A TRÍPLICE RESPONSABILIZAÇÃO DO AGENTE NA NOVA LEI DE ABUSO DE AUTORIDADE

12/09/2019

Sancionada pelo Presidente da República no último dia 05 de setembro, a Lei nº 13.869/19, alcunhada Nova Lei de Abuso de Autoridade, revogou expressamente a Lei nº 4.898/65, que regulava o direito de representação e o processo de responsabilidade administrativa, civil e penal, contra as autoridades que, no exercício de suas funções, cometessem abusos.

A nova lei teve 19 vetos e ainda previu um período de “vacatio legis” de 120 dias.

A lei anterior já estabelecia a tríplice responsabilização da autoridade que cometesse abuso, prevendo sanções administrativas, civis e penais.

A sistemática de criminalização da lei anterior, entretanto, era diversa, trazendo as condutas caracterizadoras do abuso de autoridade em dois artigos (3º e 4º) separadas das sanções administrativas, civis e penais, previstas em outro dispositivo (art. 6º).

Na nova lei, as sanções de natureza civil e administrativa vieram trazidas no Capítulo V, sendo certo que as sanções penais são as constantes do preceito secundário das normas incriminadoras, todas consistentes em pena privativa de liberdade de detenção e multa.

O art. 6º da nova lei dispõe expressamente que “as penas previstas nesta Lei serão aplicadas independentemente das sanções de natureza civil ou administrativa cabíveis”, deixando clara a autonomia de cada espécie de sanção e a possibilidade de aplicação cumulativa ao mesmo fato caracterizador do abuso de autoridade.

O parágrafo único do art. 6º traz novidade, consistente na obrigatoriedade de serem as notícias de crimes previstos na lei, que descreverem falta funcional, informadas à autoridade competente com vistas à apuração, ou seja, para a instauração da competente investigação administrativa, que poderá consistir em mera sindicância ou em processo administrativo disciplinar, a depender da densidade da narrativa dos fatos e das provas que eventualmente a acompanharem.

No art. 7º, a nova lei estabeleceu que “as responsabilidades civil e administrativa são independentes da criminal, não se podendo mais questionar sobre a existência ou a autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas no juízo criminal.”

Essa regra trazida pelo art. 7º muito se assemelha à regra do art. 935 do Código Civil, que diz: “A responsabilidade civil é independente da criminal, não se podendo questionar mais sobre a existência do fato, ou sobre quem seja o seu autor, quando estas questões se acharem decididas no juízo criminal.”

Nesse diapasão, a norma consagra, de um lado, a independência entre a jurisdição civil, administrativa e penal; de outro, dispõe que não se pode questionar mais sobre a existência ou autoria do fato quando essas questões tenham sido decididas no juízo criminal. Essa relativização da independência de jurisdições se justifica pelo fato de o direito penal incorporar exigência probatória mais rígida para a solução das controvérsias, sobretudo em decorrência do princípio da presunção de inocência.

Nada impede, portanto, que a vítima do abuso de autoridade apresente a notícia do crime junto à polícia judiciária ou ao Ministério Público, para a respectiva persecução criminal e, paralelamente, represente administrativamente contra o agente público perante a autoridade competente. Com relação à responsabilidade civil, se resume a indenização por eventuais danos causados, inclusive morais, a serem buscados, por meio de advogado, na esfera respectiva.

Nesse caso específico da indenização civil, poderá a vítima do abuso de autoridade ingressar em juízo com a correspondente ação civil “ex delicto” ou, se preferir, poderá aguardar o trânsito em julgado da sentença penal condenatória e promover a execução “ex delito”, oportunidade em que, já estabelecido o “an debeatur”, restará apenas a liquidação do “quantum debeatur”.

A sentença penal é condenatória em relação ao crime de abuso de autoridade e declaratória em relação à indenização civil, uma vez que nela não há mandamento expresso de o réu reparar o dano resultante do crime. Entretanto, a sentença penal condenatória é título executivo no cível, não havendo mais a necessidade do interessado comprovar a materialidade, a autoria e a ilicitude do crime para obter a reparação civil.

Há que se ressaltar, outrossim, que o art. 4º, I, da nova lei estabelece como efeito da condenação “tornar certa a obrigação de indenizar o dano causado pelo crime, devendo o juiz, a requerimento do ofendido, fixar na sentença o valor mínimo para reparação dos danos causados pela infração, considerando os prejuízos por ele sofridos.”

Por fim, o art. 8º da nova lei dispõe que faz coisa julgada no âmbito cível, assim como no administrativo-disciplinar, a sentença penal que reconhecer ter sido o fato praticado em estado de necessidade, em legítima defesa, em estrito cumprimento de dever legal ou no exercício regular de direito.

Portanto, o reconhecimento, na sentença penal, de uma causa excludente de ilicitude, repercute na responsabilidade civil e administrativa, impedindo, em grande parte, o pleito de indenização, exceção feita às hipóteses de estado de necessidade agressivo.

 

Imagem Ilustrativa do Post: Scales of Justice - Frankfurt Version // Foto de: Michael Coghlan // Sem alterações

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