A Tragédia Anunciada

21/01/2017

Por César Barros Leal - 21/01/2017

O que lhes posso dizer, neste espaço esguio, sobre a questão penitenciária, recém alçada à ordem do dia e que está a desfrutar de seus quinze minutos de evidência, potencializada pela mídia, pelas redes sociais, antes que um novo fato, alheio a este universo, de enorme repercussão social, lhe roube os holofotes e a faça retornar ao lugar que sempre lhe coube no curso de décadas, imposto pela indiferença da sociedade e dos governantes?

Em sua miopia, em sua omissão, criaram um monstro de muitas cabeças e agora, em definitivo, não sabem o que fazer. Estão perdidos. Emerge uma pletora de propostas, algumas superficiais e/ou risíveis, outras sérias (como as audiências de custódia), mas incapazes de responderem à amplitude e complexidade de um problema que não se esgota entre as quatro paredes de uma instituição prisional nem tampouco nos limites de um direito penal populista, patibular, tão obsoleto quanto ineficaz. Na verdade, estamos pagando um preço muito alto por nossa incompetência num território de ninguém que nunca foi visto com atenção (muito ao revés), como se exige de uma temática indissociável da segurança pública.

O cenário brasileiro é o mesmo da grande maioria dos países latino-americanos, onde as prisões, saturadas, convivem com idênticos problemas: superlotação (a rainha dos males), excesso de presos provisórios, falta de separação, insuficiência quantitativa e qualitativa do pessoal, ociosidade, corrupção, violência, a que se soma o senhorio crescente das facções, cada vez mais desenvoltas, mais vorazes, guerreando entre si pelo poder.

É a metástase do mal, cuja anatomia se exibe de múltiplas formas, maiormente pelas vísceras expostas, pelos corpos mutilados, sem cabeça, pelo coração arrancado de quem sucumbe na barbárie dos massacres, crônicas de tragédias anunciadas, que se reiteram nas sucursais do inferno em que se converteram nossas masmorras, cemitérios de teorias, normativas e ilusões. Algo mais deve ser dito acerca desta vetusta história, banhada de erros, desacertos, desafios perseguidos e quase nunca alcançados: não é tarefa para amadores, para iniciantes, nem tampouco suas respostas (abomino o termo “soluções”) se acham facilmente à mão. Isso, a bem dizer, é incumbência para gerações, das quais se espera um avanço lento, progressivo, na direção de um sistema penitenciário mais humano.

Nunca esqueçamos de Leibniz: a natureza não dá saltos. Aquele que escreve (sobretudo) e muitos dos leitores dificilmente viverão este tempo, já presente em outras latitudes, onde o cárcere nada mais é do que a privação da liberdade. Trinta anos visitando prisões, em quatro continentes me autorizam a ser realista, embora sinta, nas entranhas de minha fé, que nunca perderei a capacidade de sonhar.


Publicado anteriormente no jornal O POVO, no dia 14/01/2017).


César Barros LealCésar Barros Leal é Procurador do Estado; Professor aposentado da Faculdade de Direito da Universidade Federal do Ceará; Especialista em Prevenção Criminal pelo UNAFEI, Tóquio, Japão; Mestre em Direito pela Universidade Federal do Ceará; Doutor em Direito pela Universidade Nacional Autônoma do México; Pós-doutor em Direito pela Universidade Federal de Santa Catarina; Pós-Doutor em Estudos Latino-americanos pela Faculdade de Ciências Políticas e Sociais da Universidade Nacional Autônoma do México; Presidente do Instituto Brasileiro de Direitos Humanos; Membro da Assembleia Geral do Instituto Interamericano de Direitos Humanos, de San José, Costa Rica; Presidente da Associação Cearense de Tradutores Públicos; Membro da Academia Cearense de Letras e da Academia de Ciências Sociais.


Imagem Ilustrativa do Post: jail // Foto de: 826 PARANORMAL // Com alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


 

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