A teoria do decrescimento de Latouche e sua influência na eficácia dos Direitos Sociais

13/08/2016

Por Camila Savaris Cornelius - 11/08/2016

Resumo

A globalização em constante evolução e a ideia de crescimento ilimitado trazido por ela, e instaurado como valor básico na sociedade, fez com que os direitos sociais conquistados pelo homem ao longo da história fossem perdendo sua importância e sendo substituídos pela ideia de que bem- estar social só poderia ser obtido diante da possibilidade de consumo. Diante disso, o presente artigo tem como tema o estudo da teoria do decrescimento e sua influência na eficácia dos direitos sociais. Para tanto, são objetivos específicos analisar a teoria do decrescimento e seus fundamentos, demonstrando, ao final, de que forma ela influencia na eficácia dos direitos sociais, por meio de um método indutivo, dedutivo, com as técnicas da pesquisa bibliográfica e do fichamento. Conclui-se que a teoria do decrescimento influencia indiretamente na eficácia dos direitos sociais caso fosse implantada na sociedade.

Introdução

Os direitos sociais foram uma grande conquista para a sociedade, sendo um marco que definiu a separação de um Estado não-interventor (liberal) para um Estado interventor social, caracterizado pela busca da igualdade e a concretização da dignidade humana para todas as classes da sociedade.

Ocorre que apesar de tais direitos serem fundamentais e, portanto de observância e concretização obrigatória pelo Estado, a globalização e o crescimento ilimitado trazido com ela geraram extremas mudanças no cenário atual, resultando em uma crise nos diversos setores da sociedade, sendo focado no presente artigo a crise diante da efetivação dos direitos sociais.

É a partir desse quadro e como forma de encontrar uma solução para tal problemática que o filósofo francês Serge Latouche desenvolveu a “Teoria do Decrescimento”, nos fazendo querer entender como suas características podem influenciar a eficácia dos direitos sociais.

Em linhas gerais, esta teoria trata-se de uma mudança de cultura, visto que objetiva o abandono do crescimento ilimitado, fazendo a sociedade focar em outros valores a partir de uma visão de mercado.

Diante disso, o presente artigo visa demonstrar de que forma a teoria do decrescimento é importante no que diz respeito a eficácia dos direitos fundamentais, visto estarem prejudicados com a sociedade formada com base no crescimento ilimitado. Assim, são objetivos específicos analisar as características da teoria do decrescimento e seus fundamentos principais, bem como demonstrar a partir disso de que forma ela será importante para a eficácia dos direitos fundamentais sociais da sociedade caso seja implantada.

O presente trabalho apresenta como problemática a resposta dos seguintes questionamentos: O que são os direitos sociais e qual é sua importância? Quais são os fundamentos e metas da teoria do decrescimento? De que forma a teoria do decrescimento vai influenciar na eficácia dos direitos sociais?

Com base nisso, o presente trabalho num primeiro momento vai dispor sobre o os direitos sociais, seu aspecto histórico, suas características e sua importância. Em seguida, passa-se a analisar a teoria do decrescimento desenvolvida por Serge Latouche. E, no último item, o foco será demonstrar de que forma a teoria do decrescimento é importante no que diz respeito a eficácia dos direitos sociais.

A metodologia utilizada foi o método indutivo, método dedutivo, com as técnicas da pesquisa bibliográfica e do fichamento.

1.Os direitos sociais e sua importância

Com as metas surreais pregadas pelo capitalismo por meio da industrialização que os primeiros anseios por direitos sociais e, consequentemente, pela igualdade passaram a existir. Trata-se de uma fase da história onde se presenciou a exploração em excesso dos trabalhadores, uma desigualdade social exponencial e, não bastasse isso, um Estado sem poder algum de intervenção  que agia de acordo com o que o liberalismo pregava.

Diante desse quadro, os séculos XIX e XX foram marcados pelo surgimento dos direitos sociais, segunda geração de direitos fundamentais que pregava: a necessidade de um Estado mais presente com o fim de diminuir as desigualdades sociais na sociedade[2]; um Estado que buscasse a aproximação do núcleo axiológico da Constituição - a dignidade da pessoa humana; e, por fim,  a busca da justiça social.

Sarlet ainda atribui aos direitos sociais horizontes muito maiores, visto que “não englobam apenas direitos de cunho positivo, mas também as assim denominadas “liberdades sociais”.”[3]

E assim deu-se início ao chamado Estado social, que apesar de ter a visão voltada aos anseios  da classe proletária, passou a buscar o equilíbrio da relação entre empregadores e trabalhadores com a sua regulamentação, para que ambas as classes pudessem exercer sua liberdade e igualdade de maneira digna, afim de não gerar uma crise social, tratando-se portanto de um Estado de todas as classes como ressaltado por Paulo Bonavides[4].

Ao empregar meios intervencionistas para estabelecer o equilíbrio na repartição dos bens sociais, instituiu o Estado, ao mesmo passo, um regime de garantias concretas e objetivas, que tendem a fazer vitoriosa uma concepção democrática de poder, vinculada primacialmente com a função e fruição dos direitos fundamentais, concebidos doravante em dimensão por inteiro distinta daquela peculiar ao feroz individualismo das teses liberais e subjetivistas do passado. Teses sem laços com a ordem objetiva dos valores que o Estado concretiza sob a égide de um objetivo maior: o da paz e da justiça na sociedade.[5]

No caso do Brasil, foi na Constituição do Brasil de 1934 que os primeiros direitos sociais foram dispostos, cujo conteúdo derivava das lutas daqueles que não tiveram acesso as vantagens fornecidas pelo Estado Liberal.[6]

Em relação ao que esses direitos representam, eles estão ligados as necessidades básicas das pessoas no âmbito do trabalho, educação, vida, saúde e da alimentação, sendo de interesse de todas as camadas da sociedade, especialmente as camadas mais débeis e vulneráveis.[7]

A princípio eles diziam respeito somente ao indivíduo, mudando o entendimento visto que como todos os direitos fundamentais, os direitos sociais são a expressão de valores objetivos fundamentais da comunidade, devendo eles serem interpretados sob o ponto de vista coletivo, ou seja, como valores a serem respeitados e concretizados pelo Estado, mas também sendo uma responsabilidade comunitária dos indivíduos.[8]

A par disso, a postura que o Estado deve assumir perante esses direitos é mais ativa, pois como são considerados direitos a prestações, o Estado é “obrigado a colocar à disposição dos indivíduos prestações de natureza jurídica e material (fática)”[9] para a sua efetividade na busca da igualdade. Trata-se portanto de direitos juridicamente vinculantes.

Os direitos fundamentais de segunda geração são, pois, os direitos econômicos, sociais e culturais, nos quais o Estado assume indiscutível função promocional, satisfazendo ativamente as pretensões dos cidadãos, tendo por objetivo concretizar os primados da igualdade material.[10]

É o que também pode ser confirmado pelo Pacto Internacional dos Direitos Econômicos, Sociais e Culturais[11] no seu art. 2º, §1º, ao estabelecer o comprometimento do Estado e seu esforço para assegurar que esses direitos sejam progressivamente exercidos por seus cidadãos.

Em prol disso, mostra-se que o status de direito fundamental, bem como a previsão no Pacto internacional é uma superação da ideia de que os direitos sociais são somente intenções, pois geram obrigações concretas ao Estado.

Mas apesar da ênfase dada até o momento a essa dimensão positiva dos direitos sociais, importante destacar a sua dimensão negativa, ou seja, não poder impor a prestação do Estado se a matéria não foi legislada de forma completa, deixando dúvidas quanto a maneira que pode ser aplicada.[12]

Ocorre que o simples fato de os direitos sociais estarem previstos em diversas constituições e instrumentos internacionais já dá vazão a possibilidade de justiciabilidade caso o Estado não cumpra com suas obrigações perante o cidadão lesado[13]. No caso do Brasil, tratando-se da falta de regulamentação pelo legislador, ainda pode-se recorrer a ação indireta de constitucionalidade por omissão.

E para avançar nessa questão, importante tratar da característica principal dos direitos sociais objeto do presente artigo, a eficácia, prevista no art. 5º, §1º da Constituição que prevê que “as normas definidoras dos direitos e garantias fundamentais têm aplicação imediata”.

Mas, apesar desta previsão, aplicação imediata não é sinônimo de eficácia e, também não quer dizer que a eficácia será aquela almejada pelo titular do direito. Isso porque, em se tratando de direitos sociais a eficácia acaba ficando comprometida, pois como já mencionado anteriormente, dependem da iniciativa do legislador em regulamentar a sua aplicação.

Não se pode esquecer no entanto que como direitos fundamentais previstos na Constituição Federal, há a implicação de observância obrigatória de dispositivos infraconstitucionais aos seus ditames e não o contrário, pois “é a lei que se move no âmbito dos direitos fundamentais e não o oposto”[14].

Existem ainda algumas peculiaridades entre esses direitos tomando como parâmetro a eficácia, visto que são os direitos sociais prestacionais os que possuem maiores problemas, diferente do que ocorre com os direitos sociais de defesa, visto que estes produzem efeitos independente de regulamentação do legislador, apesar de não ser um entendimento compartilhado pelo STF, que defende a devida regulamentação pelo legislador para uma eficácia plena.[15]

E em relação aos direitos sociais prestacionais, apesar da falta de regulamentação, o constituinte originário não deixou essas normas com eficácia vazia, garantindo o mínimo de eficácia quando essas normas forem aplicadas.

Além dessa forma de dispor os direitos sociais quanto a eficácia, existem autores[16] que tratam da eficácia social da norma, ou seja, que se refere ao “reconhecimento” e cumprimento efetivo de uma norma por parte da sociedade. E, para complementar essa explicação, há ainda que se falar da eficácia jurídica da norma.

Assim, enquanto a eficácia jurídica trata-se da previsão da norma na Carta Magna, com o intuito de produzir os efeitos jurídicos almejados pelo legislador no que diz respeito à aplicabilidade, exigibilidade ou executoriedade da norma em si, a eficácia social, confundindo-se com a efetividade, vai dizer respeito a concreta realização dos efeitos de uma norma pela sociedade.

Partindo disso, o cerne da questão esta em não haver normas “ineficazes” devendo todas terem um objetivo essencial afim de contribuir com a busca pela dignidade da pessoa humana. Sobre isso, destaca José Afonso da Silva[17]:

A lei é tanto mais eficaz quanto mais se projeta no meio social, em que deve atuar; quanto mais seus termos abstratos se enriquecem de conteúdo social, do Direito.

Dessa forma, tendo em vista os direitos sociais previstos na Constituição Federal, nos artigos 7º ao 11º, mas também encontrados dispersos ao longo da Carta Magna em questão, apesar da garantia de um mínimo de eficácia, o que se espera é um aumento progressivo de sua fruição pelos cidadãos, respeitando o Princípio da proteção insuficiente ao direito fundamental, o que não se visualiza no contexto que a sociedade esta vivendo, onde os mais prejudicados são os trabalhadores e parte carente da população.

2. A teoria do decrescimento e seus fundamentos

Conforme já mencionado na Introdução, a globalização e o consequente crescimento ilimitado geraram uma crise generalizada nos diversos setores da sociedade, resultando em inúmeras catástrofes no âmbito ambiental e principalmente no âmbito social.

Foi diante de toda essa problemática que o filósofo francês Serge Latouche desenvolveu a “teoria do decrescimento”, que possui como fundamento “o abandono do objetivo do crescimento pelo crescimento”[18] e, ainda, o abandono da falsa ilusão de que a felicidade esta baseada na possibilidade de consumo.

A princípio o crescimento ilimitado era visto como algo que contribuiria para o desenvolvimento da sociedade nos seus diversos aspectos, baseada na crença de que o meio ambiente é infinito e que portanto comportaria o desenvolvimento sem limites almejado pela sociedade.  Soma-se a isso o fato de o homem se ver como algo separado do ambiente que o envolve e ainda, as expectativas de que este crescimento poderia satisfazer as necessidades de todas as classes sociais, diminuindo as desigualdades e proporcionando o bem-estar tão almejado. O que conforme a teoria do decrescimento[19] não é uma realidade, como pode-se verificar:

A sociedade de crescimento não é desejável por, pelo menos, três razões: ela gera um aumento das desigualdades e injustiças, cria um bem-estar largamente ilusório, não cria para os próprios “ricos” uma sociedade convivial, mas sim uma “antisociedade” doente devido à sua riqueza.

Assim, a teoria do decrescimento foi originada a partir do reconhecimento de duas ideias que se complementam: que as atitudes da sociedade em busca do crescimento são na verdade totalmente incompatíveis com o meio ambiente, resultando numa crise ambiental. E, em decorrência disso, da crítica quanto a técnica do desenvolvimento.

É em prol disso que Latouche faz uma crítica ao desenvolvimento sustentável uma vez que a considera uma mistificação. Da mesma forma que o crescimento adotado atualmente, o desenvolvimento propriamente dito não vai estar respeitando o tempo de recuperação do meio ambiente diante das atrocidades até então cometidas. Não existe compatibilidade entre continuar o desenvolvimento e salvaguardar o meio ambiente. Segundo esse filósofo[20]:

O “desenvolvimento sustentável”, invocado de forma encantatória em todos os programas políticos, “tem como única função”, precisa Hervé Kempf, “conservar os lucros e evitar a mudança de hábitos quase sem alterar o rumo”. Falar de um “outro” desenvolvimento ou de um “outro” crescimento, traduz uma grande ingenuidade, ou uma grande duplicidade.” Trata-se com efeito de propostas de compromisso já antigas, que tentam conciliar a preservação do meio ambiente com as “conquistas” da dominação econômica.

Sobre isso, ele ainda reforça que esse rótulo desenvolvido por trás do termo “desenvolvimento sustentável” é extremamente falacioso, visto que é uma prática adotada pelas empresas para angariar vantagens.

É um mito acreditar que conseguiremos sem esforço, sem sofrimento e ainda por cima ganhando dinheiro, estabelecer uma compatibilidade entre o sistema industrial produtivista e os equilíbrios naturais, fiando-nos unicamente nas inovações tecnológicas (...)[21]

A partir disso, uma das ideias centrais da teoria do decrescimento é segundo Latouche, um processo de decrescimento material e de considerar o que seria riqueza a partir de outros indicadores mais ligados a preservação e viabilidade ecológica e de justiça social[22]:

Além disso, diferente do que o próprio nome “decrescimento” aparenta, ela não se trata de um crescimento negativo ou um retrocesso, ela consiste na busca e formação de “sociedades autônomas e economizadoras”[23].

Mas a ideia é muito mais profunda que esta, visto que trata-se do abandono da necessidade de buscar o PIB desejável que se baseia no “bem-ter” para a busca de um bem estar vivido.[24]

E, para tornar essa busca possível, Latouche desenvolve o sistema de 8 “Rs”, ou seja, oito mudanças interdependentes para desencadear a formação da sociedade do decrescimento: reavaliar, reconceituar, reestruturar, redistribuir, relocalizar, reduzir, reutilizar, reciclar.[25]Obviamente que aqui não trata-se de uma lista de mudanças das metas mais importantes, não sendo uma lista exaustiva.

Reavaliar e reconceituar consistem em primeiramente verificar quais os valores que esta se preconizando na nossa sociedade, uma vez que o sistema que tem determinado os valores da sociedade, sendo que deveria ser o contrário[26].

O progresso nos afasta de valores básicos que garantem nosso bem-estar. A ânsia pelo “ter cada vez mais” impõe aos indivíduos de uma sociedade cargas de trabalho cada vez maiores e, com isso vem a perda de saúde, de vida digna, de bem-estar, valores estes ditos centrais em nossa Constituição, e buscados em todo nosso ordenamento jurídico.

“Reestruturar significa adaptar o aparelho de produção e as relações sociais em função da mudança dos valores.”[27]Assim, o decrescimento se mostra não como uma mudança contrária ao capitalismo, mas que o supera.

A partir da reestruturação temos automaticamente a redistribuição, que consiste na “repartição de riquezas e ao acesso ao patrimônio natural”[28], tratando-se de rever a forma como o ser humano utiliza a natureza, uma vez que até o momento tal forma têm deixado marcas irreversíveis em prol do crescimento.

A redistribuição consiste também em dar outras finalidades para a terra, aumentando as oportunidades de emprego para as classes mais variadas da sociedade, destacando-se com isso outro aspecto positivo da redistribuição, que trata-se na redução do tempo de trabalho.

Ao contrário dos antiliberais da esquerda tradicional, que propõem construir hospitais e escolas para criar empregos, os ecologistas preconizam medidas que se baseiam numa tributação das máquinas, num desagravamento do trabalho, em reformas fundiárias (recriar agricultores) e em trabalhos que favorecessem as economias de energia e de consumo dos recursos naturais[29]

Outra mudança destacada é a relocalização, que aborda uma centralização do aspecto econômico  e principalmente dos aspecto cultural e político. Isso porque as sociedades atuais vivem na dependência do desenvolvimento, gerando uma insegurança se pensar no “local”, além de gerar uma desvalorização do “local”, o que confore Latouche é denominado “glocalismo” que segundo esse mesmo autor[30]:

A verdade do pretenso “glocalismo” é essa altura o estabelecimento de uma concorrência dos territórios que são incitados a oferecer condições cada vez mais favoráveis às empresas transnacionais” regalias fiscais, flexibilidade do trabalho e da regulamentação (ou antes, desregulamentação) ambiental.

Trata-se de uma exploração em âmbito mundial onde as grandes potências abusam dos que tem menos espaço no mercado global, destruindo qualquer perspectiva que a economia local poderia ter, bem como sacrificando possibilidades de desenvolvimento de questões sociais, quais sejam, a melhoria da qualidade de vida e, consequentemente aumento da efetividade e eficácia de direitos fundamentais daquela determinada sociedade. Os locais perdem o sentido em prol da mundialização.

(...)porque é evocando aquela palavra (globalização) que os governos de todos os países pregam moderação salarial, efetuam cortes na despesa pública e se preparam para destruir ou alterar profundamente o estado social.[31]

Por fim, reduzir, reutilizar e reciclar irão remeter a mudança de costumes da sociedade instalados pelo desenvolvimento, sendo uma contribuição para todas as áreas que se encontram em crise nos dias atuais, pois tais mudanças possibilitariam um aumento de saúde, bem-estar, de alegria de viver[32].

A redução abrange a “diminuição na utilização de transportes, do consumo de energia e das emissões dos gases com efeito estufa”[33], soma-se a isso a redução de lixo e desperdícios. Em relação a reutilização e reciclar, elas remetem ao respeito a biosfera, devendo abranger o indivíduo e as empresas. Lembrando que reutilização é quando um mesmo objeto pode ser utilizado mais de uma vez, e reciclagem consiste não em transformar um determinado objeto em lixo, mas sim de recuperar os seus componentes.

Assim, apesar de parecer utópica, a teoria do decrescimento e as ideias expostas (sem esgotar o tema), vem como uma alternativa, bem como uma aliada da sustentabilidade para buscar soluções a essa nova realidade vivida, pois diferente do pregado, esta progressivamente prejudicando a vida humana, acabando com qualquer expectativa de qualidade de vida, bem como de garantias quanto o que deveria ser resguardado pelos mais diversos sistemas jurídicos.

3. A teoria do decrescimento e sua influência na eficácia dos direitos sociais

A teoria do decrescimento, conforme destacado no item anterior, tem como palavras- chave dois aspectos: o crescimento ilimitado e as consequências diretas disso para o meio ambiente e para a justiça social. Assim, essa teoria vem ganhando espaço como alternativa para resolver os problemas trazidos com a globalização e o crescimento ilimitado pregado, que acabaram por influenciar negativamente na qualidade de vida da sociedade.

Uma sociedade que tem como base a lógica do crescimento ilimitado acaba por gerar uma crise ambiental, mas também uma crise na ampla gama de direitos que o homem possui, visto que ficou insustentável para nosso ordenamento jurídico e principalmente para a Constituição garantir o direito à uma vida digna, a partir do momento que ficou comprovada a relação de interdependência entre os direitos fundamentais, conforme Sarlet[34] destacou em sua obra ao tratar de gerações de direitos:

Com efeito, não há como negar que o reconhecimento progressivo de novos direitos fundamentais tem o caráter de um processo cumulativo, de complementariedade, e não de alternância [...] razão pela qual há quem prefira o termo “dimensões” dos direitos fundamentais.

Isso porque com esse crescimento exarcebado, característico de uma sociedade acumuladora acaba por prejudicar diretamente o meio ambiente. Soma-se a isso os efeitos da globalização, uma vez que o Estado passa a perder suas características, em especial a soberania, prejudicando a sua atuação em dar efetividade a direitos fundamentais, em especial no que diz respeito a dar o devido aparato aos direitos sociais.

Os direitos sociais previstos na Constituição são os primeiros a serem atingidos. Por serem direitos adquiridos por meio do Estado, necessitam, para sua implementação, da atuação estatal no estabelecimento de serviços públicos que os garantam (inclusive com a destinação de recursos), além da sua intervenção no mercado para reduzir as desigualdades sociais. Mas como a tendência atual é justamente o contrário, ou seja, reduzir o tamanho do Estado e liberar o mercado, a efetivação dos direitos sociais torna-se cada vez mais utópica.[35]

Diante disso, os direitos sociais passam a perder seu caráter obrigatório e vinculativo, se tornando meras expectativas de direito, o que se torna inadmissível partindo das características dos direitos fundamentais sociais destacadas no item um deste artigo.

Assim, a primeira contribuição da teoria do decrescimento diz respeito aos resultados positivos que ela traz ao meio ambiente, uma vez que diante do que defende possibilita que haja consciência da necessidade de preservação e, ainda, a necessidade de respeito ao tempo da natureza se reestabelecer frente a exploração realizada em prol da sobrevivência.

A par disso, tal mudança de pensamento e de agir vai favorecer não somente questões materiais, mas também a qualidade de vida buscada e pregada pela Carta Magna.

Trata-se da interdependência entre os direitos fundamentais, em especial no que diz respeito ao direito à proteção ambiental, por ser um direito de terceira geração responsável pelo aumento da eficácia de direitos sociais como aborda Ana Paula Cabral Balim[36]:

A efetivação de direitos sociais, aqui interpretados como uma espécie dos direitos humanos dependerá da existência de um meio ambiente saudável, caso contrário, os direitos à saúde, qualidade de vida, moradia, trabalho entre outros ficariam comprometidos. Neste mesmo sentido, para que haja preservação ambiental e uma conscientização da sociedade para com a mesma, é necessário que os direitos do homem, enquanto coletividade, sejam respeitados.

Isso porque tanto os direitos sociais, quanto o direito à proteção ambiental são direitos coletivos e, portanto, ligados numa relação de reciprocidade e interdependência no que diz respeito a sua eficácia.

Outro aspecto positivo que pode ser ressaltado com esta teoria pregada por Latouche diz respeito a possibilidade de diminuição da taxa de desemprego a partir da construção de uma economia mais local e autônoma, que acarretaria num aumento de propostas de empregos.

Com efeito, isso possibilitaria a diminuição do tempo de trabalho, contribuindo para o aumento do bem-estar social. Isso resultaria num aumento da eficácia dos direitos sociais, pois abrange tanto o emprego, a vivência e bem-estar social da sociedade.

Além disso, a busca por uma sociedade autônoma economicamente devolveria a soberania do Estado retirada pela globalização. Isso viabilizaria um maior investimento em políticas sociais, pois como já destacado no item um, o Estado é o maior garantidor de direitos sociais, pois é a partir de ações concretas dele que os direitos sociais são efetivados.

Considerações Finais


Notas e Referências:

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[1] Aluna no curso de Mestrado Acadêmico em Ciência Jurídica do CMC/UNIVALI, Itajaí-SC, Brasil. E-mail: c_savaris@hotmail.com. Lattes: http://lattes.cnpq.br/4075995413144897

[2] ARAUJO, Luiz Alberto David. Curso de direito constitucional. 18 ed. São Paulo: Editora Verbatim, 2014,p. 279.

[3] SARLET         , Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008,p. 55.

[4] BONAVIDES, Paulo. Do estado liberal ao estado social. 6.ed. rev e ampl. São Paulo:Malheiros Editores,1996,p. 185.

[5] BONAVIDES, Paulo. O Estado Social e sua Evolução Rumo à Democracia Participativa. In: SOUZA NETO, Cláudio Pereira de; SARMENTO, Daniel (Coords.). Direitos Sociais: Fundamentos, Judicialização e Direitos Sociais em Espécie. Rio de Janeiro: Lumen Juris, 2010, p. 74.

[6] MAIA, Mário Sérgio Falcão. Neoconstitucionalismo e direitos sociais. Revista de Direito Sanitário, São Paulo, v.10, n.3, p.27-38, nov.2009/fev.2010.

[7] PISARELLO, Geraldo. Los derechos sociales y sus garantías. Madrid: Editorial Trotta, 2007, p.11.

[8] SARLET         , Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008,p. 162.

[9] SARLET         , Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008,p. 204.

[10] SHAFER, Jairo.  Classificação dos direitos fundamentais: do sistema geracional  ao sistema unitário: uma proposta de compreensão.  2ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2013, p. 51.

[11] PACTO INTERNACIONAL DOS DIREITOS ECONOMICOS, SOCIAIS E CULTURAIS. Disponível em : http://www.unfpa.org.br/Arquivos/pacto_internacional.pdf. Acesso em: 26 de abril de 2016.

[12] SARLET        , Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008,p. 302.

[13] ABRAMOVICH, Víctor; COURTIS, Christian. Los derechos sociales como derechos exigibles- prólogo de Luigi Ferrajoli. Madrid: Editorial Trotta, 2002, p.37

[14] Cf. Canotilho, J. J. Gomes. Constituição dirigente e vinculação do legislador- Contributo para a compreensão das normas constitucionais programáticas, p. 363, citando a obra de Herbert Krüger, Grundgesetz und Kartellgesetzgebung; SARLET, Ingo Wolfgang; MARINONI, Luiz Guilherme; MITIDIERO, Daniel. Curso de Direito Constitucional. 2 ed. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2013. p. 328

[15] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008,p. 277.

[16] REALE, Miguel. Lições preliminares de direito.23.ed. São Paulo: Saraiva, 1996. p. 135.

[17] SILVA, José Afonso da. Princípios do Processo de Formação das Leis no Direito Constitucional. São Paulo: Revista dos Tribunais, 1964. p. 236.

[18] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: ipiageteditora, 2006,p.13.

[19] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p.46.

[20] LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 10.

[21] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p. 22.

[22] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p. 110.

[23] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p. 138.

[24] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p. 138.

[25] LATOUCHE, Serge. Pequeno tratado do decrescimento sereno. Tradução Claudia Berliner. São Paulo: Editora WMF Martins Fontes, 2009, p. 42.

[26] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p. 143.

[27] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p. 166.

[28] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p. 174

[29] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p. 176

[30] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p. 184.

[31] ROMAGNOLI,  Umberto. Os juristas do trabalho frente à globalização. In: SILVA, Diana de Lima e; PASSOS, Edésio (Orgs). Impactos da globalização: relações de trabalho e sindicalismo na América Latina e Europa: teses do grupo de Bologna/ seminário internacional do Direito do Trabalho. São Paulo: Ltr, 2001, p.22.

[32] LATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p. 196.

[33] L ATOUCHE, Serge. O desafio do decrescimento. Trad: António Viegas. Lisboa: Ipiageteditora, 2006,p. 199.

[34] SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais. 9ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Ed., 2008,p. 52.

[35] SANTIN, Rigo Janaína. As novas fonts de poder no mundo globalizado e a crise de efetividade do direito. Revista da SJRJ, Rio de Janeiro, n.25, p. 79-92, 7/2009.

[36] BALIM, Ana Paula Cabral. Indivisibilidade socioambiental: por uma visão integracionista entre os direitos sociais e a proteção do meio ambiente. Revista Direitos Emergentes na Sociedade Global, Santa MAaria, v.1, n.1, jan.jun/2012, p.45-55.


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Camila Savaris é advogada formada pela Faculdade de Direito Curitiba- Unicuritiba. Mestranda em Ciências Jurídicas pela Universidade do Vale do Itajaí- UNIVALI.

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Imagem Ilustrativa do Post: Musical #Legaldade50 // Foto de: Cintia Barenho // Sem alterações

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O texto é de responsabilidade exclusiva do autor, não representando, necessariamente, a opinião ou posicionamento do Empório do Direito.


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