A transformação dos embargos infringentes em técnica de julgamento: necessidade de respostas

17/04/2018

Coluna O Novo Processo Civil Brasileiro / Coordenador Gilberto Bruschi

A polêmica técnica de julgamento prevista no CPC de 2015 extingue os embargos infringentes como recurso, mas os mantêm como procedimento inerente aos julgamentos, tanto na apelação quanto na ação rescisória e – novidade – no agravo de instrumento.

Para tanto, o importante é que em tais meios de impugnação se reforme decisão interlocutória ou final a respeito do mérito total ou parcial. Segundo dispõe o novo texto legal, previsto no art. 942 do CPC de 2015:

Art. 942.  Quando o resultado da apelação for não unânime, o julgamento terá prosseguimento em sessão a ser designada com a presença de outros julgadores, que serão convocados nos termos previamente definidos no regimento interno, em número suficiente para garantir a possibilidade de inversão do resultado inicial, assegurado às partes e a eventuais terceiros o direito de sustentar oralmente suas razões perante os novos julgadores.

  • 1o Sendo possível, o prosseguimento do julgamento dar-se-á na mesma sessão, colhendo-se os votos de outros julgadores que porventura componham o órgão colegiado.
  • 2o Os julgadores que já tiverem votado poderão rever seus votos por ocasião do prosseguimento do julgamento.
  • 3o A técnica de julgamento prevista neste artigo aplica-se, igualmente, ao julgamento não unânime proferido em:

I - ação rescisória, quando o resultado for a rescisão da sentença, devendo, nesse caso, seu prosseguimento ocorrer em órgão de maior composição previsto no regimento interno;

II - agravo de instrumento, quando houver reforma da decisão que julgar parcialmente o mérito.

  • 4o Não se aplica o disposto neste artigo ao julgamento:

I - do incidente de assunção de competência e ao de resolução de demandas repetitivas;

II - da remessa necessária;

III - não unânime proferido, nos tribunais, pelo plenário ou pela corte especial.

Dessa forma, no Novo CPC os embargos infringentes se tornam um incidente, tendo as suas hipóteses de incidência não apenas estendidas, mas também garantidas por determinação legal.

O novo texto deixa clara a intenção de manter, portanto, o procedimento correspondente aos embargos infringentes sem, contudo, resguardá-lo no sistema como um recurso. Perde-se um recurso, que é ônus da parte. Por outro lado, se ganha um incidente, uma técnica de complementação de julgamento cujo processamento se dá por determinação legal. 

O que se percebe é que o interesse havido na manutenção do procedimento correspondente aos infringentes – ainda que mediante a extinção do recurso – não é apenas das partes, mas também público.

Percebe-se que muitos dos julgamentos colegiados não recebem a atenção ideal, existindo o costume de acompanhar-se o relator sem maiores reflexões. Da mesma forma, a técnica possibilita a uniformização e a amplitude da discussão nos julgados não unânimes que reformam sentença de mérito.

Assim, além da transformação a respeito da natureza do procedimento – incidente ao invés de recurso – o novo texto acaba por proporcionar, também, uma extensão das hipóteses de cabimento desta técnica.

Isso porque o novo texto legal prevê que tal técnica de complementação de julgamento será aplicada igualmente, tanto às decisões colegiadas não unânimes em recurso de apelação quanto às decisões colegiadas não unânimes em ação rescisória e em recurso de agravo de instrumento que reformem decisão interlocutória de mérito, conceito esse melhor resolvido para o novo CPC. 

Portanto, seu cabimento está vinculado à reforma não unânime de todas as decisões que versam sobre mérito, exceto nos incidentes de assunção de competência e de resolução de demandas repetitivas, no julgamento da remessa necessária e nos casos em que, junto aos tribunais, o órgão que proferiu o julgamento não unânime for o plenário ou a corte especial, situações essas em que a manutenção dos votos divergentes é inerente à natureza dos julgamentos.

É possível perceber que o CPC de 2015 aumentou o espectro de possibilidades dos embargos de infringentes, mas com ganho na simplicidade procedimental. Notadamente, deixa-se de lado os debates entre os limites objetivos e subjetivos dos embargos infringentes, para privilegiar o julgamento com um colegiado maior, sempre que houver sinais de possível divergência.

Essa posição do CPC de 2015 está intimamente ligada às normas constitucionais atinentes ao processo, pois garante mais isonomia nos julgamentos (quanto mais magistrados participam de uma decisão, menores são as chances de que divergências jurisprudências se instalem em um Tribunal), sem prejuízo ao contraditório e ampla defesa, que estarão  assegurados com a possibilidade de nova sustentação oral diante dos juízes convocados.

Alguns tribunais desde já se organizam em Câmaras de cinco Desembargadores, a fim de que a mesma sustentação oral já possa ser aproveitada para as hipóteses de incidência da nova técnica, não sendo necessário agendar novo julgamento e nova sustentação oral.

Entretanto, esta não é a realidade de todos os tribunais brasileiros, como é o caso do Tribunal de Justiça de Santa Catarina, onde as Câmaras continuam a ser compostas por 3 ou 4 membros, conforme o caso.                

Parece-nos, de qualquer forma, que embora tenha ganhado força o jargão de que o número de incidentes e meios de impugnação contribua para a demora da prestação jurisdicional, trata-se de um instrumento qualitativo, que realmente merece continuar fazendo parte do sistema – mesmo tendo sido extinto o recurso – agora como técnica de julgamento.

A ressalva o CPC de 2015 efetua, entretanto, é em relação ao IRDR, à remessa necessária e aos julgamentos não unânimes dos tribunais plenos e das cortes especiais, para os quais realmente não faria sentido possibilitar-se o manejo do incidente, haja vista a divergência inerente a tais órgãos e seus julgamentos (CPC de 2015, art. 942 § 4º).

De qualquer forma, enquanto o incidente de extensão do julgamento colegiado não se perfectibilizar ainda haverá recurso a ser julgado. O julgamento não haverá terminado, portanto.

Daí também a aplicabilidade da técnica do art. 942 do CPC aos recursos interpostos em face de decisões proferidas em sede de mandado de segurança, nos termos do enunciado 62 das Jornadas de Processo Civil do Conselho da Justiça Federal.

Do fato de que o julgamento não terminou decorre, ainda, a lógica de que não apenas a matéria objeto da divergência, mas também todas as demais questões já decididas poderiam ser novamente discutidas por ocasião da continuação do julgamento, agora com o quórum estendido.

Trata-se, entretanto, de celeuma que tem assolado nossos tribunais, pois versa sobre a aplicabilidade da teoria dos capítulos de sentença ao julgamento estendido, bem como sobre a consequente preclusão a respeito dos temas já decididos por unanimidade, ainda que o julgamento não tenha terminado.

Muitos tribunais ainda não se aperceberam do risco à segurança jurídica e de tumulto processual que essa dúvida está a gerar. Outros, por sua vez, felizmente estão a regulamentar o tema, dada amplitude e a liberdade permitidos pelo legislador ordinário.

A esse respeito, inclusive, discutiu-se a proposição de enunciado n.º 11 nas I ªs Jornadas de Processo Civil do Conselho da Justiça Federal, no sentido de que apenas o capítulo objeto da divergência merece ser discutido por ocasião do julgamento estendido. Assim dizia a proposta de enunciado:

A técnica do julgamento ampliado (art. 942, CPC/2015) aplica-se apenas ao capítulo do julgamento em que houve divergência.

Parece-nos que a proposta de enunciado, embora não tenha logrado  aprovação,  o fazia com razão.

Afirmar que o fato de o julgamento estendido previsto pelo art. 942 do CPC de 2015 ser apenas a continuação do julgamento e, portanto, o mesmo julgamento, constitui obviedade por todos constatada. As consequências disto, no entanto, precisam se pautar pelos limites do sistema.   

O problema está, enfim, em respeitar o princípio do juiz natural ao definir os julgadores competentes; não criar tumulto no julgamento estendido e respeitar a diversidade dos capítulos de sentença sob julgamento. Isto porque a única hipótese em que nos parece clara a necessidade de julgamento dos demais capítulos também pelo quórum estendido é a de pedidos sucessivos, junto à qual a divergência foi no tocante ao pedido originário.

Ainda que o julgamento não tenha terminado, a proclamação do resultado em relação a capítulo não sucessivo da sentença provoca preclusão lógica e consumativa, pois só faz sentido permitir-se voltar atrás em capítulo de sentença ainda não julgado por unanimidade.

Isto porque a preclusão lógica trabalha com a ideia de que o julgador não muda de ideia sem fato novo. Só se muda de ideia em relação ao pedido recursal que ainda não foi julgado, pois cada capítulo da sentença se refere ao um pedido recursal. Pensar de forma diversa seria construir complexidade inútil.

Sob o prisma constitucional, não se pode envolver no calor da discussão e perder de vista o cerne da proteção teor do inc. XXXV do art. 5º da CF: o que importa é definir; não incentivar uma celeuma inútil e ainda por cima arriscada para o jurisdicionado.

Especialmente quando a extensão do julgamento ocorre na mesma sessão, conforme a posição de cada tribunal brasileiro, existe dificuldade para delimitar a divergência e esclarecer qual é o objeto de decisão do colegiado ampliado.

Em tal hipótese, caberá ao Desembargador Presidente da Câmara, a partir da posição de cada tribunal, antes de dar continuidade ao julgamento, estabelecer, com clareza, as questões sobre as quais haverá o julgamento dos demais integrantes do órgão colegiado ampliado, assim como caberá ao tribunal definir a competência para os embargos de declaração eventualmente opostos em face da decisão; a competência para o juízo rescindendo e para o juízo rescisório na extensão de colegialidade nas ações rescisórias, e assim por diante.

Com a preocupação de trazer luzes ao tema, o Desembargador Frederico Ricardo de Almeida Neves, do Tribunal de Justiça de Pernambuco, suscitou Incidente de Assunção de Competência, com base no art. 947 do CPC, nos autos da Ação Rescisória 0000849-31.2017.8.17.0000 (469197-0). Seu objetivo, com o referido IAC, parece ser exatamente o de provocar o exame de algumas das mais sensíveis dúvidas na aplicação do julgamento estendido.

Estão lançadas, portanto, as dúvidas centrais. O que se deseja é, enfim, que o processo de amadurecimento do tema pelos tribunais brasileiros nos traga as respostas, o mais breve possível. O mais importante não é acertar, mas sim convencionar, operatvamente, o caminho.

Gostou do artigo?

Adquira o novo livro do autor clicando aqui 

 

Imagem Ilustrativa do Post: It's the Law! // Foto de: Olaf Gradin // Sem alterações

Disponível em: https://www.flickr.com/photos/gradin/8584614

Licença de uso: http://creativecommons.org/licenses/by/4.0/legalcode

O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.

Sugestões de leitura