o montante de recursos destinado pelo empreendedor a título de compensação não poderia “ser inferior a meio por cento dos custos totais previstos para a implantação do empreendimento”.

Para o procurador-geral, se o Supremo vedou a fixação de percentuais mínimos para a compensação, um percentual máximo também não poderia ser determinado, sob pena de vulnerar o meio ambiente no caso de empreendimento cujo impacto exija compensação superior.

No entanto, em 24 de março de 2014 o ministro Luís Roberto Barroso, do Supremo Tribunal Federal (STF), negou seguimento (julgou inviável) à Reclamação (RCL) 17364 com o argumento de que “a procedência de reclamações constitucionais exige a existência de uma relação de estrita identidade entre o ato impugnado e o parâmetro de controle”.

Assim, o Ministro Barroso observou que, no julgamento da ADI 3378, o Supremo determinou que seria “descabida a fixação a priori de percentuais mínimos” a serem pagos a título de compensação ambiental: “Deste modo, somente se poderia cogitar de desrespeito à autoridade do acórdão proferido na ADI 3378 caso o ato impugnado houvesse fixado, a priori, percentual mínimo de compensação ambiental, o que não ocorreu”.

Barroso ressaltou ainda que a tese do procurador-geral “parece pressupor a aplicação da teoria da transcendência dos motivos determinantes”, mas, de acordo com o ministro, a decisão na ADI 3378 não permite concluir que a fixação de percentuais máximos para a compensação ambiental seria uma regra inconstitucional.

Por fim, o relator acrescentou que a reclamação contesta percentual de cálculo que faz parte de uma variável denominada “grau de impacto nos ecossistemas”. Assim, afirmou ele: “o ato impugnado, portanto, ao contrário do que sustenta o requerente, fixou uma fórmula baseada no impacto ambiental, o que se amolda às razões de decidir acolhidas no acórdão da ADI 3378”.

No entanto, essa é uma discussão não encerrada que agora retorna ao Congresso Nacional e ao uso da competência extraordinária que lhe confere o art. 49, V, da Constituição da República e que lhe permite ‘sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar”:

Art. 49. É da competência exclusiva do Congresso Nacional:

V - sustar os atos normativos do Poder Executivo que exorbitem do poder regulamentar ou dos limites de delegação legislativa.

Se o Congresso Nacional vier a entender que a edição do Decreto n 6848 de 2009 realmente exorbitou o previsto no art. 36, parágrafo único da Lei nº. 9.985/2000, com a interpretação que lhe deu o Supremo Tribunal Federal na ADI 3378, como é o óbvio, deverá sustar tal fixação de percentual máximo da compensação ambiental e determinar que a União é livre para estabelecer tal percentual de obrigação econômica em função do impacto ambiental causado pelo empreendimento. Por isso se justifica ainda a presente controvérsia e a fixação de parâmetros para a devida valoração dos bens ambientais. Como veremos a seguir.

Na área ambiental, a compensação do dano não deve se limitar ao valor patrimonial do meio ambiente afetado, mas deve compreender também a estimativa do valor dos serviços que o patrimônio atingido estaria produzindo ou proporcionando à comunidade, a teor análogo ao do art. 944 do Código Civil, que dispõe que a indenização mede-se pela extensão do dano, na perspectiva do desenvolvimento sustentável.

Há que se pensar a ideia de sustentabilidade no âmbito de uma Economia Ecológica[1]. A sustentabilidade assim concebida pode ser definida como a relação entre sistemas econômicos dinâmicos e sistemas ecológicos dinâmicos, orientada pelos seguintes requisitos: a) que a vida humana possa continuar indefinidamente; b) que o ser humano possa crescer; c) que as culturas humanas possam se desenvolver; e d) desde que os efeitos das atividades humanas permaneçam dentro de limites que impeçam a destruição da diversidade e da complexidade do contexto ambiental[2]. Isso traz a discussão para o âmbito da teoria do valor, ou seja, o de se saber qual a medida de valor aceitável para se quantificar economicamente os fenômenos ecológicos, ou seja, qual o custo do direito ao meio ambiente hígido. Em economia, a discussão sobre o fundamento do valor é secular[3] e não cabe abordá-la nos limites estreitos desse texto. Interessa-nos apenas, para a determinação dos custos do direito, o valor econômico dos recursos ambientais que tem origem em seus atributos, estejam associados ou não a um valor de uso. Consoante Tolmasquim[4], o valor econômico total de um recurso ambiental (VERA) é o valor que deriva de seus atributos, com a peculiaridade de que esses atributos podem estar ou não associados a um uso. Ele apresenta a seguinte composição:

VERA = (VUD + VUI + VO) + VE

Sendo:

VU = VUD + VUI + VO

VU = valor de uso

VUD = valor de uso direto

VUI = valor de uso indireto

VO = valor de opção

VE = valor de existência

Consoante Luiz Henrique Lima[5], o valor de uso de um bem ambiental é aquele atribuído pelos indivíduos que realmente o utilizam ou usufruem. Esse bem pode ser de uso direto, como um produto que possa ser consumido diretamente (alimentos, biomassa), ou serem diretos os benefícios que esse bem possa proporcionar (a produtividade de um rebanho). O valor de uso indireto corresponde aos benefícios funcionais que o bem produz ou às funções ecológicas que desempenha (controle de enchentes), produzindo algum efeito positivo sobre outros recursos.

O valor de opção de um bem ambiental é aquele atribuído pelos indivíduos que, sem utilizá-lo no presente, pretendem conservá-lo para potencial uso futuro, tanto para si mesmos, como para as futuras gerações. Como exemplo, pode-se citar o valor atribuído à Antártida ou à Amazônia por muitos que jamais irão utilizá-las diretamente. O conceito de valor de quase-opção também é mencionado pelo Banco Mundial que o explica como sendo o que decorre da possibilidade de que algo que hoje não aparente ter um valor significativo possa vir a tê-lo no futuro, em virtude de novas informações ou descobertas científicas. Já o valor de existência de um bem ambiental é aquele atribuído pelos indivíduos independentemente de seu uso atual ou futuro. Há vários motivos que o explicam, desde o desejo de ofertar o meio ambiente para as gerações futuras, até a simpatia por espécies ou animais, fundamentada no sentimento ético de direito à existência dos não humanos. Encontram-se nesse caso os valores atribuídos à preservação de ursos pandas ou baleias. O conceito de valor de existência representa uma “ponte” que liga economistas a ecologistas. A cada parcela componente do valor econômico total correspondem uma ou várias técnicas de valoração. De acordo com Cláudio Elias Carvalho[6], são os seguintes os métodos mais comuns de valoração dos bens ambientais, divididos em métodos da função de produção[7] e métodos da função de demanda[8]:

a) Produtividade Marginal

O método da produtividade marginal é baseado em uma abordagem que mensura alterações na produtividade de um sistema natural ou processo produtivo resultante de mudanças nas condições ambientais. Os preços de mercado ofertados podem ser usados para valorar essas alterações. Esta abordagem é útil para valorar impactos ambientais que afetam, por exemplo, a produtividade pesqueira, agrícola ou de florestas.

As alterações de produtividade podem resultar da degradação de entradas da produção ou danos às saídas. Por exemplo, um sistema de produção industrial pode ser afetado pelo decréscimo na qualidade de entradas ambientais como a água em uma planta termelétrica que, dependendo do seu teor salino, pode acelerar o processo de corrosão.

Um importante requisito nesta abordagem é identificar cuidadosamente os “com e sem” efeitos na produtividade. Este termo não significa “antes e depois”. A magnitude das mudanças é encontrada pela comparação na linha de tempo de saídas que ocorreriam com e sem os efeitos ambientais de uma atividade. Assim, somente as alterações na produtividade diretamente atribuídas à atividade são relevantes.

O método da produtividade marginal pressupõe que um produto (P) varia em decorrência da quantidade de um recurso ambiental (R), sendo que o conjunto dos demais insumos formados por bens e serviços privados é uma constante. Ou seja, há uma relação de dose-resposta entre a variação na quantidade de R e a variação no produto P. A utilização do método da produtividade marginal implica na necessidade de se estabelecer a função dose-resposta entre a variação da quantidade/qualidade do recurso ambiental utilizado para produzir um produto (P) e a variação da quantidade de P produzida. Podemos dizer que o valor econômico do recurso ambiental (R) corresponde à variação no valor total obtido com P, face as variações em sua produção provocadas pelas variações (qualidade/quantidade) de R. Neste método, o preço do produto P é conhecido e tem um valor de mercado.

VER = PrP . δP/ δR

Sendo:

VER = valor econômico do recurso natural;

PrP = preço do produto P;

δP/ δR = variação do produto P face à variação na quantidade de R.

b) Custo de Reposição/Reparação

A abordagem dos custos de reposição ou reparação usa as despesas incrementais na reposição, manutenção ou reparação de um bem físico como medida do dano ambiental. O custo deve ser o resultado de alguns tipos de impactos distintos dos custos de reposição e reparação que normalmente ocorreriam, dadas as condições ambientais do caso base. Esta abordagem se apóia na hipótese de que o custo de reposição/reparação é, no mínimo, tão alto quanto o valor do bem que é afetado.

No entanto, esta abordagem é aplicável somente nos casos em que a magnitude dos danos pode ser mensurada e em que o custo de reposição pode ser estimado. Alguns exemplos de aplicação seriam os custos de reflorestamento em áreas desmatadas para garantir o nível de produção madeireira ou então os de reposição de fertilizantes em solos degradados para garantir o nível de produtividade agrícola.

Esta metodologia é similar aos custos de prevenção/mitigação, exceto que os custos de reposição não se referem a uma metodologia subjetiva dos danos em potencial. De preferência, revelam o verdadeiro custo de reposição se o dano estiver ocorrendo.

Para uma análise das despesas de reposição, deve estar implícito que: a) a magnitude do dano deve ser mensurável; b) se os custos de reposição forem calculados e não forem maiores que o valor do bem produzido, que foi danificado, é economicamente eficiente fazer a reposição; e c) não existem benefícios secundários associados a despesas preventivas. Se os custos de medidas preventivas forem menores que os custos de reposição, adotam-se como medidas mais econômicas as medidas preventivas.

c) Custos de Re-Localização

Esta abordagem considera os custos de realocar uma atividade física que, em decorrência da mudança nas condições do meio ambiente, não pode mais operar efetivamente em sua localização original. Estes custos refletem o valor econômico do dano ambiental previsto ou, inversamente, os benefícios de prevenir o dano. Pode-se citar um exemplo na China, onde o governo decidiu realocar o ponto de entrada de água no rio responsável por abastecer a cidade de Shangai, a qual possui mais de 14 milhões de habitantes e enfrenta muitas dificuldades para garantir o abastecimento de água potável. O rio que abastece a cidade tem sido poluído por resíduos de indústrias, navios e por plantas de tratamento de esgoto da cidade. Para contornar este problema, existem algumas opções que podem ser consideradas: limpar-se a corrente de resíduos das plantas industriais e outras que descarregam nos rios; realocar-se a entrada de água, rio abaixo, para tirar vantagem da água limpa para o abastecimento; reduzir os custos de tratamento para obtenção da água potável; ou reduzir-se os riscos de (desastres) poluição das plantas industriais nos rios. Embora os custos de re-localização e os custos associados à poluição e de iniciativas de controle ambiental sejam muito altos, estes custos são considerados menores que os custos envolvidos com a limpeza da corrente de resíduos das plantas industriais. Este resultado mostra que é possível manter a entrada de água e reduzir os riscos de (desastres) poluição a um nível aceitável.

d) Despesas de Proteção

Esta abordagem valora os danos causados pela degradação ambiental de acordo com os custos que consumidores e/ou produtores estão dispostos a assumir para prevenir o dano (por exemplo, a poluição) ou para obter algum melhoramento de seu meio ambiente. Os indivíduos e produtores irão alocar recursos para evitar um impacto ambiental adverso somente se eles considerarem que os custos de prevenir o dano são menores ou igual ao próprio dano. Assim, a disposição em assumir os custos de evitar os danos resultantes da degradação do meio ambiente é tomada como uma indicação da disposição a pagar (DAP) pela proteção ambiental. A soma de todas as despesas de proteção produz uma estimativa do valor mínimo dos danos ambientais. Esta informação indica a magnitude dos benefícios de redução dos danos ambientais.

Assim, é necessário avaliar estas despesas. Por exemplo, na valoração do dano causado pelo ruído, assume-se que os indivíduos investem em equipamentos contra ruídos exteriores, através da instalação de vidros duplos nas janelas. Um indivíduo escolhe adquirir o dispositivo de proteção se o custo do isolamento acústico for menor que um certo nível de incômodo permitido pelo indivíduo, como visto na equação abaixo:

C < N.º - N.º’

Sendo:

C = custo de isolamento acústico;

N.º = avaliação subjetiva do incômodo causado pelo ruído, na ausência de isolamento acústico;

N.º’ = avaliação subjetiva do ruído após isolamento acústico.

Pela escolha na aquisição do equipamento de proteção, as vantagens do isolamento acústico serão superiores ao custo do equipamento. Logo, se aceita gastar pelo isolamento (C) até um certo nível, que é reproduzido pela equação abaixo:

ΔN – ΔN’ = ΔC

Sendo:

Δ = pequenas variações

Assume-se que o custo de isolamento acústico (C) representa a quantia gasta para se proteger de um incômodo.

Este método torna-se interessante por sua simplicidade, porém dele surgem algumas desvantagens. A despesa de proteção não é a única opção possível para se fugir do dano ambiental. Neste exemplo do incômodo provocado pelo ruído, pode-se escolher mudar de casa. O isolamento individual fornece apenas uma proteção limitada aos espaços interiores das habitações (não protege os incômodos causados no exterior). O método somente pode ser aplicado aos casos em que existem possibilidades de proteção individual (a proteção contra outras formas de poluição e deterioração do meio ambiente parece menos evidente).

e) Despesas de Prevenção/Mitigação

Esta metodologia analisa as atuais despesas que as pessoas têm na tentativa de evitar um dano ambiental (por exemplo, a poluição) ou outras atividades ofensivas ao bem-estar humano, para determinar a importância que o indivíduo atribui ao meio ambiente e aos impactos à saúde humana. Indiretamente, avalia as despesas para mitigar o dano ambiental. A essas despesas, denominam-se despesas de prevenção/mitigação.

Neste método, assume-se que as pessoas podem agir precipitadamente para se proteger dos danos e que as despesas com estes danos produzirão uma estimativa que reflete um valor mínimo do dano real. Um exemplo do uso deste método pode ser visualizado no estudo de caso dos aspectos qualitativos ambientais de projetos de agricultura. Se as técnicas alternativas de gerenciamento do solo preconizam que os fazendeiros devem se preparar para incorrer em custos relativos à construção de diques para desviar a água, para se prevenirem contra a erosão do solo e danos à agricultura, os benefícios relacionados às ações para aumentar a produtividade da agricultura devem ser calculados considerando os gastos com a construção de diques pelos fazendeiros. Portanto, o valor gasto pelos fazendeiros para se prevenirem contra a erosão do solo e as perdas com a agricultura deve ser no mínimo maior que os custos incorridos para a construção de diques.

f) Método do Valor de Propriedade ou de Preços Hedônicos

Esta abordagem (também chamada de preços hedônicos) busca mensurar os danos ou os benefícios de melhoramentos ambientais traçando os efeitos da qualidade ambiental nos preços da propriedade. Baseia-se no conceito econômico de que o valor de uma propriedade está diretamente relacionado ao valor presente dos benefícios esperados derivados daquela propriedade. O método tem sido aplicado a imóveis residenciais, mas também pode ser aplicado a terras e outros tipos de propriedades. Um requisito essencial para o método é que as pessoas usem a propriedade e por isso sejam afetadas, seja favoravelmente ou não, pelo ambiente circundante. O preço que as pessoas estão preparadas para pagar pela propriedade depende do conjunto de atributos que cada propriedade contém, tais como tamanho, número de quartos e material de construção. Um desses atributos é a qualidade ambiental. Considerando que todos os outros fatores permaneçam constantes, um melhoramento na qualidade ambiental levaria a um incremento no valor de propriedade para as propriedades afetadas. Na teoria, a disposição a pagar das pessoas por este valor adicional produz uma medida dos benefícios totais do melhoramento da qualidade no meio ambiente. De outra forma, sabe-se que distintas propriedades de mesmas características apresentam diferentes preços de mercado em função de seus atributos ambientais (acesso a um sítio natural, qualidade do ar, etc.). Portanto, as diferenças de preços das propriedades devido à diferença de nível dos atributos ambientais devem refletir a disposição a pagar por variações destes atributos, como por exemplo os benefícios por não ter poluição.

Este método capta valores de uso direto, indireto e de opção. Requer um levantamento de dados minuciosos, como informações sobre os atributos referentes à propriedade (tamanho, grau de conservação, benfeitorias, etc.), as facilidades de serviços (comerciais, transporte e educação), a qualidade do local (vizinhança, taxa de criminalidade, etc.), além dos ambientais, que influenciam o preço desta.

Assim, o método dos preços de propriedades é recomendável nos casos: a) em que existe alta correlação entre a variável ambiental e o preço da propriedade; b) em que é possível avaliar se todos os atributos que influenciam no preço de equilíbrio do mercado de propriedades podem ser captados; e c) em que as hipóteses adotadas para o cálculo do excedente do consumidor, com base nas medidas estimadas do preço marginal do atributo ambiental, podem ser realistas.

g) Método do Custo de Viagem (MCV)

Este método foi criado para medir os benefícios proporcionados pelos locais de recreação, especialmente os de livre acesso. Os usuários não pagam nada ou no máximo uma taxa nominal e, por isso, não há indicação direta da disposição a pagar pelos benefícios. O MCV mensura a disposição a pagar pelo acesso a um local derivando-se de uma curva de demanda. O método estima a demanda por um sítio natural com base na demanda de atividades recreacionais ou serviços ambientais que este sítio pode proporcionar. A curva da demanda destas atividades se baseia nos custos incorridos pelos usuários para acessá-lo. Representa, portanto, o custo de visitação a um sítio natural específico que pode ser considerado como a máxima disposição a pagar do usuário pelos serviços ambientais deste sítio. Podemos dizer, então, que o valor monetário agregado à recreação proporcionada por um recurso natural é estimado a partir de uma curva de demanda em função das atividades recreacionais do sítio natural. Assim, a premissa básica do método é que os custos incorridos à viagem ao sítio tem uma influência direta no número de visitas efetuadas.

O método do custo de viagem se apresenta como uma metodologia muito prática em locais onde há o controle do fluxo turístico, porém quando aplicada em países como o Brasil, onde não há o reconhecimento do potencial turístico de áreas naturais, localizadas fora de parques nacionais, estaduais ou municipais, pode-se tornar extremamente trabalhosa.

h) Método da Valoração Contingente (MVC)

O método de valoração contingente (MVC) procura mensurar monetariamente o impacto no nível de bem-estar dos indivíduos decorrente de uma variação quantitativa ou qualitativa dos bens ambientais. Esta abordagem baseia-se na premissa de que os consumidores podem e irão revelar sua real disposição a pagar por bens que não são de mercado dentro de um mercado hipotético. Uma das vantagens desse tipo de metodologia consiste justamente em produzir estimativas de valores que não poderiam ser obtidos por outros meios. Tais bens incluem, por exemplo, a preservação de espécies, estética ambiental, fenômenos históricos ou diversidade genética. Em comparação com outros métodos de mercado de bens complementares (preço hedônico e custo de viagem), não é necessário estimar uma curva de demanda de um benefício para se obter o valor monetário que está associado a este benefício proporcionado pelo bem ou serviço ambiental.

O interesse por este método tem crescido bastante ao longo da última década e, entre outros motivos, destaca-se o próprio aperfeiçoamento das pesquisas de opinião e, principalmente, o fato de ser a única técnica com potencial de captar o valor de existência. Por outro lado, a aplicação desta técnica não é trivial e também envolve custos elevados de pesquisa. Neste sentido, busca-se simular cenários, cujas características estejam o mais próximo possível das existentes no mundo real, de modo que as preferências reveladas nas pesquisas reflitam decisões que os agentes tomariam de fato, caso existisse um mercado para o bem ambiental descrito no cenário hipotético. As preferências, do ponto de vista da teoria econômica, devem ser expressas em valores monetários. Estes valores são obtidos através das informações adquiridas nas respostas relativas ao número de indivíduos que estariam dispostos a pagar para garantir a melhoria de bem-estar, ou o quanto estariam dispostos a aceitar em compensação para suportar uma perda de bem-estar. Finalmente, conforme apresentado, existem diversas técnicas de avaliar os impactos que podem ser aplicadas sob certas circunstâncias. A escolha do melhor método depende do bem a ser valorado, dos dados disponíveis e também dos objetivos propostos.

Toda essa metodologia de valoração econômica, não obstante, apresenta alguma forma de imprecisão no que pertine ao valor do meio ambiente e, consequentemente, dos custos do direito ao meio ambiente hígido.

Os métodos da função da produção captam bem os valores de uso (diretos e indiretos) dos recursos ambientais. Porém o método da produtividade marginal subestima o valor total dos recursos ambientais nos casos onde os valores de opção e existência são significativos. A utilização de mercados de bens substitutos quando há possibilidade de perfeita substituição permite a cobertura das parcelas do valor de opção, embora o valor de existência não possa ser captado já que se admite substituição.

Os métodos da função da demanda de mercado de bens complementares (método dos preços hedônicos e método do custo de viagem) captam os valores de uso direto, indireto e de opção, mas não o valor de existência[9].

O método do valor da propriedade ou dos preços hedônicos apresenta problemas de identificação da correlação de causa-efeito e é restritivo, ou seja, tem aplicação apenas nos casos em que os atributos ambientais possam ser capitalizados nos preços de residências ou imóveis.

O método do custo de viagem capta valores de uso direto e indireto, os quais estão associados a um determinado sítio natural. Ele procura determinar, normalmente a demanda por recreação de uma localidade, utilizando informações como o número de visitas por ano, a renda paga durante a visita, o preço dos bens, além de outras características socioeconômicas. O preço pago pelo visitante é constituído a partir da soma dos seus custos parciais, como por exemplo, o preço da entrada no parque, o custo de transporte até o local e o custo de oportunidade do tempo gasto na viagem. Então, o excedente do consumidor associado à curva de demanda se configura num valor estimado para a localidade de recreio analisada. Não considera, todavia, os valores de opção e existência daquelas pessoas que, apesar de atribuírem esses valores ao sítio em questão, não o frequentam.

O método de avaliação contingente ou do mercado hipotético nada mais é do que uma alternativa usada pelos analistas para “precificar” os bens não transacionados. O método de avaliação contingente se utiliza, na falta de um mercado comum, dos mercados contingentes ou de recorrência. Mercados contingentes são mercados criados hipoteticamente, elaborados a partir de suposições na intenção de se retirar do consumidor alguma idéia sobre o valor do bem em avaliação. Por exemplo, se quiséssemos saber o valor da qualidade do ar em determinada área, medida em termos monetários, poderíamos propor aos moradores desta área duas alternativas. A primeira, relativa a quanto pagariam para manter a qualidade do ar no padrão que estava (boa qualidade) ou a segunda, na qual a qualidade seria deteriorada pela implantação de uma fábrica. Utilizando tais suposições, o método de avaliação contingente está na verdade criando um mercado artificial para a qualidade do ar, sendo a sua metodologia basicamente o questionamento as pessoas sobre o quanto elas estariam dispostas a pagar ou receber por um determinado bem ou serviço.

O objetivo da valoração contingente é tornar perceptíveis as preferências dos consumidores através da revelação de sua disposição a pagar (DAP) pelo bem natural. O método estima o valor da disposição a pagar (DAP) com base em mercados hipotéticos. A simulação destes mercados é realizada através de pesquisas de campo, com questionários, que indagam a sua valoração contingente (VC) em face de alterações na disponibilidade de recursos ambientais.

A grande vantagem deste método, em relação aos demais, é a sua possibilidade de ser aplicado a um espectro de bens ambientais mais amplo, e de ser a única técnica com potencial de captar o valor de existência. Por outro lado, as críticas ao método envolvem a sua limitação em captar valores ambientais que indivíduos não entendam ou desconhecem, elevados custos de pesquisa e resultados enviesados caso certos procedimentos não sejam corretamente obedecidos.

Não obstante todas essas incertezas que decorrem, sobretudo, das ambiguidades da ideia de valor e, mais ainda, do valor dos bens ambientais, como bens públicos coletivos não precificados, a estimativa aproximativa ou mesmo equitativa não é estranha à ideia de Direito. Deve ser relembrada aqui a história da indenização por dano moral. Na França, onde primeiro se admitiu a indenização por dano moral, a jurisprudência hesitou muito a admitir que a perda de afeição – a dor moral que causa aos parentes próximos o desaparecimento de um ente querido –, pudesse dar abertura a uma ação de danos-interesses fundada no art. 1382 do Código Civil. As primeiras decisões que se pronunciaram nesse sentido subordinavam a aceitação da ação pelos tribunais à existência de uma obrigação alimentar entre a vítima e o demandante.

O leading case da nova orientação foi o pronunciado no caso Lejars c. Consorts Templier em 13 de fevereiro de 1923[10], no qual o Tribunal reconheceu que tendo sido o sr. Templier mortalmente ferido por um cavalo que pertencia ao sr. Lejars era devido aos três filhos e à filha de Templier uma indenização compreendendo, além do prejuízo material, a indenização do dano moral resultante da dor provocada nos menores pela morte de seu pai[11]. Posteriormente, a Corte de Cassação decidiu[12] que, ainda que o art. 1382 do Código Civil se aplicasse tanto ao dano moral quanto ao dano material, a ação de indenização, intentada à razão somente do prejuízo moral, deveria se fundar sobre um interesse de afeição nascido de um laço de parentesco ou de uma aliança que unisse a vítima do fato danoso àqueles que demandavam a reparação. Essa condição excluía a ação em reparação do prejuízo moral intentada pelos noivos[13]. Contraditoriamente, certas decisões de cortes civis reconheceram que proprietários de animais, em condições especiais, tinham direito à reparação do “prejuízo de ordem subjetiva e afetiva” que lhes causaram a morte dos animais[14].

Aos poucos uma evolução se desenha num senso mais favorável à reparação do prejuízo moral, como se deu nos seguintes casos: acatando-se a reparação do dano causado a uma pessoa pelo falecimento de seu noivo[15]; tratando-se a “mãe de fato” como “mãe de direito”[16]; reconhecendo-se o direito da esposa putativa aos danos-interesses, sem se limitar a justificar a solução pela não-retroatividade da nulidade[17]; e reparando-se o prejuízo moral sofrido por um pupilo em decorrência da morte de seu tutor[18]. Assim, os tribunais, em secular evolução, pelo desenvolver da jurisprudência foram determinando não só a extensão progressiva da indenização à totalidade dos casos de danos morais, mas também os parâmetros pelos quais estes poderiam ser estimados e avaliados.

Idêntica situação se apresentará agora na compensação ambiental na determinação da valoração dos bens ambientais através do princípio do usuário pagador. Caberá ao Poder Judiciário, paulatinamente, em cada caso, desenvolver um instrumental adequado de quantificação monetária do dano ambiental, tal como hoje existe para o dano moral. É sabido que estes parâmetros jamais poderão ser rígidos e inflexíveis, tais como não o são os parâmetros de quantificação do dano moral.

Não obstante, pela prática jurídica, é possível se estabelecer parâmetros de valoração que recebam a aceitação regular dos estamentos jurídicos e que, pela consensualidade, possam ser identificados como válidos nos Tribunais. Os conceitos jurídicos indeterminados são inerentes ao direito ambiental. A lei não é o instrumento adequado para fixar a compensação de um dano ambiental, visto que a proporcionalidade não pode jamais ser congelada pela norma. Sua aferição dar-se-á casuisticamente, de acordo com o caso concreto, sempre guardando uma pertinência lógica entre o impacto e a compensação, garantindo-se o contraditório e a ampla defesa.

A decisão do Supremo Tribunal Federal relativizou o poder discricionário dos órgãos ambientais, abrindo uma maior oportunidade para que o empreendedor interessado possa questionar os critérios adotados. Suprimidos os limites mínimos e máximos fixados pela norma, terá o empreendedor maior espaço para dialogar na escolha das medidas compensatórias da sua atividade, assim como, por outro lado, confere-se ao órgão ambiental a tarefa de decidir com base em critérios técnicos razoáveis e proporcionais. Na prática, a determinação do STF reforça a importância do Estudo Prévio de Impacto Ambiental/Relatório de Impacto Ambiental (EPIA/RIMA), uma vez que cabe ao órgão licenciador – municipal, estadual ou federal – definir o valor da compensação, de acordo com o impacto ambiental a ser dimensionado no EPIA/RIMA. Ainda segundo o STF, o órgão ambiental “não poderá, arbitrariamente, definir o valor (da compensação), uma vez que deverá agir sob o manto da legalidade, impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência. Deve, isto sim, fixar o quantum compensatório em estrita conformidade com os dados técnicos do EIA/RIMA”.

O consenso em torno da metodologia da valoração dos bens ambientais na aplicação em cada caso do princípio do usuário pagador se fará então, paulatinamente, (como na determinação do dano moral), sempre com o direito ao contraditório e à ampla defesa, através de uma interação dialética entre o Poder Público, os empreendedores e as organizações da sociedade civil, até que se possa estabelecer uma razoável unidade em torno dos parâmetros de valoração.

Concluindo, podemos dizer que o instituto da compensação ambiental correlacionado com o direito de propriedade deverá ser exercido em função do direito de toda a coletividade a um meio ambiente ecologicamente equilibrado. Este direito de propriedade só merecerá tutela jurídica enquanto funcionalizar esse direito difuso de todos.

A compensação ambiental decorreria, nesse aspecto, da desconformidade para com o fim econômico-social para o qual o direito de propriedade foi instituído. Através da noção de usuário-pagador, a compensação ambiental não se caracteriza, portanto, como uma punição, pois mesmo não existindo qualquer ilicitude no comportamento do pagador poderá ser implementada. Assim, para tornar obrigatório o pagamento pelo uso do recurso, pela sua poluição ou degradação não há necessidade de ser provado que o usuário e o poluidor estão cometendo faltas ou infrações.

Assim, a função precípua da compensação ambiental não é a reparação dos danos causados, “voltada para o passado”, própria da responsabilidade civil, mas a prevenção de danos grave e, por vezes, irreversíveis, orientada para o futuro. Deve-se entender, destarte, que a compreensão de que os recursos naturais são considerados bens livres e de acesso irrestrito por parte de todos acelera a escalada da degradação do meio ambiente, frente ao processo de utilização abusiva destes recursos. E, um dos fatores que contribuem para a escassez dos bens ambientais é a economia do desperdício, porque não há limitação monetária para a utilização dos recursos naturais e nem um sistema de regeneração dos mesmos. A função preventiva da valoração dos bens ambientais na compensação ambiental visa a alterar esse estado de coisas.


Notas e Referências:

[1] Na perspectiva da sustentabilidade ambiental, o tipo de processo econômico que importa é aquele que produz bens e serviços levando em conta simultaneamente todos os custos que lhes são inevitavelmente associados (conciliação/compromisso de crescimento econômico com manutenção de sistemas ecológicos). Todavia, na compreensão econômica clássica, tem-se em vista apenas a geração de benefícios pelas atividades produtivas. Os custos normalmente considerados são os internos a essas atividades, ou seja, os que dizem respeito à sua contabilidade interna (custos privados) – outros custos, como os da destruição de uma paisagem bonita ou da extinção de uma espécie, constituem externalidades que se excluem do cálculo econômico. Um olhar para as evidentes interconexões do sistema econômico com o ecológico, não isolando um do outro, permite perceber de que modo é possível chegar-se a um ambiente (sustentável) onde a vida não se veja ameaçada de extinção (nem considerada como uma externalidade). Esta é a tarefa para uma proposta de campo de pesquisa ainda em construção, muitas vezes considerada utópica, que se convencionou chamar de economia ecológica.

A tarefa de uma ciência da economia de fundamentos ecológicos que vê o sistema econômico como um subsistema de um sistema maior que o contém, impondo uma restrição absoluta à sua expansão. Capital (K) e recursos naturais (RN) são, neste caso, essencialmente complementares. O progresso tecnológico é visto como fundamental para aumentar a eficiência na utilização dos recursos naturais em geral (renováveis e não renováveis) e, nesse aspecto, esta corrente partilha com a primeira a convicção de que é possível instituir uma estrutura regulatória baseada em incentivos econômicos capaz de aumentar esta eficiência.

A questão central para esta corrente de análise é, neste sentido, como fazer com que a economia funcione considerando a existência dos limites dos recursos naturais. O mecanismo de ajuste proposto pelo esquema analítico neoclássico desconsidera, por definição, a existência destes limites, supondo a possibilidade de substituição ilimitada dos recursos que se tornam escassos por recursos abundantes.

No caso dos bens ambientais disponíveis no mercado, a abordagem neoclássica pressupõe que a escassez crescente de um determinado bem eleva seu preço, o que induz a introdução de inovações (tecnologia) que permitem poupá-lo, substituindo-o por outros recursos mais abundantes cujos estoques são, via de regra, conhecidos. Os preços refletem a disponibilidade de cada recurso independentemente do estoque total de recursos, o que impede que eles possam servir para sinalizar um processo de extração ótima do ponto de vista da sustentabilidade.

No caso dos serviços ambientais não transacionados no mercado devido sua natureza de bens públicos, o mecanismo de ajuste proposto não leva em conta princípios ecológicos fundamentais para garantir a sustentabilidade, na medida em que este mecanismo é baseado no cálculo de custo e benefício feito pelos agentes econômicos visando a alocação de recursos entre investimentos, por exemplo, em controle da poluição e pagamentos de taxas por poluir de modo a minimizar o custo total. O cálculo das taxas, por sua vez, será baseado num conjunto de metodologias de valoração econômica que mensuram direta ou indiretamente a disposição a pagar dos indivíduos por bens e serviços ambientais.

A economia ecológica, ao revés, enfrenta o fato de que os recursos naturais são escassos e constituem um direito de todos e propõe a sua valoração holística, internalizando as externalidades pelos custos sociais ou coletivos que elas acarretam.

[2] LIMA, Luiz Henrique. Controle do patrimônio ambiental brasileiro: a contabilidade como condição para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001, p. 140.

[3] Para uma análise percuciente dessa questão, ver: DOBB, Maurice. Teorias do valor e distribuição desde Adam Smith. Lisboa: Presença, 1976.

[4] TOLMASQUIM, Mauricio T. Metodologias de valoração econômica do meio ambiente. Rio de Janeiro: Coppe/UFRJ – PPE, 1999.

[5] LIMA, Luiz Henrique. Controle do patrimônio ambiental brasileiro: a contabilidade como condição para o desenvolvimento sustentável. Rio de Janeiro: EdUERJ, 2001, p. 161.

[6] CARVALHO, Cláudio Elias. Desenvolvimento de procedimentos e métodos para mensuração e incorporação das externalidades em projetos de energia elétrica: uma aplicação às linhas de transmissão aéreas. Tese de Doutorado. São Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo , 2005, p. 64-73.

[7] Métodos da função da produção - são esses os métodos da produtividade marginal e de mercados de bens substitutos (custo de reposição/reparação, custos de re-localização, despesas de proteção, despesas de proteção/mitigação). Se o recurso ambiental é um insumo ou um substituto de um bem ou serviço privado, estes métodos utilizam-se de preços de mercado deste bem ou serviço privado para estimar o valor econômico do recurso ambiental.

[8] Métodos da função da demanda - métodos de mercado de bens complementares (preços hedônicos e do custo de viagem) e método  da valoração contingente.

Estes métodos assumem que a variação da disponibilidade do recurso ambiental altera a disposição a pagar ou aceitar dos agentes econômicos em relação aquele recurso ou seu bem privado complementar. Estimam diretamente os valores econômicos (preços-sombra) com base em funções de demanda para estes recursos derivadas de (i) mercados de bens ou serviços privados complementares ao recurso ambiental ou (ii) mercados hipotéticos.

[9] MOTTA, Ronaldo Seroa da. Economia ambiental. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006, p. 23-25.

[10] CAPITANT, Henri (Coord.). Les grands arrêts de la jurisprudence civile. 6. ed. Paris: Dalloz, 1973, p. 389 (Civ. rej. 13 févr. 1923, D, P. 1923.1.52, note de M. Lalou, S. 1926.1.325).

[11] CAPITANT, Henri (Coord.). Les grands arrêts de la jurisprudence civile. 6. ed. Paris: Dalloz, 1973, p. 389.

[12] CAPITANT, Henri (Coord.). Les grands arrêts de la jurisprudence civile. 6. ed. Paris: Dalloz, 1973, p. 390 (Req. 2 févr. 1931, D.P. 1931.1.38, rapport du conseiller Pilon, S. 1931.1.123).

[13] CAPITANT, Henri (Coord.). Les grands arrêts de la jurisprudence civile. 6. ed. Paris: Dalloz, 1973, p. 390 (Civ. 19 oct. 1943, D.C. 1944.14, note Lalou, S. 1945.1.1, note Chartrou, J.C.P. 1945.II.2893, note Rodière; mais V. en sens contraire: Rouen, 9 juill. 1952, D. 1953.13; Crim. 5 janv. 1956, D.1956.216, J.C.P. 1956.II.9146; Nimes, 20 avril 1961, Rec. Gaz. Pal. 1961.2.202).

[14] CAPITANT, Henri (Coord.). Les grands arrêts de la jurisprudence civile. 6. ed. Paris: Dalloz, 1973, p. 390 (Cour de Cassation, 1ere, sect. civ. 16 janvier 1962, D. 1962. 199, note Rodière, J.C.P. 1962.II.12557; Comp. Trib. gr. inst. Caen, 30 oct. 1962, D. 1963.92, J.C.P. 1962.II. 12954, acordando a reparação da dor causada pela morte de um cachorro; mas v. Trib. corr. Le Mans, 14 oct. 1966, Rec. Gaz. Pal. 1967,1.29, recusando a reparar a aflição causada pela degradação de um automóvel).

[15] CAPITANT, Henri (Coord.). Les grands arrêts de la jurisprudence civile. 6. ed. Paris: Dalloz, 1973, p. 390 (Crim. 2 févr. 1952, J.C.P. 1953.II. 7354).

[16] CAPITANT, Henri (Coord.). Les grands arrêts de la jurisprudence civile. 6. ed. Paris: Dalloz, 1973, p. 391 (Crim. 30 janv. 1958, Rec. Gaz. Pal. 1958.1.367).

[17] CAPITANT, Henri (Coord.). Les grands arrêts de la jurisprudence civile. 6. ed. Paris: Dalloz, 1973, p. 391 (Crim. 6 mars 1958, Rec. Gaz. Pal. 1958.2.72).

[18] CAPITANT, Henri (Coord.). Les grands arrêts de la jurisprudence civile. 6. ed. Paris: Dalloz, 1973, p. 391 (Civ. 2e sect. civ. 20 janv. 1967 Bull. civ. 1967, II, n 30; Rev. trim. dr. civ. 1967.815).

CAPITANT, Henri (Coord.). Les grands arrêts de la jurisprudence civile. 6. ed. Paris: Dalloz, 1973.

CARVALHO, Cláudio Elias. Desenvolvimento de procedimentos e métodos para mensuração e incorporação das externalidades em projetos de energia elétrica: uma aplicação às linhas de transmissão aéreas. Tese de Doutorado. São Paulo: Escola Politécnica da Universidade de São Paulo, 2005.

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MOTTA, Ronaldo Seroa da. Economia ambiental. Rio de Janeiro: Fundação Getúlio Vargas, 2006.

TOLMASQUIM, Mauricio T. Metodologias de valoração econômica do meio ambiente. Rio de Janeiro: Coppe/UFRJ – PPE, 1999..


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